A livre convicção em tempos de intensificação dos fatos e do direito: uma abordagem contextual dos artigos 50 e 51 do pl n. 2.483/2022

AutorGilson Wessler Michels
Páginas175-198
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4 Processo administrativo
tributário
A LIVRE CONVICÇÃO EM TEMPOS
DE INTENSIFICAÇÃO DOS FATOS
E DO DIREITO: UMA ABORDAGEM
CONTEXTUAL DOS ARTIGOS 50 E
51 DO PL N. 2.483/2022
Gilson Wessler Michels267
sumário:
Introdução; 1. Livre convicção e a busca pelos fatos (ou pelas
versões acerca dos fatos); 2. A livre convicção à luz dos poderes do
julgador; 3. A livre convicção temperada pelo contraditório substancial
como meio de legitimação da atuação judicante administrativa;
4. A livre convicção entre o contraditório, a verdade material e a
imparcialidade do julgador administrativo; 5. A título de conclusão:
por uma livre convicção que tenha uma alma processual; Referências
bibliográf‌icas
INTRODUÇÃO
Este artigo se destina à análise dos artigos 50 e 51 do Projeto de Lei
n. 2.483/2022, atualmente em tramitação no Congresso Nacional e
confeccionado a partir da proposição incluída no “Relatório Final da
Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos de
proposições legislativas que dinamizem, unif‌iquem e modernizem o
processo administrativo e tributário nacional, instituída pelo Ato Con-
junto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Fede-
ral n.º 1/2022” (ementa do PL).
Os dois artigos estão incluídos no Capítulo IV do PL, que trata da
prova, mais especif‌icamente na Seção II, intitulada “Da Livre Convic-
267 Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Mestre
Internacional em Administração Tributária e Fazenda Pública pela UNED/IEF (Es-
panha). Professor de Direito Tributário e de Direito Administrativo na Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC. Advogado tributarista.
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tributário
ção”. E como o próprio título da Seção indica, os dois artigos se refe-
rem a um grande protagonista: a livre convicção do julgador. Tema tido
como estritamente vinculado ao direito probatório, verdade é que o
livre convencimento da autoridade julgadora” está associado a vários
outros aspectos que, do ponto de vista da literalidade do texto do PL,
são externos ao direito probatório, o que faz com que não seja possível
abordá-lo modo producente, se o isolarmos de outros institutos e me-
canismos processuais que, em conjunto, lhe dão muito mais sentido e
correta signif‌icação.
A necessidade de um esforço interpretativo complementar seria dis-
pensável, se o PL não tivesse mantido a excessiva e reiterada parcimô-
nia da legislação processual administrativa no que se refere à disciplina
da prova. E é surpreendente que esta tendência, historicamente f‌irma-
da e mantida nas poucas disposições do PL agora dedicadas ao assunto,
se mantenha incólume mesmo diante da realidade de que o processo
é especialmente dedicado à elucidação de questões de fato. Mas esta
é uma discussão que não cabe integralmente aqui, apesar de a ela se
ter de voltar episodicamente, em momentos posteriores destes breves
comentários.
A evidenciação do caráter multifacetado da livre convicção, f‌ica bem
ilustrada pelo cenário que hoje se tem, no qual às dubiedades acerca
dos fatos (intensif‌icadas com a constante diversif‌icação dos meios de
produção de atos negociais e das formas de organização das atividades
dos agentes econômicos, por exemplo) se associam às dissensões acer-
ca do direito posto (resultantes da vagueza das normas e da profusão
de fontes irradiadoras de entendimentos nem sempre congruentes).
Por conta disto, a livre convicção acaba estendendo seus efeitos por
sobre questões não apenas de fato, mas também de direito; de tão com-
plexo e mutante, o direito expresso nos textos legais torna-se igual-
mente impreciso, também suscetível aos inf‌luxos do sensível.
Na conf‌luência da livre convicção com o princípio do contraditório
(a que muitas vezes se fará referência neste texto), se estabelece uma
interação na qual a cognição do julgador tem inequívoca relação com
o contraditório como meio de efetivação do direito da parte de inf‌luir
na tomada de decisões (artigos 7., 9. e 10 do CPC). Assim, conside-
rando-se que a interpretação jurídica é atividade envolvida pela to-
mada de decisões relativamente às escolhas interpretativas, mostra-se
desarrazoada a restrição do debate a questões meramente de fato. É
que num contexto em que a lei, de início já vertida em linguagem de

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