Responsabilidade civil e bens digitais

AutorBruno Zampier
Páginas239-254
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RESPONSABILIDADE CIVIL E BENS DIGITAIS
Conforme analisado nos capítulos introdutórios deste trabalho,
a partir do reconhecimento da existência de uma nova categoria de
bens jurídicos, os bens digitais, será possível navegar por todo vasto
campo do Direito Civil, tais como o Direito das Obrigações, o Direito
Contratual, o Direito das Coisas, o Direito de Família e, como visto
tantas vezes, o Direito das Sucessões. Assim também o será com a mais
atual e pujante parte da civilística: a responsabilidade civil.
O velho modelo de responsabilização civil, calcado unicamente
na ideia de ato ilícito, culpa e danos eminentemente patrimoniais, vem
merecendo profunda reformulação, com o abandono de tradicionais
estruturas como fundamento único da produção de deveres de repa-
ração a uma vítima. Também pudera, numa sociedade tecnológica,
impessoal, urbana, plural e democrática como a atual, o Direito deve
amoldar-se aos novos desaf‌ios trazidos por este tempo, sob uma pers-
pectiva que atenda às complexas exigências, sejam estas de ordem
econômica, social ou cultural.
Como sabido, a pessoa humana foi inserida como centro do
ordenamento jurídico, fenômeno chamado por muito como perso-
nif‌icação ou despatrimonalização do Direito. Este antropocentrismo
constitucional, elevou a dignidade humana como sendo o vetor a ser
perseguido, não sendo assim mero valor, mas verdadeiro sobreprin-
cípio, que deverá inspirar a elaboração e interpretação de normas em
nosso ordenamento jurídico. Dessa maneira, o sistema de respon-
sabilização civil irá inexoravelmente passar por esse f‌iltro protetivo
traçado pela Carta Magna, que ainda estabeleceu, recorde-se, como
princípio fundamental, a busca de uma sociedade verdadeiramente
solidária, no inciso I de seu art. 3º (CRFB/1988).
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Em que pese nossa Constituição da República em vigor não tra-
zer maiores detalhamentos sobre desaf‌ios impostos pela tecnologia,
mesmo porque grande parte desses imbróglios hoje existentes não são
contemporâneos da última Assembleia Constituinte, será possível e
necessário sempre se socorrer de princípios e regras ali inseridos, a
f‌im de se solucionar os novos conf‌litos, fruto de violações a direitos
sedentos por proteção.
De igual modo, o Direito Civil, assim como os demais ramos da
ciência jurídica, devem ter em mira a necessidade de se atualizar e
buscar responder, o quanto antes, aos problemas gerados pela amplia-
ção das ferramentas digitais, notadamente com o avanço do uso da
internet desde a segunda metade da década de 90 do século passado.
A dogmática jurídica vem desconhecendo quase que por completo
esse novo momento de nossa sociedade, insistindo no mais das vezes
em trabalhar hipóteses que fazem referência a uma sociedade calcada
apenas na realidade e não na virtualidade. Esse excesso de cautela,
para não dizer omissão do Direito no que diz respeito às inf‌luências
tecnológicas, favorece a criação de um espaço hermenêutico para um
pensamento crítico de nossa ciência, quer sob o viés da formulação
de novas normas mais adequadas, quer seja pela aplicação judicial do
normativo ora existente.
Imersos no paradigma digital, os interesses buscados por cada
indivíduo mudam de forma muito mais célere que outrora. E a tecno-
logia mostra-se como sendo o principal fator a incentivar as constantes
alterações de comportamentos. Se o presente artigo estivesse sendo
escrito há dez anos, quem da área jurídica poderia imaginar a criação de
criptomoedas, o desenvolvimento e usabilidade intensas de aplicativos
de mobilidade urbana, os potenciais riscos à privacidade gerados pelas
ferramentas geridas por inteligência artif‌icial, as responsabilidades dos
denominados “digital inf‌luencers” ou mesmo aquela oriunda da utili-
zação de drones autônomos? Logo, a tarefa do jurista do século XXI é
trazer o Direito, como ciência social e, em especial a responsabilidade
civil, ao cenário sempre mutante da revolução digital. Se surgem novos
direitos, surgirão também novas lesões. Estamos, inexoravelmente,
diante de inéditas fronteiras da responsabilidade civil.
Tradicionalmente, conduta, culpa, nexo de causalidade e dano
(ou prejuízo) são tradicionalmente apontados como os elementos ou
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