Dimensão ecológica da dignidade humana: análise do resp 1.797.175/SP à luz da epistemologia social da mudança de paradigma de Thomas Kuhn

AutorÉrica Valente Lopes
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito Constitucional (Universidade Federal do Ceará - UFC). Mestre em Direito Constitucional (Universidade de Fortaleza - UNIFOR). Pós-graduada em Direito Público (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP). Integrante do Grupo de Pesquisa GEDAI/UFC - Linha Direito Internacional do Meio ...
Páginas75-92
DIMENSÃO ECOLÓGICA DA DIGNIDADE
HUMANA: ANÁLISE DO RESP 1.797.175/SP À LUZ
DA EPISTEMOLOGIA SOCIAL DA MUDANÇA DE
PARADIGMA DE THOMAS KUHN
ECOLOGICAL DIMENSION OF HUMAN DIGNITY: ANALYSIS
OF RESP 1.797.175/SP IN THE LIGHT OF THE SOCIAL
EPISTEMOLOGY OF THOMAS KUHN’S PARADIGM CHANGE
Érica Valente Lopes
Resumo
: A proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental
previsto no artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988. Contudo, ainda prevalecente
de uma visão antropocêntrica, quando menciona ser um “bem” de uso comum do povo, ou seja:
uma necessidade apropriável. A dignidade humana inserta nesse conceito é inuência de uma
visão Kantiana individualista. Porém, com o desenvolver da sociedade nos anos subsequentes,
fez-se inserir em uma nova realidade social: complexa, não linear e sistêmica. Um exemplo dessa
mudança é observado no Judiciário, mais precisamente na decisão do Superior Tribunal de Justiça
(REsp 1797175/SP) de 2019, no qual o entendimento sobre a natureza jurídica dos animais não
humanos modicou-se, sob o amparo da dimensão ecológica da dignidade humana. Desta forma,
o objetivo deste artigo é analisar o citado case jurídico, a m de observar a epistemologia social
apresentada, a partir da mudança da matriz disciplinar ambiental antropocêntrica para a biocêntri-
ca. Nesse intuito, a metodologia envolve pesquisa interdisciplinar, com orientação epistemológica
na teoria crítica, para aprofundar o fundamento da atribuição de direitos a animal não humano,
a partir de um redimensionamento ecológico. Utiliza-se o raciocínio dedutivo, a partir de fontes
bibliográcas, documentais, para desenvolver pesquisa de caráter exploratório e abordagem
qualitativa. Inicialmente, analisa-se a racionalidade cientíca presente no redimensionamento da
dignidade humana e na consideração dos animais não humanos como sujeitos de direitos para
que se possa compreender sua epistemologia social. Em seguida, analisa-se o vanguardismo do
acórdão do Recurso Especial 1.797.175/SP, sob o olhar da teoria desenvolvida por Thomas Kuhn.
São tecidas considerações sobre a inuência desse stare decisis sobre outros semelhantes que se
sucederam para averiguar a ocorrência ou não da mudança do paradigma.
PalavRas-chave
: Animal silvestre – Dimensão ecológica da dignidade humana – REsp 1.797.175/
SP – Mudança de paradigma – Thomas Kuhn.
abstRact
: The protection of an ecologically balanced environment is a fundamental right provi-
ded for in article 225 of the Brazilian Federal Constitution of 1988. However, an anthropocentric
vision still prevails, when it mentions to be a “good” for the common use of the people like an
appropriable need. The human dignity inserted in this concept is inuenced by a more individu-
alistic Kantian vision that with the development of society in the subsequent years was inserted
in a new reality: complex, non-linear and systemic. An example of this change is observed in
judiciary cases, more precisely in the decision of the Superior Court of Justice (Resp 1797175/
SP) of 2019, in which the understanding of the legal nature of non-human animals has changed,
under the support of the ecological dimension of human dignity. Thus, the objective of the
article is to analyze the aforementioned legal case, in order to observe the social epistemology
EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 75EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 75 22/11/2022 08:50:3722/11/2022 08:50:37
ÉRICA vALENtE LOPES
76
presented by the change from the anthropocentric to the biocentric environmental disciplinary
matrix. For this, the methodology involves interdisciplinary research, with an epistemological
orientation in critical theory, to deepen the foundation of the attribution of rights to non-human
animals, based on an ecological resizing. Deductive reasoning is used based on bibliographic
and documentary sources for developing a research of an exploratory nature and a qualitative
approach. Initially, the scientic rationality present in the resizing of human dignity and the
consideration of non-human animals as subjects of rights is analyzed in order to understand their
social epistemology. Then, the avant-garde of the judgment of the Special Appeal 1.797.175/SP
is analyzed, under the perspective of the theory developed by Thomas Kuhn. Considerations are
made about the inuence of this stare decisis on other similar ones that followed one another
to verify the occurrence or not of the paradigm shift.
KeywoRds
: Wild animal – Ecological dimension of human dignity – Rep 1.797.175/SP – Paradigm
shift – Thomas Kuhn.
Sumário: 1. Introdução – 2. A racionalidade cientíca no redimensionamento da dignidade
humana: do antropoceno ao biocentrismo; 2.1 “O m em si mesmo” da dignidade humana de
Immanuel Kant; 2.2 A Epistemologia social nas mudanças de paradigma de Thomas Kuhn – 3.
O giro holístico socioambiental em sede do REsp 1.797.175/SP; 3.1 A dimensão ecológica da
dignidade humana e o reconhecimento dos animais não humanos como sujeitos de direito;
3.2 Precedente judicial ou mudança de paradigma? Análise do REsp 1.797.175/SP a partir dos
ensinamentos de Thomas Kuhn – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A literatura cientíca tem avançado no debate sobre a transição da proteção
jurídica do meio ambiente, inserida num parâmetro teórico do Estado de Direito
Ambiental, para a construção de um modelo jurídico-político mais eciente em
termos de proteção aos ciclos de vida da Terra e de seus seres, denominado de
Estado de Direito Ecológico.1
Alguns países, como Suíça e Alemanha, no continente Europeu; Equador
e Bolívia, na América Latina, normatizaram os direitos relacionados à natureza
e/ou a seres não vivos em suas Constituições. Nesse mesmo sentido, a Corte In-
teramericana de Direitos Humanos (CIDH), mediante a Opinião Consultiva 23
de 2017 (OC 23/17),2 esclareceu o que seria o direito ao meio ambiente saudável
1. DINNEBIER, Flávia França; LEITE, José Rubens Morato. Estado de direito ecológico: Conceito, conteúdo
e novas dimensões para a proteção da natureza. São Paulo: Inst. O direito por um Planeta Verde, 2017;
LEITE, José Rubens Morato; SILVEIRA, Paula Galbiatti; BETTEGA, Belisa, O Estado de Direito para
a natureza: Fundamentos e conceitos. In: LEITE, José Rubens Morato; DINNEBIER, Flávia França
(Org.). Estado de direito ecológico: Conceito, conteúdo e novas dimensões para a proteção da natureza.
São Paulo: Inst. O direito por um Planeta Verde, 2017.
2. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva 23/2017. Meio Am-
biente e Direitos Humanos. Solicitada pela República de Colômbia, 15 nov. 2017.
EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 76EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 76 22/11/2022 08:50:3722/11/2022 08:50:37

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT