Representação dos empregados nas empresas à luz dos arts. 510-A a 510-E introduzidos na CLT pela Lei n. 13.467/2017 e pela MP n. 808/2017: uma leitura possível a partir das normas internacionais do trabalho

AutorTarcisio Corrêa de Brito
Páginas272-288

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Às vezes tenho a impressão de que o Brasil está em eterna reforma e talvez nunca conclua o edifício tão sonhado por nossos antepassados e por nossa geração. Reforma-se de tudo, a todo instante, numa ansiedade que chega a oprimir a respiração de quem observa. Reformamos o velho e o novo, o errado e o certo. Reformamos o telhado sem terminar o alicerce, a fachada sem ter concluído as paredes, as vidraças sem que ainda haja portas. Somos o país em que as benfeitorias voluptuários são compradas antes das úteis e necessárias. Também tenho tido pesadelos em que a gente passa a fazer a reforma só pela reforma, sem um projeto de longo prazo e sem a construção de um pensamento nacional capaz de nos unir e de alavancar a ética e o respeito mútuos, valores que atualmente parecem conversa de lunáticos.

(SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista, 2017)

Os temas da co-gestão1 e da representação dos trabalhadores2 na empresa já mereceram a análise penetrante da doutrina nacional, entre os anos de 1990 e 2012. No âmbito do TRT3, dois grandes doutrinadores3 do Direito do Trabalho já contribuíram igualmente para a discussão, trazendo esclarecimentos, inclusive, do direito comparado para percepção e para o enquadramento desses institutos. A Reforma trabalhista de 2017 e a Medida Provisória 808/2017, entretanto, trouxeram o tema à atualidade do debate nacional, diante da evidente tentativa de regulamentação do art. 11 da CF/88, procuran-do formalizar a participação efetiva dos trabalhadores na autocomposição dos conflitos trabalhistas e no processo democrático de gestão nas empresas.

Na visão de Sérgio Pinto Martins, o pluralismo acaba sendo o contrapeso ao poder incondicionado do Estado, uma espécie de descentralização do Direito, implicando a diversidade de sistemas jurídicos4, assumindo o modelo negociado, caráter democrático e pluralista, com elevado teor de eficácia social. No contexto da autonomia privada coletiva reconhece-se aos grupos, dentre os quais, os trabalhadores, o poder de manifestação de

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acordo com os próprios interesses, suportando, de per se, entretanto, as consequências de suas escolhas, na resposta à dicção do art. 444 da CLT5.

Sabe-se que o direito do trabalho pode ser considerado como um instrumento de equilíbrio das relações de trabalho a serviço de uma determinada política econô-mica e social6, objetivando conciliar esses imperativos, sem reconhecer, com isso, um certo caráter reducionista de sua importância. Dele dependem a edificação dos vínculos contratuais que unem a empresa aos trabalhadores e a organização do diálogo social para a preservação de um mínimo de harmonia, na empresa e em sua periferia, essencial para evitar tensões e conflitos sociais na seara da relação de trabalho.

Certo é que, na defesa da “autonomia coletiva” há uma “discursiva pretensão” no sentido de resguardar-se a harmonia, o equilíbrio democrático e a paz nas relações laborais, no estabelecimento de parcerias entre os sujeitos da relação de trabalho7, com base em uma potencial convergência de interesses, baseada na reciprocidade e na cooperação para o mútuo entendimento. Essa noção de participação do trabalhador na tessitura interna da empresa não pode, contudo, negligenciar, com a distensão relativa das estruturas de poder empresarial, a previsão no Parecer Consultivo 18/2003 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no sentido do reconhecimento da obrigação de respeito e de garantia dos direitos humanos (sociais) no âmbito da relação trabalhista privada, na tensão entre os direitos fundamentais específicos dos trabalhadores e os direitos fundamentais inespecíficos a eles reconhecidos que preservam a noção de cidadania na empresa.

Nesse contexto, o art. 170 da CF/88 (valorização do trabalho humano e ditames da justiça social), o art. 421 do CCB (função social do contrato), e, o art. 47 da Lei n. 11.101/05 (função social da empresa que contribui para a sua preservação) acabam por estabelecer e por tornar evidentes diretrizes altamente vinculantes para a concretização da ordem econômica nacional e para o exercício do poder empregatício, em todas as suas formas de manifestação (organização, controle, fiscalização e disciplina), com elevada responsabilidade social.

(...) o princípio da função social da empresa pressupõe igualmente uma carga de concretização, de efetividade frente a terceiros, em face do que também se contempla na disciplina do art. 170 da Constituição Federal, não se podendo presumir que a função social da empresa seria identificada somente com a indicada distribuição do lucro e a consequente riqueza distribuída aos que estão a ela diretamente vinculados, ou mesmo, com a simples prática de atos beneméritos ou ações humanitárias.8

Para Mascaro Nascimento, a participação do trabalhador na empresa é favorecida por uma plêiade de motivos, dentre os quais, de natureza ética (desenvolvimento da dignidade humana); político-social (demo-cratização da empresa e melhoria do relacionamento interpessoal); econômica (crescimento diante da diminuição da conflitividade); e, jurídica. Especifica, ainda, o mestre paulista que dita participação representa a presença do empregado na gestão econômica em sentido estrito, limitando-se a processos de decisão conjunta e paritária, ou de co-decisao9. Não é por menos que, na formulação téorica da nova empresarialidade, Fabio Konder Comparato refere-se em seus estudos à teoria social da empresa, ao seu reconhecimento como instituição eminentemente social e ética, na vertente da essência da teoria dos stakeholders de Edward Freeman10.

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Não é praticada em um só nível, mas em diversos, de acordo com o modelo adotado, desde a unidade básica do local de trabalho, discutindo-se sobre jornada, férias, execução das tarefas, turnos, segurança e higiene etc., até o nível do estabelecimento, no qual mais própria é a discussão sobre a aplicação de diretrizes de cima e autônomas, caso em que a estrutura adequada é a de Conselho de Estabelecimento, inclusive com atribuições de conciliação, como, ainda, o nível de empresa no qual se decidem questões de regulamento de pessoal, plano de cargos e salários e questões econômicas, como participação nos lucros, nível em que tanto pode haver um cômite ou conselho de empresa, como o preen-chimento de cargos reservados para trabalhadores na direção da empresa ou Conselho de Administração. Podem, ainda, em sentido amplo, enquadrar-se no conceito estruturas supra-empresariais, como os Conselhos Gestores de Fundos Sociais e Planos Econômicos11.

Por outro lado, a co-gestão, em sentido amplo, pretende significar a realização da ideia de “estruturação da unidade produtiva — a empresa — em moldes democráticos, em consonância e sob a égide da visão social desse organismo12, apreendendo-a em sua função de coordenação social,, ou da representatividade enquanto direito de solidariedade. Essa pretensão de remodelação da empresa já constava, inclusive, do art. 165, V da Constituição de 196713, quando assegurou aos trabalhadores a integração na vida e no desenvolvimento da empresa.

Considerando-se a busca de equilíbrio entre a representação de empregados e a representação sindical no âmbito das empresas, um aspecto sensível a ser considerado pelo intérprete da Reforma Trabalhista de 2017, na dicção do art. 510-E introduzido por intermédio da MP 808/17, Antônio Alvares já havia asseverado que:

As empresas com mais de duzentos empregados já praticam necessariamente a negociação coletiva de forma intensa com eles. Muitas já até criaram comitês ou comissões de fábrica através de convenção coletiva. Não precisarão mais de um representante para promover entendimento direto com o empregador, pois este canal já está criado. Ao contrário, a co-gestão é útil nas pequenas e médias empresas, em que a comunicação empregados/em-pregador é menor ou mesmo inexistente. Promovendo-lhes o entendimento através de um comitê ou conselho, a administração comum da micro, pequena e média empresas ficará muito mais fácil para ambos os lados, pois terão meios de se adiantarem ao legislador em decisões que lhes interessam diretamente. A tendência atual é que cada empresa negocie diretamente com seus empregados os tópicos da relação de emprego. O comitê será o agente dessa negociação e o meio mais eficiente de entendimento14.

O objetivo do presente estudo é apreender os limites da regulamentação proposta ao art. 11 da CF/88, por intermédio dos arts. 510-A a 510-E, introduzidos pela Reforma Trabalhista de 2017 e pela MP 808/17. Após traçar um esboço do instituto, inserido em contexto histórico determinado, procuraremos qualificá-lo à luz das normas internacionais do trabalho que disciplinaram o tema da representação dos empregados no âmbito do ordenamento jurídico internacional. Na última parte, objetivamos apresentar algumas considerações sobre cada um dos artigos inseridos no Título IV-A da CLT.

1. Dos contornos de uma ideia

Estevão Mallet e Marcos Fava ao comentarem o art. 11 da CF/88 esclarecem que ambas as representações (sindical e de pessoal da empresa) representam instrumentos de participação, de deliberação e de apresentação de demandas dos trabalhadores que coexistem e se complementam. Segundo especificam, referida norma objetiva promover o entendimento direto entre os empregados e os empregadores, permitindo estabelecer novos canais de diálogo em matérias sociais, com lastro na noção de responsabilidade social da empresa na tomada de decisões.

No direito brasileiro, a ideia de...

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