Retomada de algumas Premissas Teóricas acerca dos Direitos Fundamentais do Trabalhador

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas126-144
8.
RETOMADA DE ALGUMAS PREMISSAS TEÓRICAS ACERCA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR
(1) BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: .planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em: 20 ago. 2020.
Foi a Constituição de 1934 que, rompendo com a
tradição liberal até então presente, trouxe uma nova
realidade, dando ênfase ao homem em seu sentido
concreto, prevendo direitos sociais em seu Título
IV – Ordem Econômica e Social – e, seguindo a tra-
dição da época, tratou programaticamente, em seu
art. 121, § 1º, de direitos trabalhistas, in verbis:
Art. 121. [...] § 1º – A legislação do trabalho obser-
vará os seguintes preceitos, além de outros que coli-
mem melhorar as condições do trabalhador: a) proibi-
ção de diferença de salário para um mesmo trabalho,
por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado
civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme
as condições de cada região, às necessidades normais
do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de
oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos
previstos em lei; d) proibição de trabalho a menores
de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e
em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a
mulheres; e) repouso hebdomadário, de preferência
aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g) inde-
nização ao trabalhador dispensado sem justa causa;
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à
gestante, assegurando a esta descanso antes e depois
do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e ins-
tituição de previdência, mediante contribuição igual
da União, do empregador e do empregado, a favor da
velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes de trabalho ou de morte; i) regulamentação
do exercício de todas as profissões; j) reconhecimento
das convenções coletivas, de trabalho(1).
Todas as demais Constituições que sucederam a
de 1934 igualmente trataram de direitos fundamen-
tais sociais, mas somente a Constituição de 1988 des-
tinou um capítulo inteiro aos direitos sociais e outro
à ordem econômica, elevando formal e materialmen-
te os direitos fundamentais do trabalho e até preven-
do o próprio direito fundamental ao trabalho.
O extenso rol de direitos destinados aos traba-
lhadores urbanos, rurais e avulsos, embora tenha se
mostrado avançado, hoje tem como grande desafio
o real alcance, passando pela reflexão acerca da fun-
damentalidade, eficácia, acepção de sentido formal,
material, subjetiva e objetiva e, sobretudo, como tais
direitos podem e devem ser aplicados no âmbito das
relações privadas, já que foram concebidos exata-
mente com este fim.
Todos os direitos fundamentais sociais dos traba-
lhadores possuem uma nota característica, a saber, a
busca da dignidade da pessoa do trabalhador, o que,
por força do caput do art. 7º da Carta Magna de 1988,
permite o entrincheiramento de todas as possíveis
modificações no sentido negativo ou retrocessivo de
ditos direitos.
8.1 A FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS
SOCIAIS DO TRABALHADOR E O
ENTRINCHEIRAMENTO POR MEIO DAS
CLÁUSULAS PÉTREAS
Foi escolha do legislador constituinte originário
ofertar o condão da fundamentalidade aos direitos
sociais do trabalhador, tanto que dedicou, no Título
II, que trata justamente dos direitos e garantias fun-
damentais, um capítulo inteiro destinado aos direitos
fundamentais sociais, tanto os de defesa, quando os
prestacionais.
Com o único escopo de espancar de vez qualquer
alegação acerca da não-fundamentalidade dos direi-
tos sociais e, consequentemente, a sua desproteção
através das cláusulas pétreas, cabe nesse momento
uma pequena digressão doutrinária nesse sentido, com
o único intento de justificar o alcance da expressão
“Direitos Individuais”, presente no § 4º do art. 60 do
texto constitucional.
Retomada de Algumas Premissas Teóricas Acerca dos Direitos Fundamentais do Trabalhador
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Para tanto, deixa-se de lado a discussão acerca
dos limites temporais, formais e circunstanciais, im-
portando ao objeto do presente trabalho tão somente
a análise dos limites materiais do poder constituinte
reformador, exatamente por ser nesse particular que
se encontra a proteção às cláusulas pétreas.
Relacionam-se as limitações de ordem material
ao poder constituinte reformador ao objeto mesmo
da modificação, fixando-se no próprio texto consti-
tucional originário um conteúdo mínimo, imutável
e intocável, blindado das modificações posteriores,
doutrinariamente conhecido como cláusulas pé-
treas.
O art. 60, §4º, inciso IV, do texto constitucional,
que se constitui em limite material ao exercício do
poder constituinte reformador, refere-se aos direi-
tos e garantias fundamentais(2), sendo consequência
inarredável a conclusão de que o legislador consti-
tuinte blindou determinados direitos presentes no
texto constitucional originário, impedindo que tais
pudessem ser tocados, corroídos pelo exercício do
poder constituinte derivado, de reforma ou revisão.
Assim, diante de tal proteção constitucional, não
pode este sequer deliberar sobre proposta tendente
a abolir ou mesmo modificar para diminuir o âmbito
de proteção dos direitos fundamentais.
As vedações materiais as quais se refere somente
preveem literalmente a proteção aos direitos e ga-
rantias individuais, estando, segundo interpretação
meramente gramatical, alheios à proteção petrificada
traçada pela Constituição os direitos fundamentais
sociais e até mesmo os coletivos.
Como é repetido por todos(3) que tratam de her-
menêutica constitucional, a interpretação gramatical
é a mais pobre e, em um primeiro momento, refuta-
da, para dar lugar à exegese sistemática e, sobretudo,
valorativa, tendo-se que modernamente os direitos
fundamentais, de defesa ou prestacionais, são enten-
didos como um grande sistema de valores.
A interpretação no sentido de permitir a inva-
são dos direitos fundamentais sociais pelo legislador
(2) Diferentemente da Constituição portuguesa de 1976, que em seu art. 290 estabelece literalmente a proteção pétrea aos
direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que também entrincheira os direitos civis e políticos
do cidadão.
(3) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 440-441.
(4) Sobre o tema, vide LIMA, Francisco Meton Marques de. A “pejutização” do contrato de trabalho – retorno ao princípio
da autonomia da vontade – Lei n. 11.196/05. Revista LTr, v. 71, n. 6, p. 689-699, jun./ 2007.
constituinte derivado despreza que o grande compro-
misso assumido já no preâmbulo da Constituição de
1988 foi constituir um Estado democrático e social
de direito e tal compromisso passa necessariamente
pelo respeito aos direitos sociais dos trabalhadores já
presentes no texto constitucional originário.
A própria Constituição já fornece a resposta quan-
do, em seu art. 1º, inciso IV, tenta equilibrar a balança
social, atribuindo o mesmo patamar aos fundamen-
tos do valor social do trabalho e da livre-iniciativa,
sendo certo que esta, tão desejada em um sistema ca-
pitalista como o brasileiro, não pode jamais ignorar
aquele valor, sob pena de a propriedade não cumprir
a sua função social.
O raciocínio literal igualmente relega ao oblívio a
dignidade da pessoa humana, grande fundamento do
Estado democrático e social de direito e valor maior
que informa todos os direitos fundamentais, sendo
impossível o alcance desejado no texto constitucio-
nal, de uma sociedade livre, justa e solidária, sem que
haja uma plena observância dos direitos fundamentais
sociais dos trabalhadores, tendo-se que o trabalhador
oprimido, vacilante em seus direitos fundamentais,
não se constitui livre, não sendo a relação entre capital
e trabalho justa e, muito menos, solidária.
A discussão não é sem motivo. Ao revés, o Brasil
vivencia uma época em que o neoliberalismo sem-
pre toma lugar nos debates travados acerca da eterna
tensão entre o capital e o trabalho, havendo quem
acredite no sucesso da fórmula do negociado sobre o
legislado, assunto que sempre retorna com uma nova
roupagem, ora sob o argumento de que a terceiriza-
ção em atividade-fim é a solução para o problema
do desemprego (ou subemprego), hodiernamente
chamado “estrutural”, ora aludindo-se à parassubor-
dinação ou à pejotização(4), mas sempre tendo como
pano de fundo o enfraquecimento dos direitos funda-
mentais dos trabalhadores.
A interpretação literal também não encontra lu-
gar na própria técnica utilizada para confecção da
Constituição de 1988, que ora se refere aos direitos
humanos, ora aos direitos fundamentais.

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