A formação de grupo econômico no direito do trabalho à luz da reforma trabalhista (art. 2º, §§ 2º e 3º da CLT)

AutorLeonardo Tibo Barbosa Lima
Páginas67-73

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1. Introdução

A Lei n. 13.467/17 deu nova redação ao art. 2º, § 2º, da CLT, além de acrescentar um terceiro parágrafo ao citado dispositivo, que rege o instituto do grupo econômico trabalhista. A modificação foi pautada em entendimentos majoritariamente chancelados pela doutrina e pela jurisprudência, mas merece exame atento, sobretudo porque agora foram estabelecidos critérios de forma expressa para a caracterização do referido instituto.

Trata-se de tema dos mais sensíveis no Direito do Trabalho, pois o natural desequilíbrio de poder das relações de trabalho é acentuado em função do agrupamento patronal, o qual, a despeito disso, muitas vezes se manifesta de forma explícita na relação material, mas se oculta, na processual.

O objetivo do artigo é, pois, compreender os efeitos da Lei n. 13.467/17 (reforma trabalhista) na caracterização do grupo econômico trabalhista, por meio da linha jurídico-teórica de pesquisa, com a abordagem dos aspectos conceitual e prático do tema, bem como do método de investigação hipotético-dedutivo.

O artigo se inicia, apresentando a teoria geral do grupo econômico trabalhista, onde se pretende construir um conceito de grupo econômico específico para as relações de trabalho, avança com a exposição da argumentação teórica sobre as alterações promovidas e se encerra, mostrando um extrato das reflexões do autor.

2. Teoria do grupo econômico trabalhista
2.1. Conceito, fundamentos, natureza jurídica e finalidade

A primeira questão que o tema desafia é a construção de um conceito para o fenômeno do grupo econômico.

De início, é preciso considerar que um mesmo fato pode ser objeto de várias Ciências, cada qual responsável por dar o devido tratamento, segundo seus próprios métodos. E, dentro da mesma Ciência, é possível que esse mesmo objeto também tenha tratamento diferenciado, a depender das subdivisões que marcam a perspectiva do exame.

Assim é que o fenômeno do grupo econômico certamente tem tratamento específico na Economia, na Política ou na Sociologia, a quem cabe investigá-lo segundo suas finalidades e métodos, mas também tem um tratamento jurídico, que, a despeito de não ser puro,1 atua em um plano notadamente normativo2 ou, mais que isso, de Direito.3

E, estando já dentro do próprio Direito, é de se indagar se esse mesmo fenômeno (grupo econômico) tem ou deve ter tratamento ou regulação específicos, por exemplo, para as questões de Direito Econômico, Tributário e Trabalhista.

A nós parece que a resposta é afirmativa, o que modifica, senão singulariza, toda a fundamentação que será apresentada neste artigo, influenciando desde o conceito até os resultados do fenômeno.

Nas relações civis entre particulares, sem prejuízo da necessária intervenção do Estado em assuntos econômicos, quando for o caso, a autonomia da vontade, marcada pela igualdade presumida entre as partes, é fator que muito se considera, sobretudo porque estão ambas protegidas dos avanços do Estado, pelas barreiras dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Em outras palavras, a vontade de determinadas empresas formarem um grupo econômico, no âmbito das citadas relações jurídicas, pode ser regulada, inteiramente, pela manifestação expressa dos sujeitos, sob a chancela do Estado: haverá grupo econômico sempre que empresas celebrarem contrato social de mútua atuação.

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Veja-se que, nesta seara, importa à caracterização do grupo uma vontade manifestada, submetida a requisitos formais. É o que consta, por exemplo, da Resolução n. 2/12 do CADE, que define como grupo econômico a existência de empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo, em que quaisquer delas seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% do capital social ou votante (art. 4º, § 2º). Há também a possibilidade de formação de grupo econômico pela simples confusão patrimonial, independentemente de requisitos formais (art. 50 do CC).

Vale citar que o grupo econômico também é objeto do Direito Previdenciário (art. 30, IX, da Lei n. 8.212/90) e do Direito Tributário (art. 124, I, do CTN), nos quais há previsão expressa da existência de solidariedade entre os membros.

Com efeito, os conceitos externos ao Direito do Trabalho não são determinantes nas relações de trabalho. Eles, quando muito, apenas cumprem papel informativo ou complementar.

Com facilidade, dois argumentos apresentam-se, de logo e sem delongas, para sustentar essa conclusão. Primeiro, citem-se os arts. 10 e 448 da CLT, que desvinculam a figura do empregador daquela constante dos registros formais societários, considerando como tal o que realmente atue como tal (art. 2º da CLT); segundo, porque há o princípio da primazia da realidade, que prestigia a realidade dos fatos, contra a verdade dos escritos, o que acaba reforçando o primeiro argumento citado.

Por isso é que a construção de um conceito para grupo econômico, assim como todo o tratamento como instituto,4 deve vir antecedida da advertência de que a metodologia (argumentativa) é principalmente a do Direito do Trabalho. E isso acontece porque a finalidade do instituto do grupo econômico trabalhista é específica, qual seja, a de “ampliar as possibilidades de garantia do crédito trabalhista” (DELGADO, 2017, p. 467), o que decorre do princípio da proteção (art. 7º da CLT) e das garantias constitucionais da valorização social do trabalho e da função social das empresas (art. 170 da CF).

Para fins trabalhistas, portanto, grupo econômico é uma sociedade, de fato ou regularmente constituída, formada por empresas que explorem atividade econômica, que, conquanto guardem personalidade jurídica autônoma, atuem de forma subordinada ou coordenada, na persecução de objetivos comuns, coletivamente considerados, em que ao menos uma delas seja empregadora.

Partindo-se do final para o começo, salienta-se que, para fins trabalhistas, a existência do contrato de emprego é essencial, de maneira que não há falar em grupo econômico trabalhista entre empresas sem empregados.

Esse mesmo enfoque está presente na definição de Delgado (grifou-se):

O grupo econômico aventado pelo Direito do Trabalho define-se como a figura resultante da vinculação justrabalhista que se forma entre dois ou mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho, em decorrência de existir entre esses entes laços de direção ou coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais ou de qualquer outra natureza econômica. (2017, p. 466).

Os demais elementos desse conceito serão objeto de exame pormenorizado nos itens seguintes.

Por ora, ainda é preciso dizer que o regramento desse instituto está primordialmente feito na CLT (art. 2º) e na Lei n. 5.889/73 (art. 3º), o que revela a natureza jurídica do grupo de empregador. Ou seja, grupo econômico é empregador, para fins trabalhistas.

É bem verdade que a CLT não esgota o tema, como no caso das formas societárias que geram os grupos econômicos (transformação, incorporação, fusão e cisão), que estão reguladas pelo Direito Civil (art. 1.113 do Código Civil). O que ocorre é que esse regramento é de pouca relevância para fins trabalhistas, consoante o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT.

2.2. Classificação

O conceito proposto está imbricado com a classificação construída na doutrina e bastante aceita pela jurisprudência.

A primeira delas, em verdade, já foi bem explorada por ocasião da apresentação do conceito, pois é aquela que distingue o grupo econômico trabalhista dos demais afetos a outros ramos do direito, como o tributário, por exemplo.

Já imerso na seara trabalhista, o grupo econômico pode ser constituído por subordinação ou por coordenação. No primeiro caso, a relação entre as empresas componentes é marcada pelo protagonismo de uma ou umas, com a atuação coadjuvante das demais. Esse destaque pode consistir em direção, controle ou administração, sem prejuízo da autonomia da personalidade jurídica de cada qual, mormente para assuntos que não interessem ao grupo. De se destacar que uma filial ou agência, por exemplo, não tem autonomia na personalidade jurídica, pelo que é considerada apenas um dos estabelecimentos da empresa.

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Explica Alice Monteiro de Barros (2017, p. 257), que o controle consiste na influência dominante de uma empresa sobre outra, direção é a efetivação desse controle e administração, a submissão da empresa controlada pela controladora.

Na coordenação, a atuação, embora não seja necessariamente uniforme, não merece qualquer distinção, podendo cada empresa desenvolver o papel que lhe cabe, de forma específica e até singular, mas com necessária trama de laços, num comportamento que lembra o de uma peça em uma engrenagem.

Os grupos subordinados são também chamados de verticais, dada a existência de níveis na atuação de cada qual, estando as protagonistas acima das coadjuvantes.

Pelo mesmo critério, os grupos coordenados são considerados horizontais, dada a sua atuação em um mesmo plano, no que tange ao destaque.

Grupos existem em que o comportamento das empresas é dinâmico e, com ou sem regras predefinidas, acabam construindo uma rede volátil, de complexa identificação quanto ao destaque. Para casos assim, calha a denominação conglomerado, que acolhe bem as formas residuais de organização.

A doutrina tem admitido a caracterização de grupo econômico do qual participem sociedades sem fins lucrativos (v. g., pessoas físicas, massa falida, sociedades beneficentes), desde que ao menos um dos integrantes exerça atividade econômica empresarial. (DELGADO, 2017, p. 468).

Finalmente...

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