Do Estado Liberal ao Social

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas29-35
2.
DO ESTADO LIBERAL AO SOCIAL
(1) GOMES, Fábio Rodrigues. O direito fundamental ao trabalho: perspectivas histórica, filosófica e dogmático-analítica.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 274-275.
(2) GOMES, Fábio Rodrigues. O direito fundamental ao trabalho: perspectivas histórica, filosófica e dogmático-analítica.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 274-275.
(3) COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41.
Os valores como a dignidade da pessoa humana,
liberdade e igualdade entre os homens já eram tidos
tanto na filosofia clássica quanto no pensamento cris-
tão; tanto é assim que a democracia foi idealizada em
Atenas e tinha como mote a noção de que o homem
era livre e detentor de individualidade, exercida na
polis, local onde o “homem livre” poderia exercitar
com igual liberdade a fala, expressando-se, somente
existindo enquanto pessoa no espaço público.
Evidente que não se pode afirmar sejam tais em-
brionários direitos tidos como fundamentais segun-
do a versão moderna, porquanto somente o homem
não trabalhador e liberto da necessidade de laborar
para sobreviver era considerado homem livre, sen-
do ignorada na Antiguidade a noção de que todos
os homens, por simplesmente serem humanos, são
detentores dos mesmos direitos.
O próprio conceito de privacidade era bem di-
verso do modernamente concebido. O homem, gre-
go ou romano, tinha noção da sua mortalidade e,
como desejava vencer tal condição, somente lograva
conseguir tal intento com o pensamento, considera-
do imortal, e o fazia através do discurso no espaço
público, na vã tentativa de edificar uma dignidade
extraordinária a marcar a sua existência na Terra de
modo peremptório.
Com tanta obsessão em se eternizar, por ter certe-
za de sua existência passageira e terrena, as necessi-
dades básicas e fisiológicas humanas eram relegadas
aos homens não livres, assim considerados aqueles
que estavam privados da expressão na esfera públi-
ca, pois precisavam laborar para sobreviver. Surge o
animal laborans, homem tido como o mais desenvol-
vido dentre todos os animais presentes na Terra, mas
não apto a ser tratado como homem, exatamente por
ser privado da vida pública e, portanto, de dignidade
plena, somente observada aos homens livres no pen-
samento.
Ensina Fábio Rodrigues Gomes que, a partir des-
ta perspectiva, a noção de privacidade significava
que o indivíduo estava sendo “privado” daquilo que
ele considerava mais importante: a participação na
esfera pública. Assim, “os homens que precisassem
laborar e tivessem restritos o seu convívio na polis
em virtude das necessidades ordinárias da vida esta-
riam inferiorizados perante os demais, pois não lhes
seria dada a oportunidade de mostrar quem realmen-
te eram”(1). Concebia-se o escravo como algo seme-
lhante ao animal doméstico, tendo-se que este não
tinha acesso à esfera pública, perdendo, “além da sua
liberdade, todo o seu mérito, ficando alijado de qual-
quer pretensão de imortalidade, visto que por serem
obscuros, morreriam sem deixar vestígio algum de
terem existido”(2).
Nesse contexto de exclusão, não se pode afirmar
que havia direitos fundamentais, segundo a noção
moderna, já na antiguidade.
Todavia, tanto na Grécia, berço da democracia,
quanto em Roma, estuário da república, não se fazia
presente a ideia de poder político ilimitado, tão en-
contrada na Idade Média nos governantes e até nas
próprias relações privadas, através do feudalismo.
Konder Comparato(3), citando Aristóteles, in-
forma que este, em sua Ética a Nicômaco, relata o
diálogo havido entre o rei dos persas, Xerxes, e um
antigo rei de Esparta. Na oportunidade, o soberano
persa, prestes a invadir a Grécia, manifestou o pro-
fundo desprezo que lhe inspirou aquele povo pouco
numeroso, composto de pessoas todas iguais e livres
e que não obedeciam a um chefe único. O espartano

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