Benefício Assistencial e Benefícios Previdenciários: Diferenças e Aproximações

AutorSilvio Marques Garcia
Páginas215-224

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Silvio Marques García 1

1. Introdução

Nestes vinte anos de regulamentação legal do benefício assistencial, muitas controvérsias se instalaram na doutrina e na jurisprudência acerca dessa prestação assistencial prevista no art. 203, inciso V, da Constituição Federal. Este artigo busca delinear as características desse benefício, bem como analisar aspectos que, na prática previdenciária, aproximam as políticas de previdência e de assistência social, envolvendo a concessão de benefícios previdenciários como as aposentadorias por idade e por invalidez.

A República, fundamentada na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho (CF, art. 1 º), busca, dentre seus objetivos primordiais (CF, art. 3º), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem de todos. Esses objetivos constituem ponto decisivo para a compreensão dos direitos sociais na democracia social brasileira, que pretende garantir a dignidade de todos, por meio da melhoria de sua qualidade de vida, sem discriminações ou marginalizações, e diminuir as desigualdades sociais.

Foram mantidas as conquistas alcançadas a partir do Estado Liberal e do Estado Social em matéria de direitos fundamentais e o cidadão foi incluído no processo de concretização das políticas públicas, dentre as quais se destaca a seguridade social, definida no art. 194, caput, da Constituição Federal como "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social". Com a superação do paradigma normativo liberal, a seguridade constitui um direito fundamental material. A aplicação dos dispositivos legais que disciplinam a seguridade social deve propiciar a manutenção da dignidade dos beneficiários como parte da tarefa de efetivação dos direitos fundamentais sociais.

A seguridade social é parte integrante da Constituição material, por se tratar de um "elemento estruturante do Estado" que se traduz na concretização do princípio da solidariedade em seu aspecto específico de redistribuição de renda, bem como nas demais políticas públicas a ele relacionadas (SERAU JUNIOR, 2009. p. 161). O reconhecimento da seguridade como um direito fundamental material implica consequências para a aplicação das normas assistenciais, dentre elas a preponderância dos princípios constitucionais, os quais refletem os valores éticos compartilhados pela comunidade e cuja efetivação deve ser continuamente buscada pelo Estado.

Apesar das conquistas normativas, no âmbito social o envelhecimento da população irá exercer, nas próximas décadas, uma pressão sobre o sistema de seguridade social. Nesse cenário, os altos índices de evasão fiscal e as políticas de aumento real do valor dos benefícios previdenciários e assistenciais, cujo piso é atrelado ao salário mínimo, acarretarão custos não compensados pelo crescimento populacional. O benefício assistencial ao idoso e ao deficiente poderá desempenhar um papel relevante nessa transição demográfica, proporcionando a retirada de uma grande parcela da população da miséria, aumentando o consumo das famílias e possibilitando o crescimento da economia e a geração de novos postos de trabalho.

A complexidade das políticas de seguridade social e a dificuldade de sua efetivação em todo o território nacional deram origem à sua divisão em três pilares, a fim de se obter uma melhor gestão em relação às necessidades cada vez maiores dos cidadãos em relação às prestações da saúde, da previdência e da assistência social. Nos termos da Constituição Federal, o Estado presta assistência aos cidadãos de diversas formas, como a assistência jurídica (CF, art. 5º, inc. LXXIV) e a assistência à família (CF, art. 226, § 8º), dentre outras. A assistência aos desamparados foi inserida no Capítulo II, que trata dos direitos sociais, ao lado do direito à educação, à saúde, à alimentação,

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ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à proteção à maternidade e à infância, e à previdência social. A assistência também é devida pela sociedade, como no caso da assistência aos filhos devida pelos empregadores aos seus trabalhadores (CF, art. 6º, inc. XXV).

Compete igualmente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios prestar assistência em geral às pessoas portadoras de deficiência assim como combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (CF, art. 23). A assistência ao idoso cabe à família, à sociedade e ao Estado, que deverão assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida (CF, art. 230).

A assistência social, como parte integrante da seguridade, será prestada a quem dela necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições. Dentre seus objetivos estão a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, às pessoas portadoras de deficiência e à velhice (CF, art. 203). As ações da assistência social são custeadas pelo orçamento da seguridade social (CF, art. 204; art. 195, § 2º).

Dentre as principais medidas trazidas pela Constituição para efetivar o direito à seguridade social, destaca-se para este estudo, o benefício mensal de um salário mínimo garantido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (CF, art. 203, inciso V). Esse benefício, conhecido como amparo assistencial, benefício assistencial de prestação continuada, benefício assistencial ou ainda pela sigla LOAS (uma referência à Lei Orgânica da Assistência Social, a qual regulamenta a sua concessão), é considerado a mais importante prestação pecuniária da assistência social (MORAES, 2010, p. 283; CARDOSO; SILVA JÚNIOR, 2013, p. 669).

2. Regulamentação do benefício assistencial

O benefício assistencial constitui uma prestação pecuniária mensal continuada da assistência social no valor de um salário mínimo. Não dá direito ao recebimento de décimo terceiro, pois não há previsão legal nesse sentido. É concedido sem a fixação de termo final, mas se sujeita a revisão a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem (Lei n. 8.742/1993, art. 21). Apesar de ser um benefício previsto no texto constitucional, a sua regulamentação foi feita somente pela Lei n. 8.742/1993, que define a assistência social, em seu art. 1 , como uma "Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas". A concessão do benefício, entretanto, teve início apenas a partir de 1º de janeiro de 1996 (Decreto n. 1.744/1995, art. 40), o que demonstra um atraso considerável na efetivação desse direito fundamental.

Essa definição é relevante quando se busca identificar o conceito doutrinário de mínimo existencial, o qual se refere ao conjunto de condições mínimas de existência humana digna, o qual, além de não poder ser objeto de restrições por parte do Estado, exige deste, prestações positivas para a sua efetivação. Nesse sentido, os mínimos sociais seriam as prestações necessárias para a garantia de um piso de dignidade a que se convencionou nominar de mínimo existencial.

Vários aspectos da regulamentação do benefício assistencial têm sido alvo de intensos debates na doutrina e na jurisprudência, dentre eles a idade mínima para ter acesso ao benefício, o conceito de família, a fixação de um critério objetivo para aferir a miserabilidade e a exclusão de rendimento igual ou inferior ao salário mínimo da renda familiar.

2. 1 Conceito de idoso

A Lei n. 8.742/1993 previu inicialmente a concessão do benefício assistencial às pessoas com idade igual ou superior a setenta anos (art. 20, caput). O Decreto n. 1.744/1995 (já revogado pelo Decreto n. 6.214/2007) reduziu a exigência etária para 67 anos a partir de 1 de janeiro de 1998, e para 65 anos a partir de 1º de janeiro de 2000 (Decreto n. 1.744/1995, art. 42). O Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) reafirmou a idade mínima para a concessão do benefício em 65 anos (art. 34).

A redação mais recente do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, promovida pela Lei n. 12.435/2011, manteve a idade mínima de 65 anos. A redução etária de 70 para 65 anos estendeu o benefício a um maior número de idosos, ainda mais se considerado o aumento da expectativa de vida que vem sendo conquistada nos últimos anos, decorrente, em certa medida, de políticas de saúde e assistenciais, dentre elas a concessão do benefício assistencial ao idoso. Daí já se nota a sua extrema relevância para a garantia do envelhecimento com dignidade.

Apesar de o Estatuto do Idoso assegurar direitos às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos (art. 1 ), para efeito de concessão do benefício assistencial a idade deve ser mantida em 65 anos, seja em razão do aumento da expectativa de vida, seja porque sua diminuição poderia significar um estímulo para que os trabalhadores que recebem salário mínimo ou...

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