A Concessão do Benefício de Prestação Continuada para Situações de Incapacidade Temporária

AutorTheresa Rachel Couto Correia - Luiz Rogério da Silva Damasceno
Páginas225-232

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Theresa Rachel Couto Correia-1

Luiz Rogério da Silva Damasceno2

1. Introdução

O estudo em torno da assistência social tem crescido de importância nos últimos anos, principalmente depois que a mesma foi incluída pela Carta Magna de 1988 como um dos ramos da Seguridade Social (art. 194, caput), passando a ser definida como um conjunto integrado de planos e programas assistenciais promovidos pelo Estado com o apoio da sociedade cujo objetivo fundamental é o de amparar as pessoas necessitadas que não possuem condições de, por meios próprios ou pela família, de prover seu próprio sustento.

Elencada no rol dos direitos fundamentais sociais (art. 6 , CF/88), a assistência social tem como um de seus objetivos a concessão do Benefício Assistencial no valor de um salário mínimo às pessoas idosas e aos deficientes desprovidos dos meios necessários à manutenção de sua subsistência. Para se ter uma ideia da importância dessa política pública de seguridade social, segundo dados estatísticos de 2015, são 4,3 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada, entre idosos e pessoas com deficiência, totalizando um investimento anual de aproximadamente 40 bilhões de reais3. Os gastos com o benefício crescem a cada ano e a projeção para 2016 é um gasto de aproximadamente 47 bilhões de reais.

Nesse prumo, a finalidade deste trabalho é estudar o benefício assistencial destinado à pessoa com deficiência, avaliando as discussões e evoluções doutrinárias, administrativas e legislativas em torno do referido benefício. No centro da pesquisa, serão analisados os impactos que o novo conceito de deficiência trazido pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência trouxe para o regime jurídico do benefício de prestação continuada.

Nesse diapasão, o presente texto pretende analisar a possibilidade de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) em situações de incapacidade temporária, analisando os principais argumentos favoráveis e contrários à referida concessão, perscrutando a divergência doutrinária e jurisprudencial existente sobre questão. Trata-se de tema relevante e, sobretudo, objeto de amplo debate em sede jurisprudencial.

2. O benefício de prestação continuada: características e requisitos

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou apenas amparo social, está constitucionalmente disciplinado no âmbito da assistência social, com previsão normativa específica no art. 203, V, da CF/88, segundo o qual é devido uma renda mensal no valor de um salário mínimo a quem, nos termos de lei ordinária, se caracterize como idoso ou portador de deficiência4 e, comprovadamente, não possua meios de prover a sua subsistência

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ou de tê-la provida por sua família, encontrando-se em situação de vulnerabilidade socioeconómica.

Vale salientar que o BPC representa o desdobramento do direito fundamental de "assistência aos desamparados" expressamente constante do rol de direitos sociais fundamentais estampados no art. 6º da Carta Magna, constituindo-se, portanto, como dever jurídico do Estado e direito subjetivo da pessoa humana. Além disso, constitui-se numa política pública com alta capacidade redistributiva, sendo importante, por isso, no combate à pobreza e na redução das desigualdades sociais.

Trata-se, portanto, de um benefício devido ao idoso e à pessoa com deficiência considerados pobres e que não possam se manter, nem ser mantidos por sua família. Note-se que a Constituição condicionou a fruição do benefício ao que dispuser a lei, de modo que o dispositivo é de eficácia limitada, ou seja, delega ao legislador ordinário a competência para regulamentar o instituto dentro do quadro normativo delineado pela própria Carta Constitucional.

Nesse prumo, apenas em 19935, com a edição da Lei n. 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS)6, houve a instituição desse amparo assistencial7 e, somente a partir de então, é que os requisitos para a sua concessão restaram definidos, bem como foram descritos os procedimentos a serem adotados pela autarquia previdenciária (INSS)8 na aferição dos seus critérios e na satisfação da referida prestação assistencial.

A referida legislação prevê em seu art. 20, caput, que o benefício assistencial é devido à pessoa com deficiência e ao idoso maior de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Como se vê, foram criados dois benefícios, um destinado ao idoso e outro à pessoa com deficiência, em ambos os casos condicionados a existência de uma situação de miserabilidade, ou seja, que haja uma da condição de hipossuficiência ou necessidade socioeconómica.

Com relação ao requisito idade, não há maiores controvérsias. A questão da comprovação da idade é algo bastante simples, sendo suficiente a apresentação de documento idóneo (RG, CPF, certidão de nascimento ou casamento etc.) que contenha a data de nascimento do requerente. Observada a idade, não há o que tergiversar, posto que a sua verificação é algo eminentemente objetivo.

Atualmente, a idade mínima para fazer jus ao benefício é de 65 (sessenta e cinco) anos, independente do gênero, tendo a referida idade sido estabelecida por força do disposto no art. 34 da Lei n. 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). Cabe salientar que a idade para postular o benefício já foi maior, tendo sido de 70 (setenta) anos 31.12.1997 (redação originária da Lei n. 8.742/93), posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos até 31.12.2003, quando então passou a vigorar o limite atual de 65 (sessenta e cinco) anos.

Por sua vez, para a fazer à concessão do benefício assistencial ao deficiente é preciso demonstrar tal condição por meio de perícia médica a cargo do INSS. Atualmente, por força da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a deficiência deve ser compreendida em termos de impedimento de longo prazo que, em interação com as diversas barreiras, impeça a pessoa com limitações funcionais de ordem física, sensorial, mental ou intelectual o pleno acesso em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/93). Este requisito será ainda abordado com mais vagar no tópico seguinte do presente artigo.

Ainda como requisito do benefício assistencial, há a necessidade de comprovação da condição de necessitado. A Lei n. 8.742/93 (art. 20, § 3º) considerou como beneficiário do BPC apenas os idosos e deficientes incapazes de prover o próprio sustento sendo assim considerados aqueles cuja renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário mínimo9.

Percebe-se que mesmo depois das profundas alterações por que passou a LOAS, em razão das modificações trazidas pelas

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Leis ns. 12.435/2011 e 12.470/2011, o legislador manteve o critério incólume, de modo que permanece até hoje a exigência legal de que a renda per capita dentro do grupo familiar do beneficiário seja objetivamente inferior a 1/4 do salário mínimo.

Este critério é muito debatido no âmbito do Judiciário, que em muitas situações o tem afastado diante das peculiaridades do caso concreto. Embora o STF tenha pronunciado, num primeiro momento, que o referido critério é constitucional (ADI n. 1.232/DF), a jurisprudência se inclinou pela tese segundo a qual o critério do 1/4 (um quarto) do salário mínimo como renda per capita mensal não pode ser considerado como único parâmetro de hipossuficiência do requerente, nem pode ser considerado como um critério absoluto.

Posteriormente, o próprio STF modificou sua jurisprudência e, ao contrário do que havia estabelecido da ADI n. 1.232/DF, em um paradigmático caso de mutação de sua própria interpretação, considerou inconstitucional o critério objetivo de 1/4 da renda per capita familiar estabelecido no art. 20, § 3 , da Lei n. 8.742/93. O giro interpretativo ocorreu por ocasião do julgamento dos Recursos Extraordinários ns.567.985/MT e 580.963/PR, ambos com repercussão geral10.

Quanto às características, por se tratar de um benefício de natureza assistencial, ou seja, não precisa ter contribuição para ter acesso ao mesmo, o BPC possui determinados atributos decorrentes de sua essência e de seu próprio disciplinamento legal. Dizemos que são características, porque estão ligadas mais precisamente ao regime jurídico do benefício, revelando sua peculiaridade e diferenciando-o, por exemplo, dos benefícios previdenciários.

Inicialmente, temos que o BCP/LOAS é um benefício de renda mensal no valor de 01 (um) salário mínimo11. Por se tratar de uma renda básica, não tem previsão de pagamento de abono natalino ou 13 salário, sendo esta uma das principais diferenças práticas utilizadas para explicar ao leigo a diferença entre um benefício de natureza assistencial (sem abono anual) e um benefício previdenciário (com abono anual).

Decreto n. 6.214/2007

Art. 22. O Benefício de Prestação Continuada não está sujeito a desconto de qualquer contribuição e não gera direito ao pagamento de abono anual.

Como o amparo protetor da assistência social é subsidiá-rio12, outra característica importante é a impossibilidade de acumulação do BPC com qualquer outro benefício da seguridade social13, salvo no caso da assistência médica ou da pensão especial de natureza indenizatória14.

Lei n. 8.742/93

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011)

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§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com...

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