O Art. 90-E da Lei Pelé: como e a quem aplicar

AutorGilmar Carneiro de Oliveira
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, titular da 13a Vara do Trabalho de Salvador. Professor de Direito Previdenciário da Faculdade Dom Pedro II
Páginas287-291

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Ver nota 1

Dentre as muitas inovações que promoveu na cognominada Lei Pelé, a Lei n. 12.395/2011, incluiu o art. 90-E em seu capítulo X, intitulado "Disposições Gerais", dando-lhe a seguinte redação:

O disposto no § 4º do art. 28 quando houver vínculo empregatício aplica-se aos integrantes da comissão técnica e da área de saúde.

Delimitar o alcance desse preceito, mirando especialmente as consequências práticas que poderá gerar nas relações de trabalho do mundo futebolístico, é o que pretendo por estas mal traçadas linhas.

Para tentar chegar a esse pretensioso objetivo, é necessário, primeiro, transcrever, na integra, o preceito normativo nele referido, que amplia largamente o âmbito de incidência da lex sportiva, pois poderá facilitar a compreensão do tema e despertar, de plano, algum interesse nos incautos que se propuserem a lê-las.

Antes, porém, da transcrição, cumpre pontuar sobre a causa determinante da inclusão do já transcrito preceito na Lei Pelé, cuja existência foi misteriosamente abstraída pelo eminente Professor Álvaro Melo, quiçá a fonte mais confiável que se pode ter sobre tudo que diga respeito à legislação desportiva em nosso país nos últimos vinte anos, quando em sua obra a "Nova Lei Pelé" enumerou todas as "novidades" introduzidas pela Lei n. 12.395/2011, exceto o indigitado preceito.

De início intuo que a concepção da novel disposição legal tem a mesma origem e a mesma cara que a da maioria dos dispositivos da Lei Pelé: o poder de influência dos clubes de futebol, que ciclicamente atua sobre o Parlamento Brasileiro, cujo exemplo mais recente e eloquente foi a reformulação da chamada "cláusula penal", agora bipartida e rebatizada de "cláusula indenizatória", exclusivamente para os clubes, e "cláusula compensatória", voltada apenas para os atletas.

No caso que trataremos, a norma teve desenganadamente o escopo de estender, para os demais partícipes do espetáculo futebolístico, as normas mais importantes aplicáveis a seu maior protagonista, sua excelência, o atleta profissional de futebol, fonte de quase todas as preocupações de nossa lex sportiva.

Assim dispõe o preceito balizador dos principais direitos do atleta profissional de futebol e agora passiveis de aplicação a diversos outros profissionais que giram em torno da bola, in literis:

§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes:

I - se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a 3 (três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta ficar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede;

II - o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto;

III - acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual;

IV - repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana;

V - férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas;

VI - jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais.

A priori, cabe lembrar que a norma remissiva assegura a aplicação desses preceitos apenas quando o prestador de serviços estiver vinculado à entidade de prática desportiva por contrato de emprego.

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A ressalva, que pode parecer inusitada, tem origem provável no fato de ainda existirem os chamados "abnegados", pessoas que em razão da paixão clubística que alimentam, se dispõem a prestar serviços, em caráter voluntário e gratuito, a seus clubes, a exemplo de médicos, advogados, as quais, evidentemente, não são destinatários da norma.

Feito esse pequeno esclarecimento, cumpre perguntar, por começo, se todas as peculiaridades da Lei Pelé devem prevalecer sobre o vínculo empregatício dos profissionais da retaguarda do futebol ou se apenas aquelas "peculiaridades" taxativamente enumeradas nos incisos do referido § 4º, a despeito da redação conferida ao próprio parágrafo.

Há, ainda, que se indagar se depois de aplicados os preceitos "peculiares" da Lei Pelé, o exegeta, caso não...

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