O Constitucionalismo Social e o Estado Pós-Social

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas92-95
5.
O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL
E O ESTADO PÓS-SOCIAL
(1) Porém, Pérez Luño afirma que a Carta Jacobina de 1789 inicia “com um rol de direitos do homem, muito importante
por seu conteúdo democrático (nela de reconhecem os direitos ao trabalho, à proteção frente à pobreza e à educação)”. No
original: “con una tabla de derechos del hombre, muy importante por su contenido democrático (em Ella se reconocen los
derechos al trabajo, a la protección frente a la pobreza y a la educación)”. Tradução nossa. LUÑO, Antonio Enrique Pérez.
Los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Tecnos, 1984, p. 33.
(2) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 45.
As Constituições liberais, por ignorarem o ho-
mem coletivo, somente se preocupavam em discipli-
nar o poder estatal e os direitos individuais, assim
concebidos como direitos civis e políticos.
Lembra Ferreira Filho(1) que “o principal docu-
mento da evolução dos direitos fundamentais para a
consagração dos direitos econômicos e sociais foi a Cons-
tituição francesa de 1848”(2), que, em seu preâmbulo,
já reconhecia como tarefa da República “proteger o
cidadão na sua pessoa, sua família, sua propriedade,
seu trabalho, e pôr ao alcance de cada um a instrução
indispensável a todos os homens”. Também tratou a
aludida Carta sobre direitos de previdência e assis-
tência social, quando, ainda em seu preâmbulo, reco-
nheceu como também dever da República “assegurar
a existência dos cidadãos necessitados, seja procu-
rando-lhes trabalho nos limites de seus recursos, seja
dando-lhes, à falta de trabalho, socorros àqueles que
estão sem condições de trabalhar”. Tais previsões, no
entanto, como se viu, não faziam parte do corpo mes-
mo da Constituição, mas o preâmbulo possuía força
normativa.
Todas as Cartas Políticas advindas do Estado li-
beral se fizeram extremamente perenes, e a ausência
de dissenso em sua formação talvez tenha contribuí-
do para isso. Sem embargo, os direitos contemplados
nas Constituições eram de afastamento completo do
Estado e confeccionados pelo Poder Legislativo que
representava a classe dominante – burguesia – que,
por encerrar linearidade ideológica, não vislumbrava
conflito algum na formação legislativa.
Os direitos fundamentais decorrentes das Cons-
tituições liberais eram extremamente autoaplicáveis
e vislumbrados como direitos subjetivos em face do
Estado, pois não havia o temor de qualquer inter-
ferência do Estado nas relações privadas, o que, de
mais a mais, entrincheirava a própria burguesia,
detentora não só do poder econômico, mas também
do poder político, materializado através do sufrágio
censitário. Esta realidade somente restou alterada
com a participação política e democrática com o su-
frágio universal, que, ao revés do quanto esperado,
paradoxalmente, preservou a liberdade moderna, um
dogma da racionalidade liberal mais tradicional, mas
sob nova roupagem, a liberdade de personalidade,
alcançada através da intervenção estatal, que assegu-
rava o que mais adiante seria chamado de liberdade
no sentido material.
Ao revés disso, as Constituições sociais encerravam
árduo conflito e instabilidade, por intentar justamente
a conciliação entre o Estado e o indivíduo, agora tido
como classe e não mais isolado em sua autonomia.
Fruto da falência do Estado liberal, surgem, no
início do século XX, após o fim da primeira Guer-
ra Mundial, as primeiras Constituições tratando dos
direitos fundamentais sociais, a exemplo da Consti-
tuição mexicana de 1917, da Constituição russa, de
1918 e da sempre lembrada Constituição de Weimar,
de 1919. Todas essas Cartas tinham a nota caracte-
rística da programaticidade dos direitos sociais, pe-
culiaridade que funcionava como uma espécie de
trégua constitucional para os conflitos ideológicos,
prevendo alguns direitos sociais, mas sem grandes
compromissos práticos, diante da hermenêutica po-
sitivista que ainda grassava entre os doutos.

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