Trabalho escravo na contemporaneidade, uma análise de caso a partir da decisão da corte interamericana de direitos humanos

AutorBenizete Ramos de Medeiros e Fernanda Villela
Páginas167-199
167
TRABALHO ESCRAVO NA CONTEMPORANEIDADE, UMA
ANÁLISE DE CASO A PARTIR DA DECISÃO DA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Benizete Ramos de Medeiros1
Fernanda Villela2
Resumo: O presente texto baseia-se na sentença proferida em 20 de
outubro de 2016, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH) relacionada ao Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil
Verde vs. Brasil, que foi condenado pela ausência de empenho no
combate à essa prática escravocrata sob outra feição. Busca-se com-
preender os elementos definidores do Trabalho análogo à escravo,
sob a perspectiva da legislação interna, assim como conceitos ele-
mentares da Necropolítica e do Necropoder, sob a ótica do autor
Achille Mbembe, articulada na idéia do racismo estrutural traba-
lhado pelo autor Silvio Almeida e sobre a sua estreita relação com
o tema, tendo, portanto o núcleo central o esforço em demonstrar
como o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos,
seja o sistema universal, seja o sistema regional interamericano, tem
1 Benizete Ramos de Medeiros. Pesquisadora do mu ndo do Trabalho; doutora em
Direito e Sociologia (UFF); mestre em Direito (FDC); professora de graduação e
pós graduação str icto sensu (PPGD/UVA); professora convidada da Universid
Ibero Americana da Ciudad del México: UNINI; Advogada Trabalhista ;diretora
da Escola Superior da Advocacia Trabalhista Nacional da ABRAT; diretora de
Educação e presidente da comissão de Educação do IAB; membro da Comissão
de Direito do Trabalho do IAB; diretor a (atual) e ex-presidente da Associação
Luso-brasileira de Juristas do Trabalho: JUTRA .
2 Assessora Jurídica e Supervisora da Coordenadoria d e Direitos Humanos e de
Minorias do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Di-
reito Tributário com ênfase em Direitos Humanos. Mestranda em Direito pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida.
168
um olhar atento às novas formas de trabalho escravo que estão asso-
lando as sociedades modernas.
Palavras-chave: Caso Trabalhadores Fazenda Brasil Verde; necro-
política; necropoder; trabalho escravo; Corte Interamericana de Di-
reitos Humanos.
Abstract: The present text is based on the sentence handed down on
October 20, 2016, by the Inter-American Court of Human Rights
(IDH Court) related to the case of Trabalhadores da Fazenda Brasil
Verde v. Brazil, which was condemned for its lack of effort to com-
bat this practice of slavery under another guise. The aim is to unders-
tand the defining elements of Labor analogous to slavery, from the
perspective of internal legislation, as well as elementary concepts of
Necropolitics and Necropower, from the perspective of the author
Achille Mbembe, articulated in the idea of structural racism worked
by the author Silvio Almeida e about its close relationship with the
subject, having, therefore, the central core the effort to demonstrate
how the International System of Human Rights Protection, either the
universal system or the inter-American regional system, has a
watchful eye to the new forms of slave labor that are plaguing mo-
dern societies
Keywords: Brasil Verde Farm Workers Case; necropolitics;
necropower; slavery; Inter-American Court of Human Rights.
1. INTRODUÇÃO
A história da colonização no Brasil é marcada por volta da
década de 1530, quando os portugueses implementaram as primeiras
medidas efetivas de colonização pela escravidão de nossos nativos,
sendo eles substituídos de maneira progressiva, a partir da primeira
169
metade do século XVI, pelos africanos trazidos através do tráfico
negreiro.
Quando chegaram os primeiros escravos africa-
nos ao Brasil? Ninguém sabe ao certo. Os docu-
mentos são imprecisos, mas, também nesse caso,
há indicações de que teria sido ainda na primeira
metade do século XVI, ou seja, logo após a che-
gada de Cabral a Porto Seguro. Uma caravela en-
contrada por Martim Afonso de Sousa na Bahia,
em1531, estaria empregada no tráfico negreiro.
O historiador Afonsod’Escragnolle Taunay
afirma que o primeiro desembarque teria ocor-
rido em 1538, em um navio de propriedade de
Jorge Lopes Bixorda, o mesmo que já tinha en-
viado escravos indígenas ao rei dom Manuel I
em 1514. Alguns anos mais tarde, em 27 de abril
de 1542,Duarte Coelho, o capitão donatário de
Pernambuco e fundador da cidade de Olinda, pe-
dia autorização a Lisboa para importar alguns
negros da Guiné. Em 1545, outro donatário de
terras, Pedro de Góis, escrevia de Paraíba do Sul
ao seu sócio em Lisboa, Martim Ferreira, solici-
tando a remessa urgente de “ao menos sessenta
negros da Guiné”, com cuja mão de obra preten-
dia despachar para Portugal, no prazo de um ano
e meio, 2 mil arrobas de açúcar (cerca de trinta
toneladas)3.
A Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888, denominada Lei Áurea
ao abolir a escravidão legal, carrega assim como várias legislações
brasileiras a falsa ilusão de que essa interdição normativa bastaria
para encerrar um fenômeno enraizado em seu próprio surgimento.
O Brasil foi o maior território escravista do he-
misfério ocidental por quase três séculos e meio.
Recebeu, sozinho, quase 5 milhões de africanos
3 GOMES, Laurentino. Escra vidão Volume 1: Do primeiro leilão de cativos em
Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Ed. Globo Livros. 2019. p.276 .

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT