Capítulo 6 - Tanatologia forense

Páginas115-174
Capítulo 6
TANATOLOGIA FORENSE
Tanatologia é o estudo da morte.
Durante muitos séculos, a morte foi def‌inida pelos vários credos como a partida
da alma. Importava a existência, ou não, de vida após a morte, sem que houvesse preo-
cupação em se determinar o momento da morte.
Somente após a descoberta da circulação sanguínea, no séc. XVII, e da ausculta
pelo estetoscópio, no início do séc. XIX, que a ausência de batimento cardíaco foi rela-
cionada à morte.
A partir daí a Medicina passou a ditar o conceito de morte como parada cardiorres-
piratória. Os médicos tratavam as doenças, mas aceitavam a morte como evento natural.
Entretanto, com a evolução tecnológica, o médico começou a combater também
a parada cardiorrespiratória com métodos de ressuscitação, de sorte que apenas seria
morte aquela que não se revertesse.
1. MORTE REAL OU MORTE CLÍNICA, OU MORTE DE TODO O CORPO
É a morte por parada cardiorrespiratória irreversível.
O sistema cardiorrespiratório é composto pelos aparelhos cardiocirculatório e respi-
ratório. Os aparelhos são compostos por órgãos (no caso, coração e pulmões). Os órgãos
são formados por tecidos que, por sua vez, são constituídos pelas diferentes células.
As células são as menores unidades do corpo, delimitadas por uma membrana que
regula a entrada de nutrientes como glicídios (açúcares), aminoácidos (que provêm das
proteínas) e lipídios (gorduras), e a saída das substâncias que devem ser eliminadas.
Produzem suas próprias proteínas e geram a energia necessária por meio da queima
de glicídios (açúcares).
Quando o indivíduo respira, o oxigênio inalado entra na corrente circulatória
(sangue) e é transportado pela hemoglobina dos glóbulos vermelhos até as células
de todo o corpo. Na presença desse oxigênio, as células queimam a glicose (açúcar),
gerando energia.
Resultam do processo descrito gás carbônico e água, que são eliminados.
Havendo parada da respiração e da circulação, as diferentes células do organismo
não recebem o oxigênio e começam a morrer.
As que mais necessitam de oxigênio são as células cerebrais, que morrem em três
a sete minutos.
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MEDICINA LEGAL E NOÇÕES DE CRIMINALÍSTICA • Neusa Bittar
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As células musculares podem continuar vivas por várias horas, enquanto células
chamadas f‌ibroblastos podem durar até 24 horas após a parada.
Dessa forma, a morte é um processo em que as células vão morrendo, cada uma a
seu tempo, dependendo da maior ou menor necessidade de oxigênio. É a morte celular.
1.1. Sinais abióticos imediatos, sinais de incerteza, ou diagnóstico da morte
(clínica)
São os sinais abióticos, isto é, de ausência de vida que nos permitem supor que
ocorreu a morte.
Ausência de função
cardiocirculatória Ausência de respiração Ausência de funções cerebrais
Batimentos cardíacos au-
sentes;
Pulso ausente;
Pressão arterial zero.
Movimentos torácicos
ausentes
• Inconsciência;
• Insensibilidade;
• Imobilidade;
Flacidez muscular difusa:
1) Os músculos relaxam, permitindo eli-
minação de fezes, urina, esperma;
2) As pupilas se dilatam (midríase);
3) O corpo se amolda ao apoio;
4) O tórax se achata;
5) A boca ca entreaberta, por queda da
mandíbula;
6) As rugas da face se atenuam (máscara
da morte).
O facies hipocrático foi descrito por Hipócrates como sendo o semblante do morto:
fronte enrugada, olhos fundos, nariz af‌ilado, têmporas deprimidas, orelhas repuxadas,
lábios caídos, queixo enrugado, pele seca e palidez.
Entretanto, essa expressão é de sofrimento. característica dos moribundos, pois
nos mortos, a f‌lacidez muscular confere à face um semblante de serenidade e falta de
expressão.
Por isso, França (2011, p. 428) prefere a denominação de máscara da morte.
Após as paradas, as células que ainda não morreram queimam o açúcar de forma
incompleta, na ausência de oxigênio, gerando ácido lático que acidif‌ica os líquidos
orgânicos.
Se o fator que determinou aquela parada for reversível, ou se as funções vitais
estiverem tão deprimidas que não se auscultem os débeis batimentos cardíacos, nem
se percebam os movimentos respiratórios, a morte será aparente. Daí dizer-se que os
sinais imediatos são de incerteza.
1.2. Sinais abióticos mediatos, sinais consecutivos, ou sinais de certeza
Com o passar do tempo, as alterações decorrentes da parada cardiocirculatória vão
se tornando perceptíveis, conf‌irmando a morte.
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CAPítulo 6 • tAnAtologIA foREnSE
1.2.1. Desidratação
Como a perda de água do corpo pela evaporação não é compensada pela ingestão,
o cadáver desidrata.
A velocidade da desidratação está sujeita a variantes, que interferem no cálculo do
tempo de morte por esse parâmetro, sejam elas:
1) Ambientais
a) Umidade do ar: Se for alta, retarda a desidratação, e se for baixa, acelera.
b) Temperatura: Se estiver alta, acelera a desidratação, mas se estiver baixa, a
retarda.
c) Ventilação: Local bem ventilado acelera a desidratação.
2) Superfície de evaporação: Ausência de roupas favorece a evaporação através da
pele.
3) Características individuais: Velhos e crianças desidratam mais rapidamente.
São consequências da desidratação:
O cadáver perde peso, sendo essa perda mais acentuada em fetos e recém-
-nascidos. O cálculo do tempo de morte por esse parâmetro é impraticável
porque, além da inf‌luência das variantes ambientais e da causa da morte,
seria necessário conhecer o peso exato da pessoa no momento da morte.
A pele e as mucosas f‌icam ressecadas;
Surge pergaminhamento da pele, isto é, a pele f‌ica seca e enrugada, semelhante
a um pergaminho, nos locais em que é muito f‌ina, como na bolsa escrotal,
nas áreas de arrancamento da pele (escoriação) post mortem, assim como nas
zonas de compressão prolongada e contínua, como, por exemplo, no local
de compressão pela corda nos enforcados;
Aparecem alterações oculares:
a) Tela viscosa, resultante da evaporação da lágrima.
b) Opacif‌icação da córnea, f‌icando a película brilhosa que recobre o globo ocular
opaca e leitosa.
c) Sinal de Sommer, constituído pela mancha negra que surge na parte lateral
externa da esclerótica (zona branca dos olhos) em torno de uma a três horas
após a morte e que se generaliza em seis horas. Ocorre porque a esclerótica,
ao desidratar, f‌ica transparente, permitindo visualizar a camada mais interna
(coroide) que é escura.
d) Hipotensão ocular, isto é, diminuição da pressão do globo ocular.
e) Sinal de Ripault, que pode ser observado depois de 8 horas da morte e consiste
na deformação da íris e da pupila à pressão digital.
f) Sinal de Bouchut, que diz respeito ao enrugamento da córnea consequente à
desidratação.
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