Direito Internacional Privado: Conflito das Leis no Espaço e Direito

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador da Justiça do Trabalho
Páginas201-218
CURSO BÁSICO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO DO TRABALHO
201
CAPÍTULO XVI
DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO: CONFLITO DAS LEIS
NO ESPO E DIREITO
1. Globalização da economia e os contratos
Já dissemos na Introdução deste trabalho, bem como em título à parte, que a
globalização é em sua origem um fenômeno econômico, diante do esgarçamento das
fronteiras dos países, da interdependência destes, que não podem mais sobreviver sem
a necessária convivência com os demais, com as organizações internacionais e com o
sistema internacional estabelecido após a Segunda Guerra Mundial. O capitalismo
mundial imperou de vez, afastando de seu caminho outras concepções, de início gene-
rosas de vida, nem melhores nem piores, porquanto não sabemos como seria o mundo
se os regimes socialistas tivessem imposto sua filosofia. Pelo que se viu e que se vê,
ainda, de alguns focos de resistência à concepção capitalista, também estes teriam suas
mazelas, porque desgarrados das ideias mais puras de seus primeiros idealizadores,
ante o defeito natural do ser humano, de querer dominar e impingir sua concepção do
que é certo ou errado aos demais seres humanos, acabariam por sacrificar o bem-estar
geral ao desiderato de poucos.
Assim, não nos parece improvável que o erro maior da globalização econômica
atual, isto é, a própria globalização, que, embora sem sacrificar formalmente a von-
tade do indivíduo, acaba lhe impondo a vontade do mercado, pela ganância dos que
manipulam as regras atinentes à circulação do dinheiro, sem que aquele o perceba, um
regime socialista — amplamente considerado, divorciado de sua ideia básica —, aca-
baria também pelo domínio e pela imposição de uma certa forma de viver e de pensar.
Não seria isto uma espécie de globalização? Deixemos de lado os próceres e ideólogos
das concepções capitalistas, comunistas e sociológicas, mas a aplicação prática de suas
ideias acaba criando fenômenos não pensados, porque, em nome de uma teoria, o ser
político termina por gostar do domínio, do comando quando este lhe vem às mãos,
e as ideologias acabam apenas e tão somente por servirem de veículo para ambições
meramente pessoais.
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CARLOS ROBERTO HUSEK
Acreditamos — e temos de acreditar no ensino do Direito — que é possível
compatibilizar a liberdade individual com as necessidades coletivas. O Direito tem
a possibilidade de regrar os egoísmos naturais — embora nem sempre o consiga —,
dobrar as vontades individuais em nome do coletivo, como também pode fazer com
que a coletividade respeite as necessidades individuais de crescimento espiritual, social
e econômico. É possível ser e ter por intermédio dos instrumentos jurídicos. O Direito
está necessariamente dentro de um conteúdo ético-social, que o faz o veículo natural
para o aperfeiçoamento do ser humano que vive em sociedade — como sói acontecer
— e para o aperfeiçoamento desta, valorizando o implemento de regras que priorizem
as necessidades coletivas e ao mesmo tempo promovam o indivíduo. Não se trata de
uma fórmula mágica, mas de um aprendizado diuturno. O equilíbrio entre o coletivo e
o individual é o bem supremo, porque a superação de uma das duas formas terminará
numa espécie de ditadura — não afirmando essa palavra na sua significação especi-
ficamente técnica —, seja ela do mercado ou de outro modo de imposição de ideias.
A globalização em que o mundo vive não é necessariamente um mal, é um fato,
que deve ser devidamente instrumentalizado pelas normas jurídicas, para que possa
ser obtido aquele equilíbrio, de que falamos, entre a coletividade e o indivíduo.
Num mundo sem fronteiras, em razão não só do capital que circula, mas também
do avanço da tecnologia e dos meios de transporte, bem como das novas necessidades
geradas por tais fatos, cremos que somente o Direito salva.
Repetimos a constatação básica: as fronteiras nacionais já não separam as culturas
e a identidade de cada povo. Somos cada vez mais parecidos em nossas necessidades,
em todos os cantos do planeta. É isso um atraso ou um progresso? É, simplesmente.
E neste momento da história da humanidade precisamos casar os diversos fatores —
sociais, políticos, econômicos, jurídicos, religiosos — por intermédio de institutos que
apreendam o fenômeno, sem indagar do bem ou do mal, do certo e do errado, para
viabilizar o modo de vida individual e coletivo.
Deixemos para os ideólogos, filósofos e políticos a concepção e implementação
de novas, futuras e melhores formas de vida. Enquanto isso não ocorre, vamos pôr os
pés no chão para encontrarmos a melhor solução para os problemas decorrentes da
chamada globalização.
É nessa esteira, sob a égide desse desiderato, que vemos o contrato internacional,
seja ele na área comercial, civil ou trabalhista. Nesta última, há efetivamente uma
reorganização do que se costumou chamar de “a divisão internacional do trabalho”.
O tema está necessariamente ligado ao tema anterior, próprio do Direito Internacio-
nal Público do Trabalho, mas tem outro campo, porque importa em regrar as ações
individuais, casando os diversos ordenamentos jurídicos em que tais ações ocorrem e
contam, pois, com outro conjunto de regras e princípios, que não devem estar divor-
ciados daquele Direito, mas que reverberam sob óptica diversa, o que chamamos de
Direito Internacional Privado do Trabalho.

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