A prestação de serviços em regime de teletrabalho à luz da regulamentação instituída pela reforma trabalhista

AutorLucilde D´Ajuda Lyra de Almeida
Páginas137-145

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1. Introdução

A chamada reforma trabalhista, introduzida pela Lei
n. 13.467, de 13 de julho de 2017, para entrada em vigor a partir de novembro de 2017, traz expectativas de grande impacto nas relações de trabalho e significativas mudanças no campo processual e no que pertine ao poder judicante da Justiça do Trabalho.

Embora aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, ao longo dessas mais de sete décadas, a Consolidação das Leis do Trabalho já veio sofrendo muitas alterações, adequando-se às mais variadas formas de trabalho. Porém, a atual reforma, altera profundamente a CLT.

Nos idos de 1943, quando ainda era predominante no Brasil o trabalho rural, a CLT já dava predominância ao trabalho urbano, antevendo a industrialização do trabalho e a influência dos sindicatos nas novas relações de trabalho.

A dicotomia entre o capital e o trabalho, com base na exploração do trabalho humano, teve como parâmetro o trabalho subordinado, surgido com a primeira revolução industrial. O trabalho subordinado, entretanto, ao longo dos últimos dois séculos, passou por grandes transformações.

Ao longo do tempo, variadas modalidades contratuais vieram aproximando prestadores e tomadores de serviços, exigindo novos esforços de ampliação da atuação legislativa, relativa ao Direito do Trabalho e de ampliação da atividade sindical e da Justiça do Trabalho.

A função política da Justiça do Trabalho, na busca do justo equilíbrio entre os interesses em confronto do capital e do trabalho, ao longo das últimas décadas, demonstrou exuberante performance.

A Justiça do Trabalho, veio desempenhando importante papel, antecipando-se ao legislador, na ampliação de direitos trabalhistas, através da construção de jurisprudência sob múltiplos temas. A par de atuar também na prevenção de novos litígios, em postura pró-ativa, quando, por exemplo, lançou programa de prevenção de acidentes e assumiu significativa postura contra o trabalho escravo no Brasil.

O Direito do Trabalho, a partir das sucessivas modificações das relações de trabalho e da criação da Consolidação das Leis do Trabalho, portanto, veio se transformando no sentido da ampliação de direitos.

Neste aspecto, a reforma trazida pela Lei n. 13.467, de 2017, veio na contramão desse avanço, na medida em que traz profunda redução desses direitos e, ao contrário da postura política recente do legislador, visa reduzir a postura pró-ativa da Justiça do Trabalho, o que, sem dú-vida causará impacto no mundo do trabalho.

Entretanto, a indigitada reforma apresenta-se como forma de “Adequar a legislação às novas relações de trabalho”. É o mesmo que se pretendeu com as demais mudanças ocorridas ao longo de toda a existência da Consolidação das Leis do Trabalho:

O enfoque deste estudo é a questão da prestação de serviços em regime de teletrabalho à luz da regulamentação instituída pela Reforma Trabalhista.

2. As novas modalidades de trabalho

Desde o homem primitivo, o trabalho sempre esteve presente na vida humana, fazendo parte do seu cotidiano, razão mesma de sua subsistência. Aprimorando-se, desenvolvendo-se e evoluindo junto com ele.

Uma das formas mais antigas de prestação de serviço é o trabalho em domícilio, aquele realizado no âmbito domiciliar do trabalhador. No curso das grandes mudanças consequentes de sucessiva revolução industrial, com ênfase no avanço da tecnologia, aprimorou-se mudanças significativas nos paradigmas do trabalho.

No mundo contemporâneo, a partir da era moderna da industrialização, no auge da indústria automobilís-

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tica, que marcou a era taylorista, a era fordista e a era toyotista, o trabalho em domícilio sofreu um processo de encolhimento, tendo em vista que a exigência do sistema à época reclamava a presença do empregado no interior da empresa, onde o trabalho assumiu uma forma verticalizada, que influenciava toda a vida familiar e social das pessoas.

Na evolução natural do processo de produção, o capitalismo reinventa-se permanentemente e nesse novo modelo ditado pelas exigências do capitalismo, o trabalho em domícilio adquire feição nova, em torno do qual, no final do século XX, vislumbrou-se acentuado retorno a esta modalidade de prestação de serviço, provocando a preocupação com a regulamentação deste tipo de trabalho, com a edição de Convenção e Recomendação através da Organização Internacional do Trabalho.

O avanço tecnológico muito contribui para que o trabalho seja realizado fora do estabelecimento do empregador, em face das facilidades que os instrumentos de comunicação e os equipamentos modernos de trabalho proporcionam e pelo interesse na redução de custos, principalmente, para o tomador de serviços. Sob o enfoque do interesse do trabalhador, principalmente, daquele que presta serviço especializado ou que coloca à disposição do tomador de serviço o seu conhecimento intelectual, a nova feição que adquire o tempo e o espaço na vida do trabalhador, provoca a mistura entre o ócio, o lazer e o trabalho, o que, em princípio pode ser apontado como vantagem desta modalidade de trabalho.

No final da década de 1970 e ao longo de 1980, intensificou-se o fenômeno denominado terceira revolução industrial, quando a mão de obra humana passou a ser substituída pela máquina de forma ainda mais acentuada do que no início da revolução industrial, em face do progresso da tecnologia e da eletrônica, quando apenas um robô tomava o lugar de centenas de trabalhadores, fazendo surgir milhares de desempregados, o que redundou em redução do consumo, e, consequentemente, em retração da produção e ainda mais desemprego.

Simultaneamente, a nova postura do capital deu-se no sentido da fusão e da cisão de empresas. Abandonou-se assim, a forma verticalizada de estabelecer-se, abrindo-se espaço para empresas menores através dos processos de cisão e de fusão, o que contudo, não obstou a manutenção e até mesmo o crescimento dos grandes grupos econômicos, mediante a ampliação da concentração de riquezas. Destacando-se que a transferência da mão de obra para as novas e menores empresas deu ensejo a escalada, do fenômeno da terceirização de serviços.

Na década de 1990, ocorreu grande migração do trabalho para o setor de serviços, no qual grande parte da mão de obra passou a ser utilizada, com destaque nos setores de lazer e turismo.

A partir daí o trabalho já não era mais realizado, predominantemente no interior das fábricas e também de forma assalariada e fiscalizada, dentro do conceito clássico da prestação de serviço, mas, de várias outras modalidades, dentre elas o trabalho em domicílio, o trabalho à distância. Aprimoraram-se esses novos tipos de trabalho, que passaram a ser desenvolvidos de forma informatizada, adotando-se uma linha telefônica, um terminal de computador ou outro aparelho eletrônico.

Apresentaram-se mais frequentes os casos de trabalho desenvolvidos com a utilização da tecnologia eletrônica de transmissão à distância, situando-se aí o teletrabalho.

3. O teletrabalho

O teletrabalho está diretamente ligado ao avanço da tecnologia.

No entender de Toffier:

“[…] Para a maioria das pessoas, o termo tecnologia evoca imagens de siderúrgicas fumacentas ou de máquinas barulhentas. Talvez o símbolo clássico de tecnologia ainda seja a linha de montagem criada por Henry Ford meio século atrás e transformada em ícone social por Charles Chaplin em seu filme TEMPOS MODERNOS. Este símbolo, no entanto, sempre foi inadequado, na verdade enganador, pois a tecnologia sempre foi mais do que fábricas e máquinas. A invenção da cangalha para as bestas na Idade Média levou a mudanças importantes nos métodos agrícolas e foi um avanço tecnológico, tanto quanto o invento da fornalha Bessemer séculos mais tarde. Além disso, a tecnologia inclui técnicas, assim como as máquinas que podem ou não ser necessárias para aplicá- las. Ela inclui modos de fazer com que ocorram reações químicas, modos de alimentar peixes, de plantar florestas, de iluminar teatros, de contar votos ou de ensinar história. Os velhos símbolos da tecnologia são ainda mais enganadores nos dias de hoje, quando a maior parte dos processos tecnológicos avançados são levados a efeito longe das linhas de montagens ou das bocas das fornalhas. Na verdade, tanto na eletrônica quanto na tecnologia espacial, ou na maior parte das novas indústrias, um relativo silêncio e um meio ambiente limpo são uma característica — às vezes, até essencial. E a linha de montagem — a organização de exércitos de pessoas para levar a efeito simples funções repetitivas- é um anacronismo. Já é hora de mudarmos os nossos símbolos de tecnologia. De estarmos a altura das mudanças cada vez mais rápidas na própria tecnologia. […] A tecnologia se alimenta de si mesma. Tecnologia torna possível mais tecnologia, como podemos ver se observarmos por

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um momento o processo de inovação. A inovação tecnológica consiste de três estágios, ligados num ciclo de autorrevitalização. Primeiro existe a ideia criativa, factível. Segundo, sua aplicação prática. Terceiro, sua difusão através da sociedade”.1

Landes destaca a “roda d´água”, inventada para suprir a escassez de escravos para explicar o avanço da técnica de energia hidráulica; os “óculos”, que fizeram mais que duplicar o período de vida ativa de artesãos talentosos, especialmente os que executavam tarefas mais delicadas; o “relógio mecânico”, que sucedeu ao relógio de sol, fazendo surgir, nas cidades e vilas, novas rotinas de trabalho pela medida confiável do tempo; e, a “imprensa”, inventada na China, onde também foi inventado o papel, no século IX, que encontrou uso geral no século seguinte e ao longo dos séculos...

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