Novas Questões sobre o Direito do Deficiente ao Benefício de Prestação Continuada

AutorPaulo Afonso Brum Vaz
Páginas206-214

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Paulo Afonso Brum Vaz 1

1. Introdução

Discute-se neste capítulo a nova conceituação de deficiência e suas consequências para a concessão do Benefício de Prestação Continuada. Pretende-se destacar a necessidade de substituição do paradigma da incapacidade laboral pelo da deficiência, como requisito a ser considerado. Na análise da deficiência, sustenta--se que tanto a perícia como a compreensão judicial acerca da deficiência supõem a superação do exame da exclusiva limitação do corpo (modelo biomédico) para encontrar respostas na relação entre corpo/indivíduo/ambiente social (modelo social).

A esse desiderato, à guisa ilustrativa, busca-se no direito jurisprudencial fundamentos argumentativos para enfrentamento do desafio de tornar o acesso ao BPC mais aderente à realidade social e aos objetos constitucionais de proteção social dos deficiência, trazendo à discussão recentes julgados do Tribunal Regional Federal sobre o enfrentamento da deficiência no caso do portador do vírus HIV assintomático, a questão relevante do trabalho do deficiente com não limitador da concessão do BPC e, por fim, o não menos importante tema da prescrição parcial do direito contra deficientes psíquicos e intelectuais a partir da sua supressão do elenco dos incapazes com a nova redação que o Estatuto da Pessoa Deficiente conferiu ao art. 3º do Código Civil.

2. O benefício de prestação continuada no sistema de seguridade social brasileiro

O Brasil, segundo sua Constituição, está organizado sob a forma de Estado Social Democrático, cuja característica seminal é a prestação de serviços sociais pelo Estado de forma integrada com o mercado, buscando atender a dois objetivos, o pleno emprego e a redistribuição e interação de rendas como mecanismos de proteção social.

Um dos traços fundamentais do Estado Social Democrático brasileiro é a adoção modelo de Política Social Redistributiva, cuja base é a distribuição de bens e serviços sociais extramer-cado, garantindo aos cidadãos proteção universal.

Nosso modelo de seguridade social está baseado na tríade: saúde, previdência e assistência sociais (art. 194 da Constituição de 1988). A previdência ou seguro social prestada mediante contribuições, com o objetivo de assegurar aos trabalhadores renda nos momentos de riscos sociais decorrentes da ausência do trabalho. A saúde, direito universal, prestado gratuitamente pelo SUS e a assistência social cujas prestações sociais mais importantes são o benefício por idade concedido ao trabalhador rural independente de contribuição, o programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de que se ocupa o presente artigo.

O sistema de proteção social brasileiro contempla a Política Nacional de Assistência Social, enquanto política pública não contributiva que tem base no art. 203, V, da Constituição da República, regulamentado pela Lei n. 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS, dispondo que a Assistência Social constitui direito do cidadão e dever do Estado, com a participação sociedade, voltado para garantir o atendimento às atividades básicas (art. 1 ).

A Política Nacional de Assistência Social tem como objetivo garantir a dignidade da pessoa humana por meio de prestações. Para Sarlet (2006, p. 60), a dignidade representa uma

[... ] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, impli-

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cando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, alem de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os seres humanos.

Com o status de direito fundamental social e não mero paternalismo ou favor, o BPC é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Tal como previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos ou ao cidadão com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, que o impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que 1/4 do salário mínimo vigente. Por se tratar de um benefício assistencial de natureza não contributiva, não é necessário ter contribuído ao INSS para ter direito a ele.

3. O benefício de prestação continuada devido ao deficiente: novo conceito de deficiência

A Proteção Social almejada pela Constituição, que condensa a vontade social, está intimamente relacionada com a prática da Justiça Social. Enquanto importante vértice da Justiça Social, a proteção social supõe a redução das desigualdades sociais, objetivo que representa a busca incessante da equidade como valor estruturante de uma sociedade democrática e fraterna baseada no respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa.

Um dos desafios primordiais é a igualização dos deficientes. É dizer: o desiderato constitucional traduzido em políticas públicas assistenciais de possibilitar aos deficientes, o quantum satis, a compensação de suas limitações, para que tenham uma vida normal ou igual aos demais indivíduos em termos de capacidades e oportunidades.

Embora não seja suficiente, a renda mínima de subsistência proporcionada pelo BPC é imprescindível. Representa, digamos assim, o início de tudo! Bem lembra Diniz (2010, p. 14), que a "inclusão das pessoas deficientes na vida social passa por assegurar-lhes um nível básico de rendimento e, ao que tudo indica, esse nível pode ser maior que o necessário para as demais pessoas".

Na execução das políticas públicas assistenciais voltadas ao deficiente, o primeiro desafio é não confundir incapacidade para o trabalho com deficiência. Tem-se visto, no exercício da magistratura, esta confusão.

A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, aprovada e ratificada pelo

Brasil, define pessoas com deficiência como "aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".

Considera-se que com a internalização da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU no sistema normativo brasileiro, com dignidade de Emenda Constitucional, houve substituição do conceito de deficiência como incapacidade para o trabalho e para a vida independente para um novo conceito de deficiência.

A deficiência encontra-se agora conceituada pelo preâmbulo Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua alínea "e", "reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".

Para o Sarlet,

[...] o fato de a Convenção ter sido aprovada [...] na forma do disposto no art. 5º, § 3º, da CF, de modo a se tratar de normativa equivalente a emenda constitucional, assegura-lhe ainda maior relevância, pois torna cogente a "releitura" de todo e qualquer norma infraconstitucional que tenha relação com o tema, seja revogando normas incompatíveis [...].

O primeiro avanço na avaliação técnica da deficiência ocorreu com a introdução dos novos parâmetros para avaliação do requisito de deficiência. O Decreto n. 6.214/07, que regulamentou o benefício de prestação continuada, tratou de nortear a avaliação da deficiência do segurado, exigindo a observância da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde — CIF, e a realização da perícia social, a partir de 2009.

Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde — CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde n. 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de.5.de 2001 (Redação dada pelo Decreto n. 7.617, de 2011).

[...]

  1. A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades. (Redação dada pelo Decreto n. 7.617, de 2011)

Segundo preceitua o art. 20 da Lei n. 8.742/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.435, de 2011),

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O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/93, era considerada portadora de deficiência a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

A Lei n. 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como...

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