Dos crimes contra o patrimônio
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dos crimes
contrA o pAtrimônio
2.1 DO FURTO
2.1.1.1 Tipo objetivo
A conduta de subtrair coisa alheia móvel, prevista no tipo do furto, tutela a proprie-
dade e a posse de bens que possuam valor patrimonial e, de acordo com o tipo penal obje-
tivo, podemos definir alguns de seus elementos objetivos da seguinte forma:
– Coisa: é tudo aquilo que possui existência de natureza corpórea e que possua valor
econômico (inclusive animais e o cadáver utilizado para pesquisas em universidades)
- Alheia: é algo que pertencente a outrem, ou na posse de outrem, sendo que não
configura furto a subtração de coisa própria, de coisa abandonada (res derelicta), coisa
comum ou coisa perdida (res desperdita), podendo, nestes casos, incidir o crime de
apropriação indébita do Art. 169, parágrafo único, II, do CP.
- Móvel é todo objeto passível de ser removido ou deslocado.
Importante lembrar que a subtração de cadáver pode configurar crime de furto quan-
do este possuir valor patrimonial (ex: em necrotério de faculdade de medicina), ou
então, em outras hipóteses, sem valor patrimonial, haverá o crime de subtração de
Para a maioria da doutrina o proprietário do bem não pode cometer crime de furto
tão somente porque sua conduta não se enquadra no tipo penal, que tutela acima de
tudo a propriedade, e se refere a “coisa alheia”, podendo haver, nestes casos, o exercí-
seu próprio bem, que esteja na posse legítima de outrem.
2.1.1.2 Tipo subjetivo
Trata-se do dolo, vontade de subtrair coisa alheia móvel e, em face da conduta de
subtração, objeto do dolo específico do autor do furto, é que se distingue o furto do crime
O furto se caracteriza exatamente pela contrariedade ou desconhecimento da vítima
quanto a inversão da posse do bem no momento da subtração, ou seja, pelo dissenso, ex-
presso ou tácito, da vítima quanto a esta inversão de posse, enquanto nos demais crimes
patrimoniais mencionados (Estelionato e Apropriação indébita) a coisa é entregue volunta-
riamente pela vítima ao autor do fato.
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MANUAL DE DIREITO PENAL • Cristiano rodrigues
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O furto possui ainda um elemento subjetivo especial, chamado de especial fim de
agir, que se consubstancia no termo “para si ou para outrem”, ou seja, para que se caracte-
rize o furto, além do dolo de subtrair coisa, deve haver o fim específico de assenhoreamento
(animus furandi) do bem por parte do autor.
Desta forma, a ausência deste especial fim de agir faz com que o conhecido furto de
uso não caracterize crime, e o fato seja considerado atípico, desde que fique demonstrado
que o autor do fato pretendeu apenas usar o bem, devolvendo-o voluntariamente e nas
mesmas condições originais a seu proprietário.
teses pode se assemelhar ao furto, fazendo-se a distinção dos crimes através da análise do
dolo pois, caso fique demonstrado que a subtração do bem ocorreu em face da intenção do
agente de satisfazer uma pretensão legítima sua (Ex: recuperar a força seu próprio bem),
não haverá furto, mas sim o crime de exercício arbitrário.
2.1.1.3 Consumação e Tentativa
A consumação do furto, de acordo com a teoria majoritária e adotada atualmente
pelo STF (Teoria da amotio), ocorre com a mera inversão da posse do bem, não havendo
mais a necessidade de que haja por parte do autor, após a subtração, a chamada posse man -
sa e tranquila do bem (Teoria da ablatio).
Já a teoria da concrectacio, pela qual a consumação se dá no momento em que o
agente toca no bem alheio, com o fim de subtraí-lo, e a teoria da illactio, pela qual a con-
sumação depende do agente conseguir levar o bem subtraído para o local que era destina-
do, também não são adotadas pela nossa doutrina e jurisprudência.
Já a tentativa de furto é plenamente possível, pois a conduta de subtrair é plurissub-
sistente, pode ser fracionada, logo se o autor vier a ser interrompido durante o processo de
subtração do bem, por motivos alheios a sua vontade, antes de ocorrer a inversão da posse,
caracteriza-se o furto tentado.
O furto realizado em estabelecimentos com sistema de segurança, vigilância e câme-
mas, o agente for detido antes de sair do local com o bem, estará caracterizada a tentativa
de furto, já que, por menor que seja, nestas hipóteses de sistemas de segurança sempre
existirá alguma possibilidade de consumação do furto (Sum. 567 STJ).
No Art. 155, § 1º, do CP está prevista uma causa de aumento de pena (+1/3) se o
furto for praticado durante o repouso noturno, ou seja, durante o período de descanso,
considerando-se, majoritariamente, que este período se inicia as 18hs indo até as 6hs da
manhã, quer o local esteja habitado ou não, incluindo também estabelecimentos comer-
ciais e até mesmo veículos.
Majoritariamente entende-se que não se aplica essa causa de aumento de pena para
em um parágrafo logo abaixo do furto simples, e por isso se refere diretamente a ele, não
englobando assim as formas qualificadas do furto subsequentemente previstas.
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2 • DoS CrIMES CoNtrA o PAtrIMÔNIo
Considera-se o furto como privilegiado quando o criminoso é primário e é de pe-
queno valor (majoritariamente – até 1 salário mínimo) a coisa furtada, sendo que, nesse
caso, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la (1/3 a 2/3),
ou aplicar somente a pena de multa ao furto.
Atualmente o STF e o STJ admitem a aplicação desta forma privilegiada do furto,
com a sua diminuição de pena, também para os crimes de furto qualificados, desde que a
qualificadora seja de caráter objetivo (Sum 511 STJ) e, portanto, compatível com a forma
privilegiada do furto.
Em face da frequente aplicação por nossos tribunais superiores do princípio da in-
significância (que nos crimes patrimoniais também pode ser chamado de princípio da
bagatela), como causa de atipicidade em furtos de pequeno valor, a forma privilegiada do
furto ganhou caráter subsidiário, somente sendo cabível quando, por algum motivo, não
for aplicada a insignificância ao furto no caso concreto.
Como sabemos, a insignificância vem sendo amplamente aplicada pelo STF e STJ,
com grande incidência nos crimes patrimoniais, fundamentalmente naqueles sem violên-
cia ou grave ameaça como o furto, de acordo com os seguintes critérios:
(a) a mínima ofensividade da conduta do agente
(b) a nenhuma periculosidade social da ação
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento
(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada
Com base nesses critérios pode-se entende, por exemplo, porque algumas decisões juris-
prudenciais vêm entendendo que pode não ser reconhecida a atipicidade pela insignificância
um destes furtos não possua valor significativo, se a totalidade do produto dos crimes é alto.
Muitas vezes também não é considerado insignificante o furto de valor ínfimo que
seja realizado por pessoa que realize, reiteradas vezes, vários crimes patrimoniais, fazendo
do crime seu meio de vida pois, nesses casos, não se verificaria o requisito da “reduzida
reprovabilidade” do seu comportamento.
O chamado furto famélico ocorre quando a pessoa, visando satisfazer uma neces-
sidade alimentar imediata que importe assim em situação de perigo atual para a própria
pessoa ou para terceiros, subtrai diretamente os alimentos, sendo, a subtração, a única
forma de solucionar o problema e afastar o perigo para a vida naquele momento.
O furto famélico tradicionalmente não era considerado crime, por exclusão da ili-
tem prevalecido a aplicação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade da
conduta, já que, via de regra, o valor dos alimentos subtraídos é sempre consideravelmente
baixo e insignificante.
elétrica, ou qualquer outro tipo de energia com valoração econômica, à coisa móvel, sendo
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