Uma Nova Era Econômica para o Futebol Brasileiro

AutorMarcos Motta - Victor Eleuterio
Ocupação do AutorAdvogado. Sócio de Bichara e Motta Advogados. Mestre em Direito Internacional pela University of Warwick - Advogado associado a Bichara e Motta Advogados
Páginas91-99

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Desde que se tornou mais que um esporte, uma atividade econômica, o sucesso do futebol brasileiro dentro das quatro linhas jamais foi espelhado fora de campo. Pelo contrário, para cada conquista ou grande feito, sempre surgiram novas dívidas milionárias ou denúncias de corrupção. A gestão amadora, centralizada nas mãos de dirigentes não remunerados, sempre foi um dos fatores que prejudicavam o pleno desenvolvimento do futebol brasileiro como um verdadeiro negócio, enfraquecendo nossos clubes tanto esportiva, como financeiramente.

Recentemente, porém, após a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, começamos a observar amostras de que essa realidade pode ser alterada. Impulsionados pelo grande desenvolvimento econômico que o país vem experimentando nos últimos anos, os clubes brasileiros conseguiram se manter, em certa medida, alheios inclusive à grande crise que afetou o mundo (e, naturalmente, o futebol) em 2008 e 2009.

Para que se tenha ideia do tamanho da evolução, dados de um estudo publicado em junho de 2011 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelam que, desde 2003, 47,8 milhões de brasileiros ingressaram nas classes média e alta, em um processo que beneficiou um número de pessoas maior que a população da Espanha e da Argentina e, contrariando as expectativas, inclusive se acelerou nos anos da crise mundial.

Não bastasse isso, segundo o banco mundial, desde 2004 o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro tem um crescimento superior ao dos Estados Unidos e da União Europeia, tendência que atingiu seu ápice em 2010 - quando nossa evolução foi de 7,5%, contra 2,9% dos americanos e 1,9% dos europeus - e deixou o governo confiante para projetar um desenvolvimento de 5% ao ano até 2014.

Aliás, como já dito, o ano de 2014 tem uma importância fundamental para essa mudança de perspectivas no futebol brasileiro. Juntamente com as Olimpíadas de 2016, os investimentos que a Copa do Mundo de 2014 trará - e já está trazendo - só têm a contribuir para o fortalecimento de nosso mercado interno e para uma maior visibilidade dos clubes ao redor do mundo.

Além dos R$ 185 bilhões que a Copa deve movimentar na economia - R$ 48 bilhões em investimentos diretos e o restante, pela circulação do dinheiro3 -, o Ministério do Esporte estima que o Mundial trará cerca de 600 mil turistas estrangeiros ao país, quantidade que, somada aos 3,1 milhões de brasileiros que circularão internamente, deve gerar um total de R$ 9,4 bilhões em riquezas. E, em meio a esse contexto favorável, surge uma oportunidade única, que não pode nem deve ser desperdiçada pelos clubes brasileiros. Considerando o retorno de alguns ídolos e a sedimentação de novas estrelas internacionais, como Ronaldinho Gaúcho e Neymar, apenas para citar dois exemplos, a quantidade de olhos voltados para o Brasil até 2016 franqueia a nossos clubes uma chance ímpar de expandirem seus mercados consumidores e divulgarem suas marcas ao redor do mundo.

Como não poderia deixar de ser, a expansão do mercado trouxe mais dinheiro e mais investidores para o futebol, fato que, aliado a novos contratos de patrocínio e de televisão, vem aumentando incrivelmente as receitas dos clubes. Em meio a esse cenário, mais fundamental ainda é o papel dos novos dirigentes no futebol brasileiro. Apesar de não ter havido uma mudança estrutural nos clubes, os "cartolas" parecem estar mais bem preparados - ou assessorados - para implementar gestões mais profissionais, com o planejamento de ações institucionais e de marketing e melhor controle orçamentário, visando a maximização dos ganhos esportivos e econômicos.

As perspectivas não poderiam ser mais favoráveis e animadoras. Chega a ser difícil imaginar, no futuro, um período em que o Brasil tenha tantas possibilidades de mudança para melhor.

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Nesse panorama, o presente artigo tem o objetivo de analisar por que o mercado do futebol brasileiro está se alterando, quais os dados que demonstram isso e que aspectos ainda podem ser melhorados.

1. O crescimento em números

Feito este introito, passaremos agora a analisar alguns números que revelam a evolução do mercado do futebol brasileiro nos últimos tempos e as perspectivas para os anos que se avizinham.

Observando dados sobre as receitas dos clubes brasileiros nos últimos anos, é possível notar um expressivo crescimento de seus valores absolutos, impulsionado principalmente pelo aumento das chamadas cotas de televisão e por recursos gerados com patrocínio e publicidade. Segundo um estudo da auditoria BDO RCS, de 2009 para 2010, as receitas geradas por todos os clubes de futebol no Brasil tiveram um aumento de 13,4%, atingindo o valor recorde de R$ 2,18 bilhões. Nos últimos 8 anos, essa evolução já é de 171%4. Outra auditoria independente, a Crowe Horwath RCS, projeta, ainda, que essas receitas atinjam de R$ 3 bilhões a R$ 3,4 bilhões (em um cenário otimista) até 2014, o que pode significar a duplicação dos números verificados em 2009. Absolutamente extraordinário.

Outro aspecto positivo que se verificou no estudo da BDO RCS é a mudança na composição de tais receitas. Pelo terceiro ano consecutivo, os rendimentos gerados com a transferência de jogadores apresentaram redução, atingindo seu menor percentual desde 2003 (15%), fato que demonstra que nossos clubes estão se tornando mais fortes no mercado internacional, sem precisar abrir mão de seus principais valores para o saneamento de finanças.

Já os ganhos com o licenciamento de direitos de transmissão dos jogos, que cresceram em valores absolutos de 2009 para 2010, continuaram representando 28% da receita total dos clubes no país. Entretanto, com o fim, em 2011, da negociação coletiva até então feita pelo Clube dos 13, a soma das chamadas cotas de televisão para os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro mais que dobrou, superando, em 2012, a casa de R$ 1 bilhão5 anuais e colocando a principal competição nacional como a quinta mais lucrativa em todo o mundo neste quesito, à frente, por exemplo, da poderosa Bundesliga alemã6.

Além disso, como já ressaltado, as receitas de patrocínio e publicidade, associadas a um bom planejamento e gestão dos clubes, tiveram um significativo aumento em 2010, passando de 14% para 17%. Para que se tenha noção dessa evolução, recentes pesquisas apontam que o Corinthians tenha atualmente o quinto maior patrocínio de camisa em todo o mundo, recebendo cerca de R$ 48 milhões por ano e ficando atrás apenas de gigantes europeus, como Barcelona, Manchester United, Real Madri e Liverpool7. Ademais, se considerado como um todo, o Campeonato Brasileiro foi o terceiro que mais arrecadou no mundo inteiro com patrocínios de camisa em 2010, ficando atrás apenas da Premier League inglesa e da Bundesliga alemã8.

Somados esses números às receitas da CBF, temos que o total investido por empresas patrocinadoras no futebol brasileiro chegou a R$ 435 milhões em 2009, um avanço 188% desde 2003. E a tendência é que esse crescimento seja ainda maior: até a Copa do Mundo, projeta-se, de um modo realista, que tais receitas sejam de R$ 790 milhões, podendo chegar, em um cenário otimista, a até R$ 1,09 bilhões9.

Analisando ainda mais a fundo as finanças da CBF, verificamos que a entidade que administra o futebol nacional não está alheia ao processo por que estão passando os clubes. Partindo de um déficit orçamentário de mais de R$ 22 milhões em 2006, esta conseguiu reequilibrar suas finanças já em 2007 - ano em que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014 -, atingindo um superávit de R$ 83 milhões em 2010, alavancado principalmente por verbas de patrocínio, que atualmente representam 71% da receita total da entidade, rendendo-lhe R$ 193,5 milhões só em

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2010. Hoje, conta com mais de 10 patrocinadores e parceiros, todos eles entre as maiores empresas brasileiras, nos mais diferentes ramos de empreendimento10.

Não bastasse isso, um amistoso da seleção canarinho, que em 1994 rendia cerca de US$ 200 mil para os cofres entidade, gera hoje aproximadamente US$ 2,5 milhões. Evidente e natural, portanto, o interesse da CBF na realização de tantos amistosos, ainda mais nos anos que precedem o Mundial de 2014, para a qual o Brasil não precisará disputar as eliminatórias. Críticas à importância esportiva de tais partidas e aos conflitos com o calendário do Campeonato Brasileiro são, de fato, válidas e pertinentes, mas cabe notar que há aqui, também, mais uma oportunidade para que os clubes brasileiros aproveitem comercialmente a exposição de seus talentos, fato que há pouco tempo seria impossível, já que praticamente todos os convocados atuavam no exterior. Não se trata apenas de colocar atletas à venda na vitrine da seleção - como se fazia antigamente -, mas fazer com que estes se tornem garotos-propaganda da marca do clube e de seus patrocinadores, preparando-os para valorizar a imagem das instituições que representam quando estiverem sob os holofotes da Seleção.

E é justamente o novo arranjo de mercado, em que os clubes brasileiros começam a deixar de ser meros exportadores de mão de obra, que possibilita isso. Nos últimos anos, uma série de talentos, como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Robinho, Rivaldo, Deco, Luis Felipe Scolari, Luis Fabiano, Adriano, Fred, Vágner Love e Elano, retornaram ao país. Mais importante ainda, as principais estrelas da nova geração, como Neymar, Ganso, Lucas, Leandro Damião e Dedé conseguem hoje permanecer cada vez mais tempo no Brasil, podendo consolidar bem suas carreiras, sem precisar se transferir precocemente para o exterior em busca de independência financeira.

O mercado nacional começa a se tornar mais atrativo mesmo para os atletas de ponta, que já conseguem conciliar ganhos consistentes com...

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