Capítulo 2 - Perícia médico-legal e seus peritos

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Capítulo 2
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
E SEUS PERITOS
Perícia é o conjunto de procedimentos técnicos, com base científ‌ica, realizado por
pessoa qualif‌icada para tal, chamada perito.
Tem por f‌inalidade provar os fatos de interesse da Justiça, fornecendo esclarecimen-
tos ao juízo relativos a questões estranhas ao meio jurídico em diferentes áreas. Quando
os fatos dizem respeito à vida ou à saúde, tem-se a perícia médico-legal.
A perícia teria, segundo alguns, a natureza de meio de prova, pois funcionaria como
instrumento pelo qual as fontes de prova seriam introduzidas no processo penal, mas
há os que entendem que ela é um elemento técnico que contém uma opinião destinada
à elucidação de fato relevante. Nesse sentido, o perito seria um auxiliar do juiz e, não,
um mero sujeito de prova.
As perícias em geral, incluindo a médico-legal, e a atividade dos peritos estão re-
guladas pelos artigos 149, 158 a 184, e 275 a 281 do Código de Processo Penal (CPP).
As perícias podem ser realizadas:
• Nos vivos, para quantif‌icação do dano nos casos de lesão corporal e acidentes de
trabalho, diagnóstico de gravidez, parto, puerpério e conjunção carnal, determi-
nação da idade e sexo, comprovação de contaminação por doença venérea, entre
outras.
• Nos cadáveres, não apenas para determinar a causa e o tempo da morte, mas
também para identif‌icar o morto.
• Nos animais presentes na cena do crime, alvos dos disparos, para recuperação
de projétil de arma de fogo.
• Nos objetos, para captar pelos, impressões digitais, sangue, esperma e outras
secreções.
1. CORPO DE DELITO
É o conjunto de vestígios, interligados entre si, denunciadores da infração.
Esses vestígios são os elementos materiais que podem ser percebidos pelos sentidos
humanos e que necessitam de comprovação para permitir avaliação judicial.
Assim, para determinação da materialidade da violência ocorrida (crime, suicídio
ou acidente), adquire signif‌icado tanto a análise do que concorreu para o fato, como a
de todos os vestígios resultantes dele, e não apenas o exame da vítima. Em alguns casos,
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MEDICINA LEGAL E NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA • Neusa Bittar
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impõe-se inclusive o exame do autor, pois este também apresenta lesões e deseja provar
que houve reação da vítima, daí adotar-se o entendimento de corpo de delito no sentido
amplo, que engloba todos esses elementos.
Dessa forma, envolve prof‌issionais de diferentes áreas. Enquanto o perito médico
busca estabelecer a materialidade do delito, os peritos criminais e os papiloscopistas,
entre outros, objetivam identif‌icar, também, indícios de autoria. O corpo da vítima é,
portanto, apenas um dos elementos do corpo de delito.
O exame de corpo de delito é obrigatório para a tipif‌icação das infrações que deixam
vestígios (CPP, art. 158).
Os peritos realizam o exame de corpo de delito, que pode ser:
• Direto, quando o perito examina diretamente os vestígios produzidos ou que
tenham concorrido para a infração.
• Indireto, quando já não existindo vestígios, o exame é feito com base em prova
testemunhal (CPP, art. 167).
A rigor, no exame de corpo de delito indireto, seria incorreto falar-se em corpo de
delito, uma vez que já não existiria o conjunto de vestígios (não há corpo, apenas delito).
Nestes casos, o médico legista pode valer-se de um boletim de atendimento médico
ou de um prontuário de internação hospitalar para elaborar o seu relatório, que será
apenas interpretativo de pontos obscuros ou controversos. Isoladamente, seria impres-
tável para f‌ins probantes por ser um exame indireto, mas, se analisado em conjunto com
outras provas e com o depoimento de testemunhas, pode adquirir relevância.
Até as testemunhas e os jurados são passíveis de exame pericial quando há dúvidas
sobre sua sanidade mental.
Quando os vestígios têm caráter permanente, isto é, são duradouros, chamamos de
delicta factis permanentis; quando passageiros, denominamos delicta factis transeuntis.
Se não persistiram os vestígios ou se nunca existiram será admitida prova teste-
munhal, mas havendo vestígios, nem a conf‌issão do réu poderá suprir o exame pericial
(CPP, art. 158), pois pode ser que esteja havendo tentativa de ocultação do verdadeiro
autor do fato.
A perícia diferencia-se da prova testemunhal porque o perito não se limita à des-
crição minuciosa dos fatos, como a testemunha, mas emite também um juízo de valor.
2. PERÍCIAS E PERITOS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP)
O Código de Processo Penal determinava que as perícias médico-legais deviam ser
feitas e assinadas por dois peritos of‌iciais, mas, na prática, apenas um perito as realizava
e redigia o laudo (perito relator). O outro agia na qualidade de revisor, assinando o laudo
se estivesse de acordo, ou elaborando o próprio laudo, caso discordasse.
Com o advento da Lei 11.690/2008, o artigo 159 do CPP sofreu alterações. Agora,
basta um perito, desde que of‌icial, para a realização da perícia. Em vista disso, a Súmula
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CAPítulo 2 • PERíCIA MédICo-lEgAl E SEuS PERItoS
361 do STF, que diz ser nulo o exame pericial realizado por apenas um perito, não mais
se aplica neste caso.
Entretanto, tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de co-
nhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito of‌icial,
e a parte indicar mais de um assistente técnico (CPP, art. 159, § 7º).
A Lei 12.030/2009 dispõe, no artigo 2º, que no exercício da atividade de perícia
of‌icial de natureza criminal, é exigido concurso público, com formação acadêmica
específ‌ica, para o provimento do cargo de perito of‌icial.
Peritos of‌iciais são funcionários públicos investidos no cargo após concurso, que
prestam um único compromisso com a verdade no momento da investidura, não ne-
cessitando repeti-lo a cada exame que realizam.
Na falta de peritos of‌iciais, o exame será feito por dois peritos nomeados, louvados,
ad hoc ou graciosos, escolhidos entre pessoas idôneas com diploma de curso superior
preferencialmente na área específ‌ica, com habilitação técnica relacionada com a natu-
reza do exame.
O parágrafo 1º, do artigo 159 do CPP foi mantido, persistindo a exigência de dois
peritos não of‌iciais para a realização de perícias e a aplicação da Súmula 361 do STF.
Os peritos nomeados ou louvados prestam compromisso ao assumirem cada perícia
para a qual forem nomeados (CPP, art. 159, § 2º).
Quando não houver ponto de vista comum entre os dois peritos, cada qual elaborará
o próprio laudo, tendo-se então a perícia contraditória (CPP, art. 180).
O juiz não está vinculado ao laudo pericial, podendo aceitá-lo no todo ou em
parte, ou ainda rejeitá-lo, determinando nova perícia ou decidindo de acordo com sua
convicção (CPP, arts. 181, parágrafo único e 182).
2.1. Função do perito
É função do perito verif‌icar o fato, indicando a causa que o motivou, de acordo
com a sua opinião embasada cientif‌icamente.
De acordo com o artigo 160, caput e parágrafo único, do CPP, os peritos devem
descrever minuciosamente o que examinarem e responder aos quesitos formulados,
elaborando o laudo pericial no prazo máximo de 10 dias, que pode ser prorrogado, em
casos excepcionais, a requerimento dos mesmos.
Além do exame do indivíduo vivo ou do cadáver, o perito pode colher material
para análises laboratoriais ou utilizar outros exames, como radiograf‌ias, objetivando a
elucidação do caso.
Se o laudo do exame pericial não observou as formalidades ou foi obscuro, omisso
ou contraditório, o juiz mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o
laudo (CPP, art. 181, caput).
Em se tratando de lesão corporal, quando o primeiro exame tiver sido incompleto,
por exemplo, se a quantif‌icação do dano for impossível em um primeiro momento por-
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