Duração Semanal do Trabalho do Atleta, Trabalho Noturno e DSR: Tratamento Peculiar ou Geral?

AutorFrancisco Alberto da Motta Peixoto Giordani
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região
Páginas231-241

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Ver nota 1

Questão de irrecusável interesse, entre tantas outras, para os que se preocupam e estudam o direito desportivo, em sua perspectiva trabalhista, no que toca a relação existente entre o atleta (voltarei minhas atenções, neste estudo, especificamente, ao jogador de futebol, pela sua relevância e atenção que a legislação dispensa a essa modalidade desportiva) e a entidade desportiva, é a que diz respeito a duração do trabalho daquele, no sentido de estabelecer se devem ser observadas, em seu desenvolvimento, as regras gerais de duração fixadas para os trabalhadores não sujeitos a uma duração de trabalho diferenciada, ou se deve haver uma normatização específica para essa espécie de trabalhador, ou, ainda, se não há falar em limitação alguma, o que seria impraticável, atento as peculiaridades/especificidades dessa atividade, sem paralelo em outras.

Por diversos ângulos essa realidade pode ser examinada e, por isso mesmo, diferentes posições podem ser sustentadas, e com boa dose de razão muitas delas, o que, força é convir, torna sobremaneira difícil uma tomada de posição, quanto a qual a solução ideal nesse ponto, o que, de resto, é uma dificuldade que sempre se apresenta, quando se pensa em atingir e mesmo definir o que seja o "idear" para uma dada realidade, o que nos obriga a ser muito modestos, em nossas pretensões, cônscios de que, em tão árido terreno, pode-se, apenas - o que não é pouco -, ter a ambição de caminhar em busca, na direção, desse ideal, de forma honesta e com máxima determinação, sem segurança de que será possível atingi-lo; aqui, de reproduzir as lúcidas palavras do grande processualista José Carlos Barbosa Moreira2, no sentido de que:

A impossibilidade de atingir um ideal não nos dispensa de fazer esforços em sua direção. Podemos ter mil escusas legítimas para não alcançar o ideal, mas só estaremos autorizados a invocá-las, se realmente houvermos disposto a todos os esforços que estejam ao nosso alcance; e é preciso que tenhamos sempre, a cada momento, essa imagem ideal diante de nós, para que ao menos saibamos em que direção devemos caminhar, ainda que conscientes da nossa impossibilidade de atingir a meta.

À partida, devo esclarecer que entendo que o exame do tema atinente a duração do trabalho do atleta não pode ser, digamos assim, contaminado, pela paixão que cada qual sente pelo seu time, o que faz com que se seja benévolo em relação ao que diga respeito e seja melhor para a entidade desportiva, de modo a justificar tudo, a encontrar explicação para tudo, seja em relação aos seus atletas, ou no que tange aos seus negócios, as suas obrigações, as quais, das demais entidades se exige rigoroso cumprimento; bem pinta esse quadro a pena do preclaro Luis Fernando Veríssimo3, ao apoiar a transparência dos clubes, nos seguintes termos:

É muito saudável, portanto, que finalmente se investigue seriamente os negócios do futebol e se exija comportamento adulto dos seus responsáveis e correção fiscal e transparência dos clubes.

Desde, claro, que seja dos outros e não do Internacional ou do Botafogo.

Aludido comportamento, conquanto compreensível, no espírito dos aficionados por uma agremiação esportiva, e não é por ser um operador do direito que uma pessoa deixa de sê-lo ou precisa deixar de sê-lo, reclama, deste último e numa situação assim, que se acautele, para que esse gostoso sentimento não seja de tal intensidade que chegue a turvar o olhar jurídico que deite sobre determinado tema; de minha parte, torço sempre para que o SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE consiga sempre aumentar, mais e mais, sua já extensa e invejável relação de troféus, mas não que, para conseguir esse objetivo, deixe de cumprir suas obrigações, máxime quanto aos seus atletas.

Talvez (vocábulo que Alexandre Dumas, em um de seus livros disse que "é a quintessência de todas as filosofias4), o atendimento de todas as obrigações seja um dos campeonatos mais difíceis de ser conquistado para alguns clubes, malgrado o esforço que se imagina e acredita seja direcionado para esse fim!

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Evidentemente, a questão da duração do trabalho se insere na moldura acima referida, ou seja, não pode ser vista apenas sob a ótica do que seja melhor para a entidade desportiva, embora seu interesse não deva ser, sem mais, ignorado, antes, há de ser examinada a situação sem descurar dos interesses e mesmo das necessidades de ambos: atletas e entidades desportivas.

Com esse desiderato, desde logo devo deixar claro que minha preocupação maior não está voltada para a limitada constelação de atletas que desfrutam de fama e prestígio tal que os torna capazes de se fazer ouvir em suas negociações e interesses, pelos clubes aos quais pretendem se ligar, esses, pela graça do Criador, estão tranquilos e espero que assim prossigam, muito embora nem por isso seja possível ignorar, em relação a eles, as normas aplicáveis, mas, é uma verdade indisputável, os grandes astros, possuem, como dito, condições de fazer valer seus direitos, e não raro, uma situação mais confortável ainda do que a resultante da estrita aplicação da lei; volto a atenção, como disse alhures, para a "situação inversa e de extrema dificuldade, vivida pela esmagadora maioria dos atletas profissionais, que entregam seu futuro na esperança de um dia se tornar um desses atletas mundialmente reconhecidos e com todas as boas coisas que a esses acontecem, não cuidando (e muitos não têm nem como enxergar: as lentes com que podem ver o mundo não estão preparadas para tanto!) para a realidade de que no universo do futebol e da notícia sobre esse esporte não há espaço para muitos atletas, ao contrário, pois permite o ingresso de bem poucos"5, ou, como dito de maneira muito clara e consistente pelo ilustre advogado Maurício de Figueiredo Correia da Veiga6, verbis:

Quando se fala de atleta profissional de futebol a primeira imagem que vem à tona é daquele jogador famoso, garoto propaganda de marcas mundialmente conhecidas e que recebe verdadeiras fortunas decorrentes não só de salário, mas também da cessão do direito de uso de sua imagem.

Contudo, esse é um universo extremamente reduzido e representa menos de 5% do universo de jogadores profissionais em nosso país, pois a grande maioria faz parte do quadro de jogadores anônimos que recebem módicos salários, a ensejar a necessidade de uma proteção especial.

E essa realidade, que é a do futebol, ou seja, uma pequena - mas muito pequena mesmo, se comparada ao número total - quantidade de atletas famosos, com voz (de tenor!) para se fazer ouvir em suas tratativas com o seu futuro e/ou com o atual clube, e uma grande maioria, silenciosa, que não tem outra alternativa, que não cumprir o que lhe é determinado, sem força para ponderar seja o que for, faz com que - dita realidade - a interpretação da norma e mesmo qual deva ser a aplicável, se nutra, avidamente, dos ensinamentos e mesmo da razão de ser do direito do trabalho, atento a que, para tais atletas, jogar futebol é uma profissão, como outra qualquer, e que, portanto, precisa se lhes estenda, também, o manto protetor do direito trabalho; de maneira muito objetiva, o que já lhe empresta elevado valor, e de forma irrespondível, alerta o preclaro Luiz Felipe Guimarães Santoro7 que:

A atividade do atleta profissional de futebol desperta muitos interesses e é, sem dúvida, muito lucrativa para aqueles que conseguem alcançar o topo da pirâmide. Não podemos nos esquecer, porém, que a grande maioria dos atletas profissionais em nosso país recebe salário mínimo.

Evidentemente, numa relação assim, o atleta que recebe parcos vencimentos está numa situação de dependência muito grande para com o clube pelo qual atua, sem poder rebelar-se, na prática do dia a dia, contra as determinações que lhe são dadas, e esse aspecto não pode ser desconsiderado, quando se lança os olhos nas normas que disciplinam o liame que venho de referir, procurando delas extrair a interpretação que mais se ajuste aos fins que justificam a existência de um direito do trabalho, e, vale lembrar, a posição de extrema dependência (rectius: fragilidade) do atleta, de uma maneira geral, para com a entidade desportiva, não é algo característico do momento atual, ao reverso, existe desde sempre, e para dar maior densidade a esse asserto, reproduzo o parágrafo inicial de trabalho apresentado pelo

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afamado José Cretella Júnior, ao Instituto dos Advogados de São Paulo, que foi publicado na Revista dos Tribunais no já longínquo ano de 1953, isso mesmo, em 1-9-5-3:

  1. Na escolha do tema que apresentamos ao concurso de estudos jurídicos do ‘Instituto dos Advogados de São Paulo’, influíram principalmente três motivos: a indiscutível atualidade do problema, a escassa ou nula bibliografia nacional pertinente ao assunto e o pequeno amparo legal que nosso Direito dispensa ao esportista, em angustiante posição de inferioridade relativamente à entidade que o contrata.8

Advirto que não propugno por uma leitura do desenho atleta/entidade desportiva que ignore o texto legal aplicável, de forma alguma, apenas penso que, para ser fiel ao espírito que anima o direito do trabalho, há de ser feita uma interpretação que atenda ao aludido espírito, o que, para além de ser, a meu aviso, a postura mais correta, evitaria, quando menos, víssemos assombrações pelos cantos...; conquanto em alguns pontos discorde da doutrina do eminente Albino Mendes Baptista9, acompanho-o quando diz que:

Ao jurista cabe a tarefa de procurar em cada momento as melhores construções para atender à índole própria das diversas realidades sociais, competindo-lhe desenvolver um esforço interpretativo que obste à adoção de soluções absurdas. Mas não lhe competirá nunca criar um regime próprio para estas relações contratuais, pois o poder legislativo cabe a quem democraticamente foi incumbido de o exercer.

E nesse esforço interpretativo não se pode, como afirmei linhas atrás, ignorar o quod plerumque accidit, o que ordinariamente acontece, na relação atleta (não...

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