Discriminação - Dispensa obstativa - Hiv - Indenização ou reintegração

AutorJuiz Guilherme Guimarães Feliciano
Páginas48-55

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JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE TAUBATÉ

TERMO DE AUDIÊNCIA PROCESSO N. 594/98-0

Aos dois dias (quarta-feira) do mês de setembro do ano de mil novecentos e noventa e oito, às 17hs15min, na sala de audiências desta Junta, sob a presidência do MM. Juiz do Trabalho, Dr. GUILHERME GUIMARÃES

FELICIANO, presentes os Srs. MILTON JACINTO

DE ALMEIDA, Juiz Classista Representante dos

Empregados, e PEDRO RAMOS DA SILVA, Juiz

Classista Representante dos Empregadores, foram, por ordem do MM. Juiz Presidente, apregoados os litigantes: Davi José Leite, reclamante, e Condomínio Solar dos Juritis, reclamada.

Ausentes as partes.

Prejudicada a última proposta conciliatória.

Submetido o processo a julgamento e colhidos os votos dos Senhores Juízes Classistas, proferiu a Junta a seguinte

1. Relatório

DAVI JOSÉ LEITOE propôs reclamatória trabalhista em face de Condomínio Solar dos Juritis, alegando em síntese ter se ativado para a reclamada de 10.10.95 a 22.07.97, na função de porteiro, com maior remuneração de R$ 270,00. Requereu--se, preliminarmente, segredo de justiça, com fulcro no art. 155, I, do CPC, vez que o reclamante é portador de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA, ou ainda AIDS). Laborava das 06hds. às 14hs; não gozava de intervalos para refeições; mas não foram pagas as respectivas horas extras e reflexos. Em 17.04.97, constatou ser portador do vírus HIV, iniciando tratamento junto à Secretaria de Saúde do Estado; por isso, foi obrigado a afastar-se por diversas vezes do trabalho. No entanto, omitiu seu estado de saúde a todos no âmbito laboral, por vergonha e medo de ser dispensado. No início do mês de julho de 1997, foi indagado pelo síndico sobre seu não comparecimento ao trabalho, e revelou seu estado de saúde. Ato contínuo, em 22 de julho de 1997, foi dispensado sem justa causa. O sindicato procurou interferir, mas não logrou obter a reintegração do obreiro. Coligou jurisprudência no sentido de que o despedimento injusto do empregado portador do vírus HIV presumir-se-ia discriminatório. Com o despedimento, obstou-se ao obreiro a obtenção de auxílio-doença ou de aposentadoria, quando a AIDS manifestar-se. Requereu, pois, o pagamento das horas extras, de seus reflexos, a reintegração do

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obreiro, e honorários advocatícios. Juntou procuração e documentos. À causa deu o valor de R$ 500,00. Deferiu-se a adoção de procedimento de segredo de justiça (fls.15). Em audiência inaugural não houve conciliação. A reclamada asseverou que o reclamante, na verdade, laborou de 10.12.95 a 22.07.97, conforme registro de empregado apresentado. O horário cumprido pelo reclamante era o designado na exordial, sem compensação de horas, e com intervalo para almoço e café. Eventuais horas extras foram pagas, bem como seus reflexos. Negou que a dispensa do autor houvesse ocorrido em virtude de sua doença. Disse mais, que quando da dispensa não havia, por parte da ré, conhecimento da doença do reclamante. Concluiu dizendo que o reclamante não foi dispensado por ser portador do vírus HIV, mas por ter pedido que a reclamada assim o fizesse. O exame médico demissional nada acusou. O ordenamento jurídico pátrio não preveria semelhante estabilidade. Pugnou pela improcedência dos pedidos e requereu compensações, ad cautelam. Juntou procuração e documentos. Réplica às fls. 55/58. Em audiência de instrução foram ouvidos o reclamante, o preposto da reclamada e uma testemunha pelo reclamante. Encerrou-se a instrução processual. É o relatório. Decide-se.

2. Fundamentação

Sem preliminares, passa-se ao "meritum causae".

I) Dos Intervalos Intrajornadas

Precipuamente, cuida-se da questão das horas extras. A jornada declinada no exórdio - das 06hs às 14hs - não excede o limite diário de oito horas, ainda que não fosse concedido o intervalo intrajornada. Portanto, o que na realidade se pleiteia é a indenização estatuída pelo art. 71, § 4º, da CLT, que no entender deste Colegiado não tem natureza de "horas extras" (art. 59 e ss. Da CLT). De fato, conquanto a jornada diária de oito horas não fosse extrapolada (e nem a semanal de 44hs, diante do alegado na peça defensiva: "jornada de 44 (quarenta e quatro) horas pôr semana, com folga semanal para descanso" [fls. 21]; comprovar o contrário era ônus do reclamante1), o preceito do art. 71, caput, da CLT, não era observado: embora o autor trabalhasse mais de seis horas diárias, não contava com intervalo de no mínimo uma hora. É o que se dessume da única prova testemunhal produzida: "(...) o depoente 'rendia' o reclamante, esclarecendo que cumpria jornada das 14hs às 22hs, e o reclamante das 06hs às 14hs; que não gozavam de intervalo para refeição e descanso; que na verdade, quase não tinham tempo nem de irem ao banheiro ou tomar um lanche". Portanto, defere-se o pleito de indenização do intervalo intrajor-nada não concedido, no montante de uma hora diária para todo o período de vínculo empregatício (10.12.95 a 22.7.97, cf. CTPS às fls.09), com adicional de 50%.

Repise-se que o preceito do art. 71, § 4º, introduzido em julho de 94 (Lei n. 8.923, publicada em 28.7.94), em verdade institui uma modalidade de indenização até então inexistente, referente ao período de intervalo não concedido, regularmente, aos empregados. É uma sanção imposta ao empregador, pela inobservância da disciplina do art. 71. Assim, tem caráter indenizatório, e não salarial. Não corresponde, portanto, ao pagamento de horas extraordinárias stricto sensu; tanto é que, como se dessume dos autos, a jornada diária constitucional - oito horas - não era ultrapassada (portanto, de horas extras não se pode falar). É o que reconhecia, ademais, o cancelado Enunciado n. 88 do C. TST. Dessarte, em tendo caráter indenizatório, não reflete em quaisquer outras verbas, nem comporta integrações ou reflexos em quaisquer verbas. De outra parte, por não ter a natureza de pagamento de sobrejornadas laboradas, não incorpora os percentuais convencionais previstos, especificamente, para o pagamento de horas suplementares. A jornada normal de trabalho, repita-se, não era ultrapassada.

Vez que não se comprovou horas extras (propriamente) impagas, nem se apontou aritmeticamente diferenças nas integrações já feitas, nada há a ser reclamado, no tocante a reflexos de extraordinárias.

Passa-se, pois, à principal questão tratada nestes autos: o pleito de reintegração.

II) Da Condição do Reclamante. Das Práticas Discriminatórias para Fins de Permanência da Relação de Emprego

O fato de o reclamante ser portador da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida não foi contestado pela ré; portanto, é fato incontroverso (art. 302, caput, in fine, do CPC). Por outro lado, o documento de fls. 11 (não impugnado) faz prova da doença. Ademais, nem mesmo há que se dizer seja portador assintomático, já que as lesões de pele que apresenta representam, por si só, sintoma da AIDS.

A providência seguinte é estabelecer se, de fato, o síndico da reclamada teve conhecimento da doença do reclamante, antes de dispensá-lo; e, mais que isso, aferir se efetivamente a dispensa teve relação com a sua condição de soropositivo. Na realidade, a instrução não foi orientada para esse mister; por conseguinte, nos autos inexistem provas quaisquer a respeito. A reclamada, inclusive, enviou como preposto outra pessoa que não o

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síndico; e interessaria à causa ouvir o síndico, para saber de sua boca se efetivamente soube da moléstia que acometia o autor antes de dispensá-lo (tal qual alegado: fls. 03). Nenhuma prova testemunhal foi colhida a respeito. A instrução processual, embora insuficiente, já se encerrou; e é vedado ao magistrado proferir o 'non liquef. Como proceder?

Entendêssemos nós - como já ensaiam algumas vozes isoladas na doutrina - que o empregado portador do vírus HIV goza de estabilidade relativa extralegal, cabendo-lhe a reintegração ante a aplicação analógica do art. 165 consolidado e por se tratar de responsabilidade objetiva do empregador (por equiparação à empregada gestante [art.10, II, V, do ADCT], eis que a jurisprudência majoritária entende ser irrelevante o conhecimento prévio da gravidez pela reclamada, para fins de reintegração ou indenização do período estabilitário), e o litígio já poderia ser deslindado: incontroversa a existência da moléstia por ocasião da relação de emprego, o reclamante não poderia ter sido dispensado; de direito, portanto, seria sua reintegração, independentemente do conhecimento prévio à dispensa, pelo empregador, de sua condição. Todavia, não engrossamos tais fileiras, vez que, na hipótese, habemus legem'. De fato, a matéria encontra-se disciplinada, atualmente, pela Lei n. 9.029/95, de 13.4.95, que proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Esta Lei introduziu em nosso ordenamento norma específica para o caso de discriminações no curso do pacto laboral, proibindo "a adoção de qualquer prática...

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