Danos pela impossibilidade dos filhos de conhecerem a origem genética e responsabilidade civil dos pais

AutorWlademir Paes de Lira
Páginas487-504
DANOS PELA IMPOSSIBILIDADE DOS FILHOS
DE CONHECEREM A ORIGEM GENÉTICA E
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS
Wlademir Paes de Lira
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Doutorando pela Universi-
dade de Coimbra. Professor da Universidade Federal de Alagoas e da Escola Superior
da Magistratura de Alagoas. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família e
Sucessões em Alagoas – IBDFAM/AL e Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil – IBERC. Juiz de Direito.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Direito à liação através da inseminação articial heteróloga.
2.1 Direito à inseminação articial e sua previsão legal.2.2 O consentimento informado.2.3. A
regularização e as consequências jurídicas em relação aos lhos nascidos através de inseminação
articial. 3. Anonimato do doador e direito ao conhecimento da identidade genética. 3.1 O direito
fundamental do doador ao anonimato. 3.2 O direito do lho de conhecer sua origem genética,
também como direito fundamental. 3.3 A ponderação entre o direito fundamental do anonimato do
doador e o direito ao conhecimento da origem genética pelo lho. 4. Responsabilidade civil dos pais
pela impossibilidade do conhecimento da origem genética pelo lho. 4.1 Danos pela impossibilidade
de se conhecer a origem genética. 4.2 A possibilidade de responsabilização dos pais pelos danos
em função da impossibilidade do lho conhecer sua origem genética. 4.3 Requisitos e pressupostos
para responsabilização dos pais e quanticação dos danos. 5. Considerações nais. 6. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O planejamento familiar através da f‌iliação é um importante interesse para a con-
cretização do projeto de vida de muitas pessoas, várias delas não podendo concretizar tal
projeto pelas vias tradicionais de reprodução, surgindo, além da adoção, a possibilidade
de que a f‌iliação seja concretizada através de técnicas de reprodução humana assistida,
quer utilizando material genético dos pretendentes1, quer de doadores.
Nesta apertada síntese, procuraremos analisar como compatibilizar esse direito
fundamental à f‌iliação, através da inseminação heteróloga, com o direito do doador do
material genético ao anonimato e o direito do f‌ilho fruto dessa técnica, ao conhecimento
de sua origem genética.
A hipótese que se pretende responder ao f‌inal, é se a impossibilidade dos f‌ilhos
frutos de inseminação artif‌icial heteróloga, em conhecer sua origem genética, pode
gerar danos indenizáveis e se os pais podem ser responsabilizados civilmente por
tais danos.
1. Utilizaremos no presente texto as expressões “pretendente” e “pretendentes”, para indicar a pessoa ou as pessoas
que pretendem o estabelecimento de uma f‌iliação, através de técnicas de reprodução assistida, evitando confusões
semânticas.
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WLADEMIR PAES DE LIRA
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2. DIREITO À FILIAÇÃO ATRAVÉS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA
2.1 Direito à inseminação articial e sua previsão legal
Tanto na Constituição brasileira, artigo 226, § 7º2, quanto a Constituição portuguesa,
artigo 26º, inciso 3.3, o direito ao planejamento familiar, no qual se enquadra o direito à f‌i-
liação e por via de consequência, o direito à fertilização através das técnicas de reprodução
humana assistida é direito fundamental, como concretizador do macro princípio norteador
do sistema constitucional que é a dignidade da pessoa humana, cuja centralidade e valoriza-
ção no constitucionalismo global é um avanço civilizatório, como destaca Daniel Sarmento4.
O planejamento familiar, antes visto como uma intervenção estatal sobre a procria-
ção, à liberdade reprodutiva da mulher e controle de natalidade, como lembra Natahalie
Cândido5, hoje impõe ao Estado garantir “o livre exercício da sexualidade e da reprodu-
ção humana”6, assim como, garantir o direito à constituição familiar através da f‌iliação.
Nessa perspectiva, a inseminação artif‌icial heteróloga atende ao direito à f‌iliação e
vem sendo regulada no Brasil por Resoluções do Conselho Federal de Medicina, 2.013
de 2.013, 2.121 de 2015 e 2.168 de 2017, e em Portugal pela Lei 32/2006, alteradas pelas
leis 59/2007, 17/2016, 25/2016, 58/2017, 49/2018 e 48/2019.
Acerca da discussão sobre a força normativa das resoluções do CFM7, entendemos
que embora não possuam força de lei, vinculam os prof‌issionais médicos que atuam no
processo da reprodução humana assistida. Não havendo lei específ‌ica no Brasil sobre
o tema, é a resolução que regula a matéria em relação aos médicos, o que implica dizer
que os médicos só podem fazer os tratamentos de acordo com os critérios por elas esta-
belecidos, vinculando de forma ref‌lexa os particulares8,tendo sido utilizadas, inclusive,
como razão de decidir em várias decisões9.
O juiz só pode desconsiderar a aplicação da resolução se esta ferir lei (ilegalidade),
ou esteja em desacordo com a Constituição (inconstitucionalidade), o que acaba vin-
culando também o juiz.
2. BRASIL, Constituição Federal, Art. 226 (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científ‌icos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições
of‌iciais ou privadas.
3. PORTUGAL, Constituição da República Portuguesa: “Art. 26º (Outros direitos pessoais). 3. A lei garantirá a dig-
nidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização
das tecnologias e ne experimentação científ‌ica.”
4. SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana – Conteúdo, Trajetória e Metodologias, Belo Horizonte: Fórum,
2016, p.15.
5. CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Reprodução Medicamente Assistida Heteróloga: Distinção entre Filiação e Origem
Genética. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10171. Acesso em: 10 nov. 2020.
6. DANTAS, Eduardo & CHAVES, Marianna. Aspectos Jurídicos da Reprodução Humana Assistida – Comentários à
Resolução 2121/2015 do Conselho Federal de Medicina, Rio de Janeiro: GZ Editora, 2018, p. 8.
7. Idem, ibidem, p. 28 a 30.
8. FROENER, Carla & CATALAN, Marcos. A Reprodução Humana Assistida na Sociedade de Consumo. Indaiatuba,
SP: Editora Foco, 2020, p. 39.
9. A título de exemplo a decisão TJRS no AgInst 70052132370, oitava Câmara Cível, Relator Des. Luiz Felipe Brasil,
data 044/04/2013. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteu-
do_busca=ementa_completa. Acesso em: 10 nov. 2020.
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