A expulsão do estrangeiro e seus reflexos no direito das famílias

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas371-389

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Ver Nota1

1 Da retirada forçada do estrangeiro do território nacional

Hans Kelsen afirma2, certeiramente e como de costume, que nenhum Estado encontra-se obrigado a admitir, em seu território, estrangeiros, mas uma vez os admitindo, deve a eles garantir o mínimo de direitos3. Trata-se de inequívoca

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manifestação de soberania. De outra banda, tal exercício de soberania não pode ultrapassar limites previstos tanto no Direito Interno, quanto no Direito Inter-nacional. Neste sentido, obtempera Florisbal de Souza Del’Omo que:

A admissão de estrangeiros, a passeio ou com ânimo de permanência no país, é uma prática amplamente admitida por quase todos os Estados. Incumbe a cada um deles, outrossim, o poder discricionário de regular a permanência do estrangeiro, sendo lícito o impedimento de seu ingresso, desde que isso não ocorra por motivo de raça, sexo, idioma ou religião, entre outros, pois tais limitações seriam contrárias ao Direito Internacional4.

Destarte, garante-se aos não-nacionais, entre outros, o direito de aqui permanecer, desde que a dita permanência esteja albergada pelo ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, este mesmo conjunto normativo que garante a sua permanência pode, em específicas situações, ser aplicado para a sua retirada forçada do território nacional. Para tanto, três institutos devem ser oportunamente mencionados, quais sejam, a expulsão, a deportação e a extradição.

A deportação é a retirada compulsória do estrangeiro do território nacional, tendo como motivação a sua entrada, ou permanência, irregular. Assim, aquele que ingressou em nosso território por locais onde não há fiscalização, bem como o que ingressou legalmente, porém extrapolou o prazo de sua estada, encontrar-se-á em potencial situação de deportação.

Já a extradição, típico instrumento de cooperação penal internacional, implica na entrega de um indivíduo, não necessariamente um estrangeiro5, de um país a outro, e mediante solicitação deste, para que seja submetido a julgamento, ou cumpra a eventual pena a que tenha sido condenado.

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Por fim, a expulsão, instituto jurídico que aqui mais nos interessa, consiste na retirada forçada do estrangeiro6, tendo como justificativa a prática de ato contrário à ordem pública ou aos interesses nacionais7.

2 Algumas particularidades acerca do instituto da expulsão

A expulsão encontra-se prevista, em perspectiva normativa interna, na Lei
6.815/80 (arts. 65 a 75), conhecida como “Estatuto do Estrangeiro”, e no Decreto 86.715/81 (arts. 100 a 109) que a regulamentou. Em seara internacional, o primeiro documento a positivar o assunto foi a Convenção de Havana de 1928, que versa sobre a “Condição dos Estrangeiros”8. Atualmente, o instituto não conta com abrigo constitucional, fato que não o afugenta da Carga Magna de 1988, na medida em que, como veremos em momento posterior, muitas de suas regras aplicam-se ao mesmo, com destaque para os direitos fundamentais de índole processual e a proteção dada à família, à criança e ao adolescente.

Desde o horizonte de sua natureza jurídica, temos que a expulsão é ato discricionário. Nesse diapasão, admoestam Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, com a propriedade costumeira, que “Reconhecido que o Estado tem a faculdade de controlar a entrada, no seu território, de estrangeiros, por ele tidos como indesejáveis, o corolário lógico é o reconhecimento do direito correspondente da expulsão”9. De outra banda, a discricionariedade para

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a expulsão, a bem da verdade para todos os atos administrativos, não é absoluta, vale dizer, encontra limites. Assim, e em que pese a soberania do Estado para decidir pela permanência ou não de estrangeiros em seu território, entendemos que não há margem para expulsões arbitrárias. Em suma, a discricionariedade estatal encontra limites na lei, entendida esta em seu sentido amplo, abrangendo, também, a Constituição Federal e as demais espécies normativas.

Com efeito, a expulsão de estrangeiros do território nacional deve ser precedida pela instauração de processo administrativo, cujo escopo é apurar as causas motivadoras da retirada forçada, bem como permitir àqueles o exercício do direito de defesa10. No que tange aos motivos que podem ensejar a expulsão, vimos que os mesmos derivam de atos que atentam contra a ordem pública ou contra os interesses nacionais. Inequivocamente, há uma perigosa subjetividade em tais motivos, o que reforça a necessidade de que a discricionariedade do Estado esteja balizada por parâmetros legais. Isso, contudo, não implica em afirmar que cabe ao ordenamento jurídico, verbi gratia, enumerar exaustivamente os atos que se ajustam dentro da contrariedade aos interesses nacionais. Sem embargo, o próprio Estatuto do Estrangeiro contempla hipóteses específicas, as quais poderão implicar na expulsão de estrangeiros do território de nosso Estado, como por exemplo, praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil ou entregar-se à vadiagem ou à mendicância.

No tocante à instauração do processo administrativo visando à expulsão do estrangeiro, dispõe o Estatuto do Estrangeiro (art. 70) que compete ao Ministro da Justiça determiná-la, de ofício ou mediante solicitação fundamentada. Destarte, parece não haver discricionariedade para tal medida. Ademais, e ainda segundo o mencionado diploma legal, os órgãos do Ministério Público remeterão ao Ministro da Justiça, de ofício, até trinta dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença condenatória de estrangeiro, autor de crime doloso ou de qualquer crime contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a economia popular, a moralidade ou a saúde pública, assim como da folha de antecedentes penais

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constantes dos autos (art. 68). Por derradeiro, o dito estatuto prescreve que uma vez recebidos tais documentos, o Ministro da Justiça determinará – no sentido de deverá – a instauração do respectivo inquérito administrativo visando à expulsão do estrangeiro de nosso território.

Parece-nos, então, que a discricionariedade não existe quanto à instauração do processo administrativo, ao menos na hipótese do parágrafo anterior, fazendo-se presente em seu desfecho final, vale dizer, com a publicação, ou não, do ato expulsório11. Oportunamente, entendemos cabível uma reflexão sobre a competência para decidir, ou não, pela retirada forçada do estrangeiro por meio da expulsão. Prevê o Estatuto do Estrangeiro (art. 66, caput e parágrafo único) que caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação, o fazendo por meio de Decreto. Entretanto, devemos ressaltar que o ato de expulsão, como vários outros atos, poderá ser objeto de delegação por parte do Presidente da República. E assim, de fato, o é em seara de retirada forçada mediante expulsão. Com efeito, prescreve o art. 1º do Decreto 3.447/2000, que fica delegada competência ao Ministro de Estado da Justiça, vedada a subdelegação, para decidir sobre a expulsão de estrangeiro do País e a sua revogação. Assim, atualmente, a expulsão poderá ocorrer mediante Portaria do Ministro da Justiça ou Decreto do Presidente da República, que poderá avocar sua competência para a prática de tal ato.

Como afirmado em linhas anteriores, um dos escopos do processo administrativo é justamente garantir ao estrangeiro o direito de opor-se à expulsão. Neste sentido, afirma Paulo Henrique Gonçalves Portela que, em se tratando de expulsão, há necessidade de que todos os casos sejam analisados a luz dos princípios concernentes ao Estado de Direito consagrados na Constituição Federal de 198812, cabendo aqui destacarmos o direito à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º inc. LV). Em seara de expulsão, o Estatuto do Estrangeiro (art. 75, incs. I e II, letras “a” e “b”) elenca três obstáculos a esta modalidade de retirada forçada do estrangeiro do território nacional. Neste diapasão, não poderá o estrangeiro

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ser expulso quando sua retirada forçada implicar extradição inadmitida pela lei brasileira, ou quando ele tiver cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos ou, por fim, quando o estrangeiro possuir filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente. Tais hipóteses podem ser consideradas, e de fato o são, limites à discricionariedade do Estado, o qual não poderá expulsar o estrangeiro quando, ao menos, uma delas estiver presente.

Interessam-nos, em particular, os dois últimos obstáculos, quais sejam, a existência de filho brasileiro que esteja comprovadamente sob a guarda e dependência econômica do estrangeiro, ou quando este estiver casado com cônjuge brasileiro, e desde que o matrimônio tenha se realizado há mais de 5 (cinco) anos, tendo em vista que o casamento e a filiação inserem-se dentro do campo de estudo do Direito das Famílias.

A presença destes obstáculos deverá ser suscitada, pelo estrangeiro e como matéria de defesa, no processo administrativo que visa a sua expulsão. Com efeito, recorda-nos Jacob Dolinger que: “A mais comum defesa em casos de expulsão tem sido a existência da família brasileira constituída pelo expulsando”13. Por outro lado, não há impedimento para que nos casos de expulsão haja intervenção do Poder Judiciário. Neste sentido, adverte corretamente Paulo Henrique Gonçalves Portela que: “Entretanto, nada impede que o Poder Judiciário inter-venha em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito, com fundamento no art. 5º, XXXV, da CF (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito)”14. Assim, faculta-se ao estrangeiro o uso do habeas...

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