A importância da epistemologia para o estudo da verdade e da prova no processo judicial

AutorAmanda Simões da Silva Batista
Ocupação do AutorMestranda em Direito Constitucional (Universidade Federal do Ceará - UFC). Pós-graduanda em Processo Civil pela Faculdade CERS. Graduada em Direito (UFC). Bolsista FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2294255088652790.
Páginas93-110
A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA PARA
O ESTUDO DA VERDADE E DA PROVA NO
PROCESSO JUDICIAL1
THE IMPORTANCE OF EPISTEMOLOGY FOR THE STUDY OF
TRUTH AND PROOF IN THE LEGAL PROCESS
Amanda Simões da Silva Batista
Resumo
: O presente artigo aborda as contribuições da Epistemologia (ou Teoria do Conhecimento)
para o Direito, que auxiliam na descoberta da verdade dos fatos e no tratamento da prova no
processo, fundamentais para a correta incidência da norma jurídica e a justeza da decisão judicial.
A provisoriedade e a falibilidade do conhecimento humano impedem o alcance de uma verdade
absoluta e incontestável em qualquer área cientíca, inclusive no Direito. No processo judicial, por
ser também impossível encontrar a verdade real, limites jurídicos devem ser estabelecidos para
evitar abusos na produção da prova dos fatos. Acredita-se que uma postura falibilista deve ser
adotada, por entender que armações sobre a realidade devem ser consideradas presumidamente
verdadeiras, se estiverem sucientemente fundamentadas e caso não se consiga demonstrar o
contrário. Desse modo, conclui-se que a prova produzida em juízo deve ser reconhecida como
instrumento de alcance de um conhecimento aproximado – certeza razoável – sobre os fatos.
PalavRas-chave
: Epistemologia – Falibilismo – Verdade – Prova – Processo judicial.
abstRact
: This article discusses the contributions of Epistemology (or Theory of Knowledge) to the
application of Law, which can help in discovering the truth of the facts and in the treatment of proof
in the process, fundamental for the correct application of the legal norm and the fairness of the
judicial decision. The provisionality and fallibility of human knowledge prevent the achievement
of an absolute and incontestable truth in any scientic area, including in Law. In the legal process,
because it is also impossible to nd the real truth, legal limits must be established to avoid abuses
in the production of proof of the facts. It is believed that a fallibilist stance should be adopted,
as it understands that statements about reality should be considered presumably true, if they
are suciently substantiated and if the contrary cannot be demonstrated. Thus, it is concluded
that the proof produced in court must be recognized as an instrument for reaching approximate
knowledge – reasonable certainty – about the facts.
KeywoRds
: Epistemology – Fallibilism – Truth – Proof – Legal process.
Sumário: 1. Introdução – 2. Falibilidade do conhecimento, verdade como correspondência e
sua relação com o processo; 2.1 Verdade e processo – 3. Busca da verdade por meio da prova
processual; 3.1 Breves aspectos concernentes ao convencimento do juiz e à fundamentação
da decisão judicial – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. Este artigo contou com o apoio nanceiro da FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvi-
mento Cientíco e Tecnológico).
EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 93EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 93 22/11/2022 08:50:3822/11/2022 08:50:38
AMANdA SIMõES dA SILvA bAtIStA
94
1. INTRODUÇÃO
O tema da verdade tem grande relevância no âmbito do Direito, uma vez
que as armações sobre os fatos alegados pelas partes em um processo podem
ou não ser verdadeiras, mostrando-se necessária a sua averiguação para que haja
correta incidência da norma no caso concreto e, assim, seja oferecida uma tutela
jurisdicional justa à parte que tenha razão. Desse modo, as demandas judiciais
prendem-se a um ou mais fatos relevantes e as dúvidas sobre a veracidade dessas
armações feitas em juízo devem ser analisadas pelo magistrado a partir das
provas que lhe são apresentadas.2-3
No Estado Democrático de Direito, a normatização de condutas e sua res-
pectiva consequência garante previsibilidade e segurança jurídica às pessoas,
garantindo-lhes que as penalidades somente sejam aplicadas quando os fatos
efetivamente tiverem ocorrido. De modo contrário, ou seja, caso se atribuíssem
consequências sem a devida ocorrência do ato correspondente (exemplo: condenar
André por sequestrar Carla, sem que ele, em realidade, tenha cometido o crime),
o Direito deixaria de exercer sua função de manutenção da ordem pública e de
pacicação de conitos.
Nesse contexto, segundo as lições de Michele Taruo,4 a verdade dos fatos,
de tal modo, é necessária tanto em si mesma, pois uma decisão tomada em versão
falsa ou equivocada dos fatos realmente não pode ser considerada justa, como
porque a apuração verdadeira dos fatos constitui premissa fundamental para a
aplicação correta da lei que regulamenta o caso.
Todavia, a busca da verdade deve levar em consideração a falibilidade do
conhecimento humano. É ilusório pensar na busca da chamada ‘verdade absoluta e
incontornável’ em qualquer área do conhecimento cientíco, inclusive, na Ciência
do Direito. Ensina Marques Neto5 que a ciência é caracterizada pela falsicabi-
lidade, pois asserções inabaláveis e irrefutáveis não são proposições cientícas,
mas pertencem ao domínio do dogma. Assim, o conhecimento cientíco é antes
aproximado do que verdadeiro, sempre buscando a superação de erros.
Aqui repousa a importância da Epistemologia ou Teoria do Conhecimento,
a qual tem como missão esclarecer o que envolve a concepção de conhecimento,
2. DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; LOPES, Bruno Vasconcelos
Carrilho. Teoria Geral do Processo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2020, p. 426.
3. Aalión, Vilanova e Rafo explicam que “ao jurista não lhe interessa a lei, mas naquela a que se refere
a lei, isto é, a conduta dos homens”. Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José; RAFFO, Julio.
Introducción al derecho. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004, p. 163.
4. TARUFFO, Michele. Uma Simples Verdade. Trad. de Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons,
2012, p. 142 e 143.
5. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do Direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 49 e 50.
EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 94EBOOK EPISTEMOLOGIA JURIDICA.indb 94 22/11/2022 08:50:3822/11/2022 08:50:38

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT