Dos crimes contra a pessoa

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dos crimes
contrA A pessoA
O Título I da Parte Especial do Código Penal trata dos crimes contra a pessoa, di-
vidindo-se em seis capítulos: dos crimes contra a vida (Capítulo I), das lesões corporais
(Capítulo II), da periclitação da vida e da saúde (Capítulo III), da rixa (Capítulo IV), dos
crimes contra a honra (Capítulo V) e dos crimes contra a liberdade individual (Capítulo
VI).
Analisar o conceito de pessoa é fundamental para a compreensão dos tipos penais
previstos nesse título e, no Direito, existem dois tipos de pessoas: as pessoas naturais (ou
físicas) e as pessoas jurídicas.
Pessoa natural é o homem (ser humano) e o direito penal adota um conceito de
pessoa natural mais amplo do que o do direito civil, considerando a existência da pessoa
desde o início da vida intrauterina, protegendo o feto, e depois a vida extrauterina.
As pessoas jurídicas, ou seja, as empresas, são entes ficcionais criados pelo Direito e
que adquiriram personalidade própria para viabilizar atos de comércio bem como sua ad-
ministração, e sua responsabilidade penal, embora contestada por boa parte da nossa dou-
trina, se restringe, em nosso ordenamento, ao âmbito dos crimes ambientais (Lei 9605/98).
O Direito Penal considera surgimento da personalidade como sendo anterior ao nas-
cimento com vida, ao contrário do observado pela esfera cível, em que o nascimento com
vida (extrauterina) determina o início da personalidade.
1.1 DOS CRIMES CONTRA A VIDA
1.1.1 Homicídio
Por definição o Homicídio é a extinção da vida de uma pessoa praticada por outra,
não se incluindo nesse conceito a supressão da vida realizada pela própria vítima, hipótese
de autolesão impunível, mas que pode vir a caracterizar o crime de induzimento ao suicídio
O Art. 121 do CP, que tipifica o crime de homicídio, divide-se da seguinte forma:
- Homicídio simples (Art. 121, caput CP)
- Homicídio privilegiado, com causa de diminuição de pena (Art. 121, § 1º CP).
- Homicídio qualificado (Art. 121, § 2º CP)
- Homicídio culposo (Art. 121, § 3º CP)
- Homicídio circunstanciado, com causas de aumento de pena (Art. 121, § 4º CP)
- Perdão judicial no homicídio culposo (Art. 121, § 5º CP).
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MANUAL DE DIREITO PENAL • Cristiano rodrigues
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1.1.1.1 Homicídio simples (art. 121, caput, CP)
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
1.1.1.1.1 Bem jurídico tutelado
O tipo penal do homicídio visa proteger a vida, bem jurídico indisponível, pouco
importando que a vida esteja em fase embrionária, que seja viável ou que esteja próxima
de seu fim, existindo vida, haverá a proteção do bem jurídico vida e possibilidade de haver
homicídio, ou outro crime contra vida.
1.1.1.1.2 Sujeitos ativo e passivo
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum) do crime de homicídio, e o
sujeito passivo do homicídio também pode ser qualquer pessoa viva.
Atualmente, a doutrina utiliza o critério da morte encefálica como mais adequado e
razoável para a determinação do momento da morte (Lei nº 9.434/97), sendo importante
lembrar que a interrupção da gravidez com a morte do feto configura crime de aborto
(Art. 124/125/126 CP), e somente a partir do início dos procedimentos de parto é que
poderá haver o crime de homicídio (Art. 121 CP) ou de infanticídio (Art. 123 CP)
1.1.1.1.3 Tipo subjetivo
O homicídio simples prevê o dolo de tirar a vida de outrem (animus necandi) como
elemento subjetivo do tipo, ou seja, a intenção, consciência e vontade de matar alguém
(dolo direito), admitindo também a possibilidade da previsão do resultado morte com o
agente assumindo o risco de matar alguém (dolo eventual).
O dolo direto deve abranger todos os elementos da conduta típica, visando a produ-
ção do resultado morte, enquanto no dolo eventual o agente se conforma com o resultado
morte previsto e diante da situação concreta assume o risco de produzir o resultado morte,
sendo, assim, indiferente quanto a lesão à vida de terceiros.
No caput do Art. 121 não há previsão de qualquer elemento subjetivo especial, ou
seja, não há um especial fim de agir (finalidade específica), porém, em algumas hipóteses
de homicídio o fim colimado, ou motivo específico de agir, poderá caracterizar circuns-
tâncias qualificadoras ou formas privilegiadas do crime.
1.1.1.1.4 Tipo Objetivo
O crime de homicídio é classificado como crime de forma livre, ou seja, admite qual-
quer meio executório para a sua realização.
Os meios de execução no homicídio podem ser diretos, ou seja, que incidem direta-
mente sobre o corpo da vítima (Ex: dar um tiro na vítima como meio direto de execução),
ou indiretos, em que a conduta não atinge a vítima de forma imediata, mas acaba gerando
o resultado (Ex: levar a vítima a ingerir veneno, pensando ser água).
Há ainda os meios materiais (mecânico ou químicos – facada, afogamento, envenena-
mento, tiro etc.) e morais (quando alguém conta a um cardíaco sobre a falsa morte de seu
filho, para provocar um ataque do coração).
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Por fim, é importante lembrar que o homicídio também pode ser praticado por ação
(conduta positiva, fazer algo) ou por omissão (omissão imprópria – a inércia do agente
garantidor, uma abstenção, um não fazer algo – conduta negativa).
1.1.1.1.5 Consumação e tentativa
O crime de homicídio se consuma com a produção do resultado morte de alguém
(crime material), pessoa viva, considerando-se para isso o momento da morte encefálica
(Lei nº 9.434/97Lei de transplante de órgãos).
Trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes, instantâneo porque a con-
sumação ocorre em um momento único (momento da morte) e não se protrai pelo tempo,
porém de efeitos permanentes, já que o resultado morte é definitivo e a lesão ao bem jurí-
dico tutelado se prolonga pelo tempo.
Por fim, pode-se dizer que o homicídio é um clássico exemplo de crime de dano, pois
não se consuma com a mera produção de um risco para o bem jurídico tutelado, exigindo
um dano concreto (morte) para sua consumação.
O crime de homicídio é de natureza plurissubsistente, por isso admite o fraciona-
mento dos seus atos executórios e, portanto, poderá ser tentado (Art. 14, II, CP) quando,
iniciada a execução do crime, não sobrevenha o resultado morte por circunstâncias alheias
à vontade do autor, punindo-se, assim, o homicídio, com a pena reduzida de 1/3 a 2/3.
1.1.1.2 Homicídio privilegiado (Art. 121 § 1º CP)
A forma privilegiada do homicídio nada mais é do que uma causa de diminuição
de pena (1/6 a 1/3), aplicada na 3ª fase da dosimetria da pena, que será reconhecida em
três situações:
a) Relevante valor social:
Motivos que sejam de interesse da sociedade como um todo, que importem à coletivi-
dade. Embora prevista na lei essa forma privilegiada não possui muita incidência prática,
em face da política criminal, já que poderia estimular certas condutas indesejadas como
os chamados “justiceiros” (Ex: provocar a morte de um traidor da pátria em tempos de
guerra / sujeito que mata um traficante de entorpecentes que mantinha uma comunidade
carente sob seu comando)
b) Relevante valor moral:
São motivos que sejam do interesse particular do próprio agente, e que estejam de
acordo com os princípios morais da sociedade em que este se insere. (Ex: eutanásia – Ho-
micídio piedoso)
É verdade que não há como se avaliar os motivos de relevante valor social e relevante
valor moral sem a análise das condições pessoais do agente, mas será fundamental, em
ambas as hipóteses, avaliar sempre o que se entende comumente, sob um prisma geral, por
moralidade e por um bem comum para terceiros e para a sociedade.
c) Homicídio “emocional” (crime de ímpeto).
O homicídio também será considerado privilegiado, e terá sua pena diminuída, de
acordo com os seguintes requisitos cumulativos:
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