Relação entre Medicina e Direito Trabalhista Desvendando a causa e concausalidade - enfoque trabalhista

AutorRubens Cenci Motta
Páginas113-131
MANUAL DE INICIAÇÃO & CONCEITOS EM PERÍCIAS MÉDICAS 113
Capítulo 9
Capítulo 9
RELAÇÃO ENTRE MEDICINA E DIREITO TRABALHISTA
RELAÇÃO ENTRE MEDICINA E DIREITO TRABALHISTA
DESVENDANDO A CAUSA E CONCAUSALIDADEENFOQUE TRABALHISTA
DESVENDANDO A CAUSA E CONCAUSALIDADEENFOQUE TRABALHISTA
Inicialmente convém esclarecer para os Operadores do Direito que atuam na Justiça Especializada — Tra-
balhista, objetivamente, que a existência de risco no trabalho, mesmo se classificado como “alto risco”, do
ponto de vista científico não autoriza indicar que este foi fator de causa ou concausa.
Não há trabalho 100% seguro!
Não há como disponibilizar trabalho sem risco!
Nem tudo pode ser previsto e evitado!
Da mesma sorte, se não há trabalho sem risco, mesmo que se admita que em algumas atividades não
exista um risco específico, sempre haverá alguma condição, genérica, associando algum grau de risco sem
culpa (negligência, imperícia ou imprudência).
Portanto, não importa o risco ou o grau de risco, mesmo nas atividades classificadas como de baixo ris-
co, mas o que importa é verificar se haviam medidas de controle disponibilizadas e se estas eram suficientes,
considerando inclusive que, a simples omissão ou inépcia em disponibilizá-las por si só, também, não autoriza
dizer que foi causa ou concausa. Para o Perito Médico, omissão e inépcia são fatores contributivos que deve-
rão se associar a outros, por exemplo, recorrência de exposição e efeito, para que se possa caracterizar o nexo.
E aqui cabe considerar que, nexo, não subentende culpa. Convém lembrar que, para o perito médico, o nexo
(elemento de ligação) é técnico, já a culpa advém do nexo jurídico, que é do direito.
• RISCO SEM EFEITO NÃO PODE CARACTERIZAR QUALQUER RESPONSABILIDADE!
• O EFEITO É QUE SERÁ O ELEMENTO INDENIZÁVEL E NÃO O RISCO!
• RISCO, POR SI SÓ, É CONCEITO ABSTRATO!
• RISCO, POR SI SÓ, NEM SEQUER INDICA CONDIÇÃO PERIGOSA!
Diante da análise de risco, de grande importância é termos também bem entendida a conceituação de
Acidente, e, classicamente, se entende que o ACIDENTE é algo que altera a ordem regular das coisas; é acon-
tecimento EVENTUAL, SÚBITO E IMPREVISÍVEL, cuja ação INVOLUNTÁRIA resultou danos para as pessoas
ou as coisas. Então, se for evento previsível e/ou se a ação foi voluntária, não estamos diante de acidente.
Em todos os casos em que se faz Perícia Médica, há que se demonstrar os eventos que realmente ligam
a ocorrência ao fato, sejam em menor ou maior influência, contudo sem empirismos. Então, interessante
exemplificarmos considerando eventos trabalhistas onde a ciência chamada de Ergonomia, muitas vezes, é
dita como elemento de causa ou concausa, e mais, apenas observando uma delas — Ergonomia Física, sem
nada se considerar sobre as suas outras duas variáveis — Ergonomia Cognitiva e Ergonomia Organizacional, o
que é um grave erro. Não considerar que riscos constatados numa destas, sem considerar que em determina-
dos indivíduos teremos que as outras podem compensá-las e eliminá-las, tornam as alegações dos ditos “erros
ergonômicos” como causa ou concausa simples empirismos. Ainda considerando esse exemplo trabalhista,
se for levada em consideração a questão da ergonomia, o conceito deve ser observado dentro do equilíbrio
da tríade — Física, Cognitiva e Organizacional, como condição ergonômica suficiente ou insuficiente, fatores
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que obrigatoriamente associado a outros, poderão ou não contribuir ou agravar problemas de saúde física
ou mental deste indivíduo, ou seja, há muito mais para se ponderar que o risco, e isso vale para as inúmeras
outras condições análogas ou similares.
Com base nos conceitos já apresentados noutros capítulos, sobre causa e concausa, e se juntarmos os
aspectos da doutrina médica ao da legislação brasileira, podemos ponderar que o conceito de CONCAUSA
também se aplica quando se constata o fator contributivo, e não só quando ocorrem agravos, porém, não na
forma presumida, mas na direta e demonstrável.
Por serem clássicos, mais representativos do entendimento do ponto de vista de Saúde Ocupacional, e
também abrangerem os conceitos jurídicos brasileiros, na prática os conceitos de Schilling(45) se renovam e
assim devem ser aplicados:
• Doença Relacionada ao Trabalho Típica — Causa necessária — Doença de Schilling tipo I;
• Doença Relacionada ao Trabalho por Causa contributiva ocupacional majoritária — Doença que além
da causa ocupacional, também tem outras causas — Doença de Schilling tipo II;
• Doença Relacionada ao Trabalho por Agravo em doença preexistente ou latente que foi manifestada
e/ou necessariamente agravada por ação da condição em que se exerceu um Trabalho decorrente de
omissão ou inépcia diante da possibilidade de controle da exposição — CONCAUSA — Doença de Schilling
tipo III.
No Brasil, reforçado na forma da lei, e não só da técnica médica propriamente dita, vale ressaltar que as
lesões degenerativas podem ser afetadas por concausa profissional (tipo de trabalho específico) ou do traba-
lho (condição genérica), sempre que, direta ou indiretamente, se possa demonstrar e que, necessariamente,
resultarem em novas lesões ou agravos.
Decreto n. 2.172/97, Art. 132
Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do: art. 131 — as seguintes entidades mórbidas:
I — doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada ativi-
dade e constante da relação de que trata o Anexo II;
II — doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é
realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que trata o Anexo II.
§ 1º Não serão consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não
produz incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região em que ela se desenvolva,
salvo comprovação de que resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação constante do Anexo II resultou de condições
especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a previdência social deve equipará-la a acidente
do trabalho.
Art. 133. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeito deste Capítulo; I — o acidente ligado ao trabalho que,
embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a perda ou redução da sua
capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.
Entretanto, o perito médico, nos seus esclarecimentos técnicos que convém incluir no corpo do laudo,
não pode perder de mente quanto a necessária e obrigatória presença do efeito, detalhando-o assim como o
suposto agente ou condição desencadeadora, nunca meramente presumido, sempre demonstrando-o, pois, o
que é relevante em achados médico legais é o “ser reprodutível e demonstrável”!
9.1. EVENTOS ATÍPICOS — CONCAUSA
Os eventos que podem afetar a saúde, chamados de “não típicos” e de “doença relacionada ao traba-
lho”, não têm causa ocupacional direta, mas podem, sim, ser condição decorrente de ação concorrente ou
indireta, especialmente e devido à inépcia dos serviços de saúde e segurança — medicina e engenharia ocupa-
(45) Diretor do Departamento de Saúde Ocupacional da London School of Hygiene and Tropical Medicine — London University.

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