Teoria Geral do Direito Internacional do Trabalho. Ideias e Fundamentos Históricos

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador da Justiça do Trabalho
Páginas62-84
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CARLOS ROBERTO HUSEK
CAPÍTULO V
TEORIA GERAL DO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO.
IDEIAS E FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
1. O Direito internacional e o Direito interno
Embora se reconheça a existência desses dois ramos do Direito, a profunda
relação entre eles não nos permite encastelarmo-nos em um ou outro, como se fossem
realidades completamente diferentes, a serem estudadas. São como duas margens de
um mesmo rio, cada vez mais caudaloso, por onde trafegam águas comuns; maté-
rias que banham ambos os lados e que por vezes transbordam, sem que seja possível
delinear com precisão onde se encontram as bordas, que em tempos antigos eram
pretensamente configuradas.
Isto nos leva à conclusão de que é impossível nos dedicarmos apenas ao Direito do-
méstico, territorial, geograficamente limitado com plenitude e acerto, porque o mundo
moderno é globalizado e globalizante, complexo, rico em eventos e possibilidades, e
faz com que os mais apegados a ideias nacionalistas tenham grande dificuldade na
aplicação do Direito.
Os ventos hodiernos embaralham os caminhos, abalam os conceitos clássicos,
redimensionam as fronteiras ou fazem-nas desaparecer, reconfiguram as instituições
conhecidas e criam outras que invertem a lógica do pensamento jurídico.
Não julgamos se isto é bom ou é ruim; talvez uma e outra consideração ao
mesmo tempo, dependendo da área a ser examinada. Apenas, por ora, constatamos
a realidade. Não creio que o papel do jurista, em um primeiro momento, seja o de
combater um determinado modo de ser jurídico da sociedade, quer interna ou in-
ternacional, pois, como estudiosos do Direito — vamos nos posicionar assim, para
manter uma certa distância dos fenômenos nesta área —, de início, devemos buscar
entender o fato, substrato do Direito, e depois apreciar a sua expressão jurídica.
CURSO BÁSICO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO DO TRABALHO
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De qualquer modo — e ainda nos valendo da imagem do rio —, as influên-
cias são recíprocas; tanto o Direito interno influencia o Direito internacional quanto
este influencia aquele. Mais uma vez, é uma constatação: o mundo internacional, que
sempre foi dominado pelos interesses políticos e econômicos, busca conformar suas
diretrizes aos interesses humanos, e nesse sentido abre espaço para prestigiar as coope-
rações entre Estados e para legitimar a existência de um sistema jurídico internacional.
Duas básicas teorias sustentam a doutrina sobre as relações entre o Direito interno
de cada Estado e o Direito Internacional, que, de forma simples, foram denominadas de
monismo e dualismo. O monismo, uma concepção que tem por base a doutrina
de Hans Kelsen, estabelece que o Direito dos diversos países se enquadram dentro do
Direito Internacional e, em relação a uma mesma matéria, se houver uma lei interna e
uma lei internacional, prevalece a norma internacional. Tal teoria tem suas variantes,
como a que mantém este desiderato, mas especifica que só não prevalecerá a inter-
nacional se contrariar as leis fundamentais do Estado (monismo moderado). Outra
ideia é a referente ao dualismo (dois sistemas de direito: o interno e o internacional),
e o Direito Internacional somente será aplicado e prevalecerá sobre o Direito Interno
se for incorporado, transformado em norma interna. Também tem o dualismo suas
variantes, mas, de qualquer forma, o que se tem é que em matérias importantes para o
Estado este aprova a lei internacional, para que ela possa, travestida em lei interna, ser
aplicada de forma ampla, também desde que não contrarie a norma constitucional.
É o que normalmente adota o Brasil, exceção feita, em nosso modo de entender, aos
direitos humanos internacionalmente estabelecidos, que prevalecem sobre a lei inter-
na, mesmo que eventualmente não tenham sido transformados em lei. Aqui estamos
diante de uma concepção universalista do Estado.
O monismo como primazia do Direito Interno (monismo interno) sobre o Di-
reito Internacional, e que tem como base a soberania do Estado sobre o seu território,
sem a mínima possibilidade de sofrer qualquer influência, parece sofrer sérios ataques
e milita contra a evolução do Direito. Esta é uma concepção individualista do Estado.
A par das discussões apaixonadas que podem causar as referidas teorias, é fato
que a Constituição brasileira tem regras que afirmam a possibilidade de aplicação
efetiva do Direito Internacional sobre o Direito Interno, principalmente em direitos
fundamentais, embora exija uma passagem, diríamos técnica, pelo Congresso Nacio-
nal para que um tratado internacional possa ser aprovado e transformado em lei.
Ficamos numa interpretação condizente, entendemos, com a modernidade, porque
nossa tendência é concluir pela ascendência do Direito internacional (monismo),
ainda que tenhamos que recorrer a teorias conciliatórias, mas que fazem, ao final,
prevalecer as regras internacionais, como a da “harmonia entre o direito interno e o
direito internacional”, que mereceria melhor estudo, devendo o Estado responsabili-
zar-se quando uma norma interna viola uma norma internacional, não necessitando
de efetiva transformação, e sim de simples recepção. É fato que o tema necessita de
melhor e mais aprofundada análise, mas também é certo que não existe mais lugar
para uma teoria e uma prática que privilegie essencialmente o Direito Interno.

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