Dos crimes contra a dignidade sexual

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dos crimes
contrA A dignidAde sexuAL
No que tange aos crimes contra a dignidade sexual, nosso Código Penal sofreu uma
grande modificação em seu Título VI, que prevê estes crimes de natureza sexual, antes
sob a denominação de crimes contra os costumes, e agora chamados de crimes contra a
dignidade social.
Esta mudança foi realizada através da Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, que na
busca de atender aos anseios de nossa sociedade, para enrijecer o tratamento desta espécie
de crime, acabou gerando mais problemas do que soluções, além de, em muitos pontos, ter
gerado exatamente o efeito contrário do pretendido inicialmente pelo legislador que era de
dar um tratamento mais rigoroso a estes crimes.
Muitas alterações foram feitas, com destaque para a extinção da antiga figura típica
do atentado violento ao pudor (Art. 214 do CP), que foi englobado pela figura típica do
estupro (Art. 213 do CP), para as alterações no âmbito da ação penal inerente aos crimes
sexuais, para a extinção do conceito de presunção de violência (Art. 224 do CP), e ainda,
para a total modificação de certos tipos penais, como ocorreu com a Corrupção de menores
(Art. 218 do CP) e a criação de novas figuras típicas como o Estupro de vulnerável (Art.
217-A – do CP).
Como dissemos, a ideia inicial do legislador era a de endurecer o tratamento, ampliar
o alcance e aumentar as punições para estas espécies de crime, entretanto, devido à falta
de precisão técnica e de cuidado ao legislar, em muitas hipóteses “o tiro saiu pela culatra, e
principalmente em face das repercussões destas mudanças, produto de certos institutos da
parte geral do Direito Penal, como o concurso de agentes e o concurso de crimes, algumas
das alterações acabaram gerando efeitos extremamente benéficos.
Mais recentemente, foram publicadas as Leis 13.718/18 e 13.772/18, que também
apresentaram diversas modificações nos crimes contra a dignidade sexual.
A Lei13.718/18 apresentou a seguinte ementa: “Tipifica os crimes de importunação
sexual e de divulgação de cena de estupro; altera para pública incondicionada a natureza da
ação penal dos crimes contra a dignidade sexual; estabelece causas de aumento de pena para
esses crimes; cria causa de aumento de pena referente ao estupro coletivo e corretivo; e revoga
dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).”
Em suma, esta nova lei apresentou as seguintes modificações no Código Penal:
a) Criou o Art. 215-A que tipifica o crime de importunação sexual.
b) Criou o Art. 218-C que tipifica a divulgação de cena de estupro e de estupro de
vulnerável, e ainda de cena, ou imagem, de sexo ou pornografia sem autorização dos en-
volvidos.
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c) Inseriu o § 5º no Art. 217-A (estupro de vulnerável) prevendo expressamente na
lei que o consentimento e a previa experiência sexual do vulnerável (Ex: menor de 14 anos)
são irrelevantes para a caracterização do crime de estupro.
d) Inseriu o inciso IV no Art. 226 criando uma causa de aumento de pena de um
terço a dois terços para hipóteses de estupro coletivo e estupro corretivo (Ex: para reprimir
ou corrigir orientação sexual).
e) Os artigos 225 e 234-A do CP tiveram sua redação modificada, sendo que o Art.
225 do CP, passou a prever que a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual será
sempre pública incondicionada, e o Art. 234-A do CP teve suas causas de aumento de
pena alteradas e ampliadas.
Já a Lei13.772/18, que também trouxe novidades na seara dos crimes sexuais, basi-
camente produziu as seguintes alterações na nossa legislação:
1) Alterou a Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Art. 7º, inciso II – Lei Maria da
Penha), para reconhecer que a violação da intimidade da mulher também configura
violência doméstica e familiar.
2)Alterou o Código Penal, para criar o crime de “registro não autorizado de conteú-
do com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado” (Art.
216 – B CP).
Quanto a alteração na Lei Maria da Penha, a principal razão da mudança é o fato de
que a mulher muitas vezes é alvo de violação de sua intimidade, através da exposição dos
famosos “nudes” e de vídeos de conteúdo íntimo (cenas de relação sexual ou de cunho se-
xual) que depois do término do relacionamento vêm a ser divulgados através da internet,
expondo, assim, a sua intimidade, gerando constrangimentos e danos irreparáveis perante
a família e a própria sociedade.
Dessa forma, através da nova Lei o legislador ampliou o alcance da tutela da lei penal
em prol da vítima de violência doméstica, e ainda criou um novo crime para tutelar espe-
cificamente a intimidade e privacidade sexual, não só de mulheres, mas de todas as pessoas,
inserindo o Art. 216-B no Código Penal, que estudaremos mais adiante.
Quanto a Lei 12.015/09, inegavelmente a alteração que mais chamou a atenção foi a que
extinguiu o tipo penal do atentado violento ao pudor (Art. 214 do CP), inserindo as condutas
nele previstas no crime de estupro (Art. 213 do CP), que passou a ter a seguinte redação:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar
ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Percebe-se que a primeira consequência desta mudança, que curiosamente não al-
terou a pena do crime, foi transformar o crime de estupro, antes considerado um crime
próprio, em crime comum.
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MANUAL DE DIREITO PENAL • Cristiano rodrigues
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O antigo tipo penal do estupro previa que a vítima do constrangimento deveria ser
mulher e que a conduta pretendida deveria ser a de ter conjunção carnal, ou seja, penetra-
ção do pênis na vagina, fazendo assim com que o sujeito ativo do crime fosse, portanto,
necessariamente um homem.
A doutrina nacional afirmava inclusive que o estupro deveria ser considerado como
um crime bi-próprio, já que o tipo exigia características específicas tanto do sujeito ativo
(homem) quanto do sujeito passivo (mulher), algo que com a nova estrutura típica deixou
de existir, pois, agora não mais se exige que a vítima seja mulher, e o estupro passou a
englobar não só a conjunção carnal como também qualquer ato libidinoso, produtos de
violência ou grave ameaça, tornando-se, como foi dito, um crime comum.
No que tange ao crime de atentado violento ao pudor (Art. 214 do CP) percebemos
que houve o que se chama de abolitio criminis formal, ou seja, não mais existe esta figura
típica, que foi revogada, embora sua estrutura, sua conduta e suas consequências tenham
passado para o interior de outro tipo penal (princípio da continuidade normativa típi-
ca).
Esta situação é semelhante à que ocorreu com o crime de rapto (Art. 219 do CP) que
também foi abolido, revogado, mas apenas formalmente, pois sua conduta passou a fazer
parte do crime de sequestro ou cárcere privado (Art. 148 do CP).
A abolitio criminis formal não possui os efeitos da abolitio criminis material, ou plena,
produto da retirada de um crime de nosso ordenamento, efeitos estes previstos no Art. 2º
do Código Penal, quais sejam, retroatividade benéfica e afastamento de todos os efeitos
penais do fato.
Na abolitio criminis formal a conduta prevista no tipo revogado fica inteiramente
inserida em outro dispositivo legal e, portanto, não há que se falar em efeitos retroativos
benéficos e nem em afastamento das consequências penais da prática anterior do fato.
O mais curioso a respeito desta mudança é que, infelizmente, o legislador desperdi-
çou a oportunidade de corrigir um dos principais problemas inerentes ao crime de estupro
e ao atentado violento ao pudor que é, por um lado, a demasiada abrangência do conceito
de atos libidinosos, e por outro, a restritiva definição de conjunção carnal, alvo de inúme-
ras críticas da doutrina nacional.
Ocorre que, na visão restritiva do termo conjunção carnal, adotada anteriormente
em nosso ordenamento para tipificar o estupro (Art. 213 do CP), esta só se caracterizaria
com a penetração do pênis na vagina, deixando para o crime de atentado violento ao pudor
(Art. 214 do CP) todos os demais atos libidinosos, o que proporcionava uma abrangência
demasiada a este crime, que abrangia desde um beijo lascivo forçado até a cópula anal ou
oral.
O ideal seria que, com a reforma, todas as formas de coito tivessem passado a carac-
terizar o tipo de estupro, que poderia inclusive ter tido a sua pena aumentada, enquanto o
atentado violento ao pudor poderia ter permanecido como um crime autônomo, com uma
pena menor, prevendo outros atos libidinosos menos graves.
Como dissemos, infelizmente nosso legislador não aproveitou a chance e, com a Lei
12.015/09, percorreu o caminho inverso e manteve todos os atos libidinosos, inclusive a
copula vaginal (conjunção carnal), dentro de um único tipo (Art. 213 – Estupro) e punidos
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