A situação do sócio retirante em face do art. 10-A da CLT e seu parágrafo único introduzidos pela reforma trabalhista

AutorEmília Facchini
Páginas95-104

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“O começo da sabedoria é encontrado na dúvida; duvidando começamos a questionar, e procurando podemos achar a verdade.”

(Pierre Abélard — Abelardo — Filósofo escolático, teólogo e professor — Reino da França, * 1.079 — +1.142).

1. Introdução

Diante dos enormes desafios econômicos da atualidade, a sociedade brasileira recebe a mais recente reforma trabalhista, consubstanciada pelas mudanças promovidas pela promulgação da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, que introduziu profundas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, gerando a discussão acerca do seu novel art. 10-A, caput e parágrafo único. Como sabido, tais dispositivos cuidam da responsabilidade do sócio retirante frente ao credor trabalhista.

Trata-se da primeira vez em que o legislador brasileiro determina regra específica para o direito do trabalho sobre o tema, envolvendo a pessoa do sócio, porquanto, a responsabilidade de que cuidava o art. 10 celetista voltava-se apenas à garantia de que a alteração na estrutura jurídica da empresa não poderia afetar os direitos adquiridos pelos trabalhadores; já o § 2º, art. 2º, da CLT, tratava da definição do grupo econômico e sua responsabilidade perante os créditos trabalhistas, sem que houvesse qualquer dispositivo acerca da responsabilização do sócio, o que impunha ao intérprete valer-se de regras do direito societário no bojo do Código Civil de 2002.

A fim de melhor esclarecer a matéria posta, faz-se necessário adentrar em alguns conceitos e institutos do direito empresarial, autônomo conquanto ciência jurídica, mas cujo contexto interpenetra com o direito do trabalho, de modo que sua compreensão se faz necessária para permitir a reflexão acerca da nova regra celetista. Todavia, não se pretende aprofundar na seara do direito empresarial, uma vez que este não constitui o desafio principal, mas auxiliar, repita-se, no debate jurídico sobre o sócio retirante e sua responsabilidade.

O propósito maior deste estudo é compreender a razão da introdução da novel regra no ordenamento celetista, apontar qual seria a interpretação mais razoável dos requisitos por ela trazidos e os efeitos da (in)observância deles, perpassando pela natureza da responsabilidade daí advinda do sócio que se retira da sociedade.

2. Breve histórico

O direito comercial, enquanto ramo do direito privado, disciplina as atividades econômicas, tendo origem na Idade Média, a partir do surgimento da burguesia feudal (habitantes dos burgos, aglomerados formados na periferia dos feudos). Criadas as corporações de ofício, cada uma delas regia-se por suas próprias normas comerciais, como regras consuetudinárias, materializadas em estatutos. Intensificando-se a atividade comer-cial e proliferando a movimentação mercantil, o direito comercial evoluiu, com a participação dos Estados Nacionais, no início da Idade Moderna.

Perdendo força as corporações de ofício, o direito comercial passa a ser regulado por códigos de leis, com a participação estatal, aplicáveis a todos os cidadãos, tais como o Código Comercial Francês em 1808, em se destacando o Código Civil Francês, promulgado em 1804, adotando aquele a teoria dos atos de comércio, que veio a influenciar o Código Comercial do Brasil, datado de 1850, e o Regulamento n. 737/1850, que definiu os atos de comércio no território nacional brasileiro.

Diante da deficiência da teoria dos atos de comércio (que regulava apenas a mercancia de bens e atos afins), acanhada para disciplinar as atividade econômicas cada vez mais complexas, e a crescente crítica da doutrina privatista à divisão do direito privado, o Código Civil Italiano inovou em 1942, trazendo em seu bojo as regras do direito comercial, que passa a ser denominado direito empresarial, pois focado no binômio “empresa/empresá-

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rio” e não mais no ato de “comércio/comerciante”, disciplinando “toda e qualquer atividade econômica, desde que organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços e exercida com profissionalismo.

A partir daí, seguindo a influência da teoria da empresa, da qual já se aproximava o direito brasileiro pela jurisprudência e pela edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990, que ampliou sobremaneira o conceito de fornecedor, envolvendo todo e qualquer exercente de atividade econômica, veio a lume a Lei n.
10.406/2002. Estava instituído um novo Código Civil, que adotou a teoria da empresa do Código Italiano de 1942, derrogando grande parte do vetusto Código Comercial Brasileiro, do qual resta apenas a parte relativa ao Comércio Marítimo, e inaugurando em seu Livro II da Parte Especial, o Direito de Empresa, composto pelos arts. 966 a 1.195.

Restaram, assim, assentadas as bases do Direito Empresarial brasileiro hodierno.

3. Tipos societários e responsabilidade dos sócios

As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, que decorrem da união de pessoas para fins de exploração de atividade econômica e repartição de lucros, sendo a pluralidade de sócios pressuposto ordinário de sua existência (art. 981 do Código Civil).

Dessa forma, no Brasil, o empreendedor pode exercer atividade empresarial individualmente, sujeitando seu patrimônio ao risco do negócio, pois “ainda que lhe seja atribuído um CNPJ próprio, distinto do seu CPF, não há distinção entre a pessoa física em si e o empresário individual” ou pode constituir sociedade, e, nesse caso, conforme a tipificação escolhida, separar seu patrimônio da pessoa jurídica constituída, ou limitar sua responsabilização. Essa última alternativa funciona como estímulo ao empreendedorismo, porquanto redutora do risco empresarial nas sociedades capitalistas, em que o empresário almeja o lucro.

Relevante que, nessa linha de incentivo à atividade econômica, foi criada a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) pela Lei n. 12.441/2011, que acresceu o art. 980-A ao Código Civil, pelo qual tal empresa assume determinados direitos e obrigações próprios, que não se confundem com os do seu titular e a ela se aplicam, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas (art. 980-A, § 4º, do CC).

Não obstante, não são as sociedades unipessoais que interessam para ao escopo do presente estudo, mas as plúrimas, cabendo-nos, perpassar pelos tipos societários pertinentes e respectivas responsabilidades dos sócios para seguimento do tema em discussão.

O Código Civil de 2002 divide as sociedades em dois grupos maiores, quais sejam, as não personificadas, que não possuem personalidade jurídica devidamente levada a registro dos atos constitutivos em órgão competente (sociedades em comum, nova denominação da socie-dade de fato, e sociedades em conta de participação), e as personificadas (sociedades simples, sociedades em nome coletivo, sociedades em comandita simples, sociedades em comandita por ações, sociedades limitadas, sociedades cooperativas e sociedades anônimas) .

Quanto à responsabilidade dos sócios que compõem as sociedades personificadas, ou seja, aquelas que mantém registros regulares e, por isso, interessam ao estudo presente, a situação do sócio que se retira dos dados cadastrais, deve ser analisada sob os ângulos que se propõe a seguir.

Esclareça-se que a sociedade simples pura — forma básica — tem por objeto o exercício de atividade econômica não empresarial (caso típico das sociedades uniprofissionais); a sociedade simples propriamente dita, constituída para exercício de atividade econômica de empresa, pode adotar as formas de sociedade limitada, em nome coletivo ou em comandita simples.

A responsabilidade dos sócios da sociedade simples pura, quanto às obrigações sociais, é ilimitada, ou seja, insuficientes os bens sociais para saldamento do passivo, os credores podem executar o patrimônio dos sócios, sendo cabível o benefício de ordem (arts. 1.023 e
1.024 do Código Civil).

Na sociedade em nome coletivo, mais antigo tipo societário, não se admite como sócio pessoa jurídica, sendo ilimitada perante terceiros a responsabilidade dos sócios que a compõem, só podendo ser administrada por algum deles. Qualquer previsão de limitação de responsabilidade só tem efeito sobre os mesmos e não sobre os créditos de terceiros (art. 1.039 do Código Civil).

No que diz respeito à sociedade em comandita simples, evolução da anterior, a mesma é composta por duas categorias de sócios: os comanditários (sócio capitalista que investe bens ou capital) e os comanditados (sócio, pessoa física, que administra a sociedade e negocia tais bens ou capital), sendo que tais classes devem constar expressamente do contrato social. O regime jurídico do comanditado é o mesmo do sócio da sociedade em nome coletivo e sua responsabilidade é ilimitada (art. 1.157 do Código Civil). Quanto ao comanditário, este é obrigado apenas pelo valor de sua cota (art. 1.045 do Código Civil).

Já as cooperativas são sociedades simples de pessoas que se reúnem para exercer certas atividades, tais como a de profissionais liberais. No que tange à responsabili-dade dos cooperados, há duas possibilidades que devem ser definidas no próprio estatuto (art. 1.095 do Código Civil):

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[...] um primeiro caminho é a limitação da responsabilidade, na qual o sócio responde por sua parte no capital social, bem como pelas perdas sociais na proporção de sua participação nas referidas operações. Outro caminho é a responsabilidade ilimitada, em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, independentemente...

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