Atleta Profissional de Futebol: Breve Panorama do Direito do Trabalho Brasileiro a partir da Vigência da Lei n. 12.395/2011

AutorMauricio Godinho Delgado - Gabriela Neves Delgado
Ocupação do AutorMagistrado do Trabalho desde 1989: inicialmente na 1a e 2a Instâncias do TRT-MG e, desde novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Filosofia do Direito - Doutora em Filosofia do Direito (UFMG: 2005) e Mestre em Direito do Trabalho (PUC-Minas: 2002)
Páginas153-161

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I - Introdução

Na ordem jurídica brasileira, o padrão celetista corresponde à regra geral de contratação de trabalhadores empregados. Relativamente a certos empregados especializados, integrantes de categoria profissional específica, autoriza-se a singularidade de poderem, caso exista legislação própria nesta linha, firmar contratos especiais de trabalho, com regras que parcialmente escapam ao padrão geral trabalhista vigorante no País.

Em relação aos atletas profissionais de futebol, pode-se dizer que a peculiaridade torna-se ainda maior, uma vez que seus empregadores - os clubes de futebol - constituem entidades da sociedade civil dotadas de intensa especialização, até mesmo singularidade, justificando o surgimento de legislação própria regente de suas contratações futebolísticas.

A legislação desportiva brasileira foi elaborada originalmente no Governo Vargas (1930-1945). Em 1939, o Decreto-lei n. 1.056 criou a Comissão Nacional de Desportos. Em 1941, o Decreto-lei n. 3.199 instituiu o Conselho Nacional de Desporto, além dos conselhos regionais. Em 1943, o Decreto-lei n. 5.342, instituidor da CLT, criou a Carteira Desportiva para os atletas, determinando que os contratos entre os atletas profissionais e os clubes fossem registrados no Conselho Nacional do Desporto3.

O Conselho Nacional de Desportos, a propósito, editou em 1945 o primeiro Código Brasileiro de Futebol, por meio da Deliberação CND n. 48/45. Por este diploma administrativo, foram criados o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), com atuação em todo o País, os Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs), com atuação regional, além das Juntas Disciplinares Desportivas, com atuação municipal.4

Em 1961, foi regulamentada a profissão do atleta profissional de futebol, pelo Decreto n. 51.008. Embora o diploma jurídico estabelecesse algumas garantias e proteções ao atleta futebolístico, não lhe estendia, regra geral, a legislação trabalhista e previdenciária.

Em março de 1964, surge o Decreto n. 53.820, tratando do atleta profissional de futebol e também do chamado "passe", instituto relacionado à transferência clubística do profissional, que lhe garantia 15% sobre o montante total estipulado para tal passe5.

O atleta profissional de futebol tornou-se beneficiário da Previdência Social apenas em 1973, por meio da Lei n. 5.939.

Pouco tempo depois, em 1975, consideradas as bases da estrutura montada nos anos de 1940, foi instituída a Justiça Desportiva, pela Lei n. 6.251/1975, que revogou o Decreto-lei n. 3.199/19416.

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A Lei n. 6.354, de setembro de 1976, sistematizou, com maior organicidade, a relação empregatícia do atleta profissional de futebol, incorporando o instituto do "passe". Caracterizou-se, contudo, por preservar sistemática de exercício de poder notoriamente favorável ao clube, seja em face do próprio instituto do passe, seja em face das amplas prerrogativas de exercício de poder que sufragava (inclusive com possibilidade de multa salarial punitiva), seja em vista da exiguidade dos direitos trabalhistas aplicáveis à categoria profissional dos atletas. Vigorou por quase duas décadas, sendo substituída em 1993 pela Lei Zico, a qual, entretanto, manteve vigência de alguns preceitos do diploma dos anos de 1970.

A Constituição de 1988, na Seção III ("Do Desporto") do Capítulo III ("Da Educação, da Cultura e do Desporto") do Título VIII ("Da Ordem Social"), estabeleceu regras sobre o desporto (art. 217), inclusive reconhecendo a Justiça Desportiva, na qualidade de sistema prévio ao jurisdicional específico do Poder Judiciário, no tocante à disciplina e às competições esportivas (art. 217, § 1º, CF/1988). Tal exceção constitucional, entretanto, não atinge o direito de ação trabalhista do atleta perante seu respectivo clube empregador (art. 5º, XXXV, CF/1988).

Os Títulos I e II da Constituição, por outro lado, especialmente os arts. 6º e 7º, que tratam dos direitos sociais e trabalhistas, além do art. 3º, IV, que trata do princípio da não discriminação, impuseram, evidentemente, a extensão dos direitos trabalhistas aos atletas profissionais de futebol, resguardadas as peculiaridades da categoria e de seu sistema laborativo, conforme especificado em lei.

A Lei n. 8.672, de 6 de julho de 1993 (Lei Zico), estabeleceu regras gerais do desporto, revogando, em parte, a Lei n. 6.354/1976. O novo diploma foi regulamentado pelo Decreto n. 981, de 11 de novembro de 19937.

Em 24 de março de 1998, foi promulgada a Lei n. 9.615 - Lei Pelé -, com a definição de normas gerais sobre o desporto e consequente revogação das Leis n. 8.672/1993 e n. 8.946/1994. A Lei Pelé extinguiu o instituto do passe (art. 28, § 2º), após três anos de sua própria vigência (art. 93, Lei n. 9.615/1998) - o que significou extinção do passe desde o dia 25 de março de 2001.

Entretanto, a Lei Pelé manteve a vigência de alguns dispositivos da antiga Lei n. 6.354/1976, inclusive a controvertida multa salarial punitiva. A regulamentação da Lei Pelé foi estabelecida pelo Decreto n. 2.574, de 29 de abril de 19988.

Em 16 de março de 2011, finalmente, foi promulgada a Lei n. 12.395, com vigência a partir de sua publicação, ocorrida em 17.3.2011. O novo diploma legal alterou a Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé), regente de normas gerais sobre o desporto, alterando também a Lei n. 10.891/2004, que instituiu a Bolsa-Atleta, os Programas Atleta Pódio e a Cidade Esportiva. Por fim, o diploma desportivo de 2011 revogou a Lei n. 6.354/1976, produzindo significativas mudanças na legislação regente dos contratos especiais desportivos que regula.

A legislação previdenciária e trabalhista, inclusive a CLT, como visto, é aplicável ao contrato do atleta profissional de futebol, por ser a relação de emprego deste obreiro uma relação jurídica excetiva e especial de trabalho. Desde a Constituição de 1988 tal aplicação tornou-se inarredável. Naturalmente que essa aplicação deve ser feita com reverência às peculiaridades normativas e fáticas dessa relação jurídica esportiva especial (antigo § 1º do art. 28 da Lei n. 9.615/1998; novo § 4º do art. 28 da Lei n. 9.615/1998).

II - Contrato especial de trabalho desportivo

A prática desportiva profissional no Brasil é atualmente regulamentada pela Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé), com observância das alterações normativas posteriormente surgidas, em especial as advindas da Lei n. 12.395/20119. Como regra geral, a legislação trabalhista e previdenciária aplica-se à presente relação jurídica, respeitadas suas peculiaridades fáticas e normativas.

A atividade do atleta profissional de futebol é formalizada por meio de um contrato especial de trabalho desportivo (art. 28, caput, Lei Pelé).

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O atleta profissional de futebol será empregado de uma entidade de prática desportiva, quando prestar seus serviços mediante subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade (caput dos arts. e da CLT, combinado com caput do art. 28 da Lei Pelé).

Há clara especificidade normativa no tocante à capacidade do empregado para a celebração de seu primeiro contrato especial de trabalho desportivo. Nos termos do art. 29, caput, da Lei Pelé, o empregado somente terá aptidão jurídica reconhecida para os atos da vida laborativa desportiva a partir dos 16 anos de idade. Naturalmente que, desde a Emenda Constitucional n. 20, de 1998, essa idade já seria 16 anos (art. 7º, XXXIII, CF/1988), embora somente fosse explicitada na Lei do Atleta Profissional de Futebol a partir das alterações produzidas pela Lei n. 12.395/2011.

A atividade do atleta profissional é celebrada mediante contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, necessariamente por escrito (art. 28, Lei Pelé).

Nos termos previstos no art. 28, § 5º, da Lei Pelé, em sua nova redação, o vínculo desportivo do atleta com a enti-dade de prática desportiva contratante é firmado por meio do registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto. Tal vínculo tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, nas seguintes hipóteses jurídicas fixadas no preceito legal: término da vigência do contrato ou o seu distrato; pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva; rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos da lei; rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; dispensa imotivada do atleta.

O contrato de formação desportiva deverá incluir obrigatoriamente a identificação das partes e de seus representantes legais; a duração do contrato; os direitos e deveres das partes contratantes, inclusive com a garantia de seguro de vida e de acidentes pessoais para cobrir as atividades do atleta contratado; especificação dos itens gastos para fins de cálculo da indenização com a formação desportiva (art. 29, § 6º, Lei Pelé).

Nelson de Oliveira Santos Costa destaca algumas exigências formais para a regular celebração do contrato do atleta profissional de futebol, a saber: o contrato deve destacar a qualificação da partes; o clube deve estar inscrito na federação compatível com a modalidade praticada pelo atleta; a remuneração precisa ser especificada, detalhando o salário, as gratificações, os prêmios, as luvas, além de eventuais cláusulas penais, direito de arena, cessão temporária, entre outras10.

O autor ainda ressalta a necessidade de registro ou...

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