Padrão de vestimenta no meio ambiente laboral e inserção de propagandas no uniforme: uso da imagem do trabalhador

AutorMaristela Íris da Silva Malheiros
Páginas205-212

Page 205

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo abordar normas introduzidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, atinentes ao padrão de vestimenta no ambiente laboral e inserção de logomarca do empregador e de empresas parceiras no uniforme do trabalhador e da limitação do regramento do dano extrapatrimonial.

Referida lei, também chamada de Lei da Reforma Trabalhista, inseriu na CLT vários dispositivos tratando do dano patrimonial e extrapatrimonial, dentre eles, o art. 223-A da CLT que busca restringir a aplicação supletiva da legislação comum ao direito do trabalho, ao dispor que aplicam-se “à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”. Ao impor tal restrição, o legislador não atentou para a regra contida no § 1º do art. 8º da CLT, o qual dispõe que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”, além de afrontar a própria Constituição da República, que consagra o princípio da dignidade da pessoa humna, bem como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

O art. 456-A da CLT assegurou ao empregador o direito de definir o padrão de vestimenta do empregado no ambiente laboral e autorizou a inserção de logomarca da empresa e de suas parceiras no uniforme do empregado bem como de outros itens de identificação relacionados à atividade.

Apesar de tal dispositivo autorizar o empregador definir o padrão de vestimenta no local de trabalho, tal direito há que ser exercido dentro dos limites da razoabilidade, sempre respeitando a dignidade do empregado e a inviolabilidade de sua intimidade, honra e imagem, assegurados Constituição da República (arts. 1º, inciso III e 5º, inciso X), na própria CLT (arts. 223-B e 223-C) e nas regras do direito comum. Deste modo, não pode o empregador exigir do empregado o uso de indumentária que contrarie os bons costumes ou que o exponha ao ridículo ou a constrangimentos, nem exigir o uso do uniforme com logotipo da empresa ou de suas parceiras fora do local do trabalho, sob pena de se configurar abuso do direito passível de reparação, como prevê o art. 187 do Código Civil.

2. Breves notas sobre a evolução da responsabilidade civil no Brasil

No direito pátrio, o instituto da responsabilidade civil assumiu especial importância com o advento da Constituição da República de 1988, que elegeu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), além de consagrar vários direitos fundamentais (art. 5º, X, XI e XII).

Posteriormente, em 1990, foi editada a Lei n. 8.078, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, com previsão da responsabilidade objetiva nas hipóteses de danos oriundos das relações de consumo. O Código Civil de 2002 manteve a responsabilidade subjetiva e ampliou o espectro da responsabilidade objetiva para aqueles casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para terceiro (art. 927, parágrafo único).

Relembra Anderson Schereiber que o sistema de responsabilidade civil ancorava-se em três pilares fundamentais, que são a culpa, o dano e o nexo causal entre ambos. Acrescenta que, na prática judicial, constituía ônus da vítima de um dano demonstrar o prejuízo, além da culpa do ofensor, e o nexo de causalidade entre a conduta culposa do ofensor e o dano , concluindo que:

Estas duas barreiras — prova da culpa e prova do nexo causal — chegaram a ser chamadas de ‘filtros da responsabilidade civil ou filtros da reparação’ que funcionavam como óbices capazes de promover a seleção das demandas de ressarcimento que deveriam merecer acolhida jurisdicional.1

Na mesma obra, o autor discorre sobre o “o caso da culpa” e da relativização do nexo causal, responsáveis

Page 206

pela erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil. Nesse sentido, afirma que:

A perda de força de contenção da culpa resulta no aumento do fluxo de ações de indenização a exigir provimento jurisdicional favorável. Corrói-se o primeiro dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, sendo natural que as atenções se volvem — como, efetivamente, têm se voltado — para o segundo obstáculo à reparação, qual seja, a demonstração do nexo de causalidade. Também aí, entretanto, verifica-se uma relativa perda do papel de filtragem do ressarcimento dos danos, por força de um fenômeno que pode ser genericamente designado por flexibilização do nexo causal.2

Atualmente, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, a sociedade vem assistindo a uma proliferação de demandas de ressarcimento, ocasionada principalmente pela perda de força da culpa, pela relativização do nexo causal e pelo surgimento dos chamados novos danos, cabendo ao Poder Judiciário o importante papel de identificar os danos passíveis de ressarcimento, o que ocorre quando do julgamento dos inúmeros casos concretos que lhe são submetidos à apreciação.

Esse fenômeno não foi diferente na Justiça do Trabalho, onde se registra um crescimento vertiginoso de ações reparatórias, nas quais se discutem dos mais sérios danos sofridos pelo trabalhador, como aqueles decorrentes de acidentes do trabalho, às pretensões fundadas nos mais banais acontecimentos do cotidiano da relação de trabalho, chamadas demandas frívolas. Por conta desse fenômeno e até mesmo de certo abuso no manejo do direito de ação, os juízes do trabalho, em todas as instâncias, vêm se mostrando mais rigorosos com a produção da prova nesse tipo de pretensão.

A Lei n. 13.467/2017 introduziu modificações na regência legal pertinente à configuração dos danos de ordem patrimonial e extrapatrimonial e respectiva quantificação, buscando restringir, nesse ponto, a aplicação supletiva dos dispositivos da legislação comum ao direito do trabalho, o que será objeto de análise a seguir.

3. O dano extrapatrimonial no direito do trabalho — normas reguladoras

Como se afirmou acima, uma das inovações insertas na CLT pela Lei n. 13.467/2017 diz respeito ao “Dano Extrapatrimonial”, tratado no Título II-A, da Seção XVI, do Capítulo IV, da CLT.

Antes de adentrar na questão atinente ao padrão de vestimenta no ambiente laboral e inserção de propagan-das no uniforme do empregado, oportuno analisar o art. 223-A da CLT, que dispõe sobre as normas reguladoras do dano extrapatrimonial no direito do trabalho, estabelecendo o seguinte:

Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste título.

O dispositivo legal acima transcrito, ao utilizar o advérbio “apenas”, deixou clara a intenção do legislador em restringir a regulação do dano extrapatrimonial, no âmbito do direito do trabalho, exclusivamente pelos dispositivos inseridos no Título II-A, da Seção XVI, do Capítulo IV, da CLT.

Ao impor tal restrição, o legislador não atentou para a regra contida no § 1º do art. 8º da CLT, com a nova redação atribuída pela Lei n. 13.467/2017, e que assim dispõe: “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”.

A aplicação supletiva das normas do direito comum ao direito do trabalho é historicamente consagrada na legislação, sendo respeitada pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive no que toca aos julgamentos das ações que versam sobre ressarcimento por dano patrimonial e extrapatrimonial.

Por outro lado, o art. 223-A, ao determinar que o dano extrapatrimonial submete-se apenas aos novos dispositivos da CLT, olvidou a aplicação da própria Constituição da República, à qual se submetem todas as leis infraconstitucionais.

Não se pode desvincular o dano extrapatrimonial das normas constitucionais, pois são nelas que o direito à indenização em prol do trabalhador encontra sua garantia maior.

Basta ver que a Constituição de 1988 inseriu o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, inciso III), resguardando-o também no inciso X do art. 5º, em que foi garantida a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O art. 7º da Constituição assegura aos trabalhadores urbanos e rurais a proibição do retrocesso social (caput), a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde e segurança (inciso XXII), a não discriminação (incisos XXX, XXXI e XXXII), dentre outros, com referência expressa à indenização, nas hipóteses de violação dessas garantias.

Da mesma forma, o art. 170 da Carta Constitucional, ao tratar da ordem econômica, elege a valorização

Page 207

do trabalho humano e a existência digna, conforme os ditames da justiça social, como seus fundamentos. Referidos direitos fundamentais são apenas exemplificativos, a teor do que dispõe o art. 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Nesse sentido, o texto do art. 223-A, que pretendeu traçar regras rígidas e restritivas de regência dos danos extrapatrimoniais no âmbito do direito do trabalho, encontra óbice no conjunto da legislação pátria, como aqui demonstrado, pois não pode afastar a aplicação da Constituição da República aos conflitos trabalhistas, olvidando-se da constitucionalização do direito do trabalho.

Ainda que assim não fosse, a prática tem mostrado um sem número de variáveis que envolvem as lides trabalhistas nas quais se discute indenização por dano extrapatrimonial, sendo quase inviável solucioná-las apenas com base nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT