Os direitos humanos em sua contrução histórica

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ - Professor do PPGD da UERJ e UVA - Coordenador do Curso de Direito do UniFAA - Advogado - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas19-52
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Capítulo 1
OS DIREITOS HUMANOS EM SUA
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um marco na
afirmação universal dos direitos humanos. No entanto é necessário percorrer as
considerações históricas para melhor compreensão dos debates contemporâneos
na luta em defesa dos direitos humanos.
1.1 O Jusnaturalismo Clássico
O jusnaturalismo clássico atrelava o Direito na visão
cosmológica/mitológica1 que integrava o pensamento da filosofia clássica
grega. Assim, pensadores gregos foram os primeiros a discutir sobre os
problemas do jusnaturalismo. Não obstante alguns filósofos gregos adotarem a
opinião da inexistência de princípios eternos e imutáveis de justiça, negando,
destarte, a existência de um Direito Natural (Trasímaco, Carneades, Protágoras,
Timón), a maioria cria que certos elementos da natureza humana são os mesmos
em todos os tempos e todos os povos, e que esses elementos encontram sua
expressão no Direito (Heráclito, Hipias, Platão, Aristóteles).2
Do primeiro grupo de pensadores que negavam a existência de um
direito natural podemos destacar: para Trasímaco, por exemplo, as leis eram
criadas por homens ou grupos que estavam no poder, com o objetivo de
fomentar seus próprios interesses. Carneades (214-129 a.c.), afirmava que todos
os seres vivos são levados, por instinto natural, a buscar uma vantagem pessoal
e que a justiça seria mera loucura, porque implicaria em sacrifício pessoal em
detrimento de um ideal puramente imaginário. Protágoras (481?-411 a.c.) e
Timón (326-235 a.c.), antecipando o entendimento dos positivistas negaram a
existência de uma justiça natural.3
1 O mito é fruto de uma tradição cultural.
2 BODENHEIMER, Edgar. Teoria Del Derecho. 2.ed. México: Fondo de Cultura Económica.
2000, p.129-134.
3 BODENHEIMER, op.cit., p.129-134.
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De Protágoras provém a frase: “O homem é a medida de todas as
coisas” (Theaitetos 166d). Os aspectos mais importantes do pensamento deste
filósofo são:4 a) renúncia do mito e da religião, onde os conhecimentos e
decisões são transmitidos pelo homem; b) prescinde-se da idéia de uma verdade
objetiva anteriormente existente, a verdade é encontrada no Homem (início
antropológico); c) o homem deve determinar o Estado, sua natureza e a escolha
do sistema político cada qual com igual participação nesta decisão; e d)
importância do aperfeiçoamento do homem, razão pela qual Protágoras pode ser
considerado como primeiro humanista.
De outra forma, Heráclito (535-475 a.c.) entendia que o direito divino e
natural era distinto das leis de cada Estado. Hipias distinguia entre direito
escrito e não-escrito. Este como fornecido por Deus e observado da mesma
maneira em todos os países, aquele como um conjunto de regras causais.
Sócrates (470-399 a.c.) afirma que o homem justo deve as leis do Estado, bem
como as leis não escritas dos deuses, válidas em todos os povos.5 Platão (429-
348 a.c.) compreendia a existência de uma idéia eterna de justiça. No mesmo
diapasão, Aristóteles (384-322 a.c.) supunha a existência de uma lei da
natureza, fazendo uma distinção entre justiça natural e convencional.
Na obra Ética a Nicômacos (1134b) o pensador já afirmava:6 “A justiça
política é em parte natural e em parte legal,7 são naturais as coisas que em todos
os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é
legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma
maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente.”
Vale destacar, ainda, a célebre peça teatral Antígona (496-406 a.C), em
famosa tragédia grega de Sófocles, que se rebela contra a injustiça das
disposições de um tirano, que proibia dar sepultura a seu irmão.8 Vejamos:
4 ADOMEIT, Klaus. Filosofia do Direito e do Esta do. v.1: Filósofos da Antiguidade. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000. p. 27-37.
5 VERDROSS, Alfredo. La Filosofia del Derecho del mundo occidenta l. Centro de Estudios
Filosóficos de la Universidad Nacional Autônoma de México, 1962, p.34.
6 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 3.ed. Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília:
Universidade de Brasília, 1985. p. 103.
7 Nesse diapasão, Simone Goyard-Fabre destaca que a Natureza fornece à política um modelo qu e
nem o legislador nem o magistrado d evem perder de vista para não correrem o risco de atentar ao
mesmo tempo contra a essência do político e a essência da justiça. GOYARD-FABRE, Simone.
Os Fundamentos da Ordem Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.32.
8 De acordo com Madja de Sousa Moura Florencio “Antígona é uma tragédia grega de Sófocles
(496-406 a.C), como última parte da sequência de Édipo Rei e Édipo em Colono, já que Antígona
é filha deste. Édipo era filho do Rei Laio e foi criado sem saber que pertencia à casa real de
Tebas, após uma profecia ter anunciado que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. Ao saber do
presságio, o pai de Édipo determinou que ele fosse morto, mas sua mãe, Jocasta, o salvou e o deu
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Tu o compreendeste. A tua lei n ão é a lei dos deuses;
apenas o capricho ocasional de um homem. Não acredito
que tua proclamação tenha tal força que possa substituir as
leis não escritas dos costumes e os estatutos infalíveis dos
deuses. Porque essas não são leis de hoje, nem de ontem ,
mas de todos os tempos: ninguém sabe quando apareceram.
Não, eu não iria arriscar o castigo dos d euses para satisfazer
o orgulho de um pobre rei. Eu sei que vou morrer, não vou?
Mesmo sem teu decreto. E se morrer antes do tempo, aceito
isso como uma vantagem. Quando se vive como eu, em
meio a tantas adversidades, a morte prematura é um grande
prêmio. Morrer mais cedo não é uma amargura, amargura
seria deixar abandonado o co rpo de um irmão. E se disseres
que ajo como uma louca eu te respondo que só sou louca na
razão de um louco.9
A escola do direito natural dos estoicos foi fundada por Zenon (350-260
a.C.) tinha como epicentro filosófico a natureza. Esta representava o princípio
racional de todo o universo. Melhor dizendo: todo o universo era composto de
uma substância chamada de razão. O direito natural para Zenon (Zenão) era,
pois, idêntico a lei da razão. O homem enquanto natureza cósmica era uma
criatura essencialmente racional. A razão, como força universal que penetrava
todo os cosmos era a base de todo o Direito e a Justiça.10 Uma razão divina
para adoção. Desconhecendo sua origem, Édipo acabou por cumprir a profecia, matando o pai e
casando-se com a mãe, que também ignorava o incesto. Dessa união nasceram Etéocles, Polínice,
que morreram em um duelo pela disputa do trono de Tebas, além de Antígona e Ismênia. Com a
morte dos herdeiros, assumiu o trono o irmão de Jocasta, Creonte. Por ordem do novo rei,
Etéocles foi sepultado com todas as ho nras, mas Polínice deveria permanecer insepulto, por ter se
insurgido contra o poder. Antígona, que era noiva de Hêmon, filho de Creonte, insurgiu-se contra
a ordem do rei e decidiu sepultar o irmão. Convidou, ainda, sua irmã Ismênia para participar dos
rituais, mas esta não concordou. Foi então presa, ao concluir os ritos sagrados do sepultamento do
irmão e levada à presença de Creonte, que a condenou à morte. É nesta passagem da obra que se
apresenta o discurso de Antígona, tido por muitos como primeiro marco textual do direito natural
e, consequentemente, do jus-humanismo normativo.” In: FLORENCIO, Madja de Sousa Moura.
O Jus-Humanismo Normativo e as Raízes Finca das na Filosofia Grega: Antígona de Sófocles e a
Prevalência do Direito Natural Sobre o Direito Positivo. Disponível em: <
http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=df68274ba68d8c0c> Acesso em: 21 jan. 2020.
9 SÓFOCLES. Antígona. Trad ução de Millôr Fernandes. 8.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 2008,
p. 25-26.
10 “Os estóicos, por assim dizer, terminavam no princípio, onde seria necessário começar. Um
Direito natural comum, baseado na razão, nos identificava, em ZENÃO e seus discípulos, com a
razão divina mas ignorava a nossa condição de homens, ou seja, seres diferenciados, que não
se ajustavam à unidade e universalidade da ordem natural ou divina. O que era a conquistar, se
apresentava como dado: a liberdade e a igualdade de todos os homens. O homem estóico
contentou-se com um "em si" abstrato e ideal, desinteressando-se pela humanização do homem, o
que eqüivale a dizer: pela realização do próprio Direito. A humanidade era, para os estóicos, um

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