A aplicação da cláusula penal compensatória nos contratos de promessa de compra e venda imobiliária

AutorGustavo Tepedino e Deborah Pereira Pinto Santos
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ/Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas513-544
A aplicação da cláusula penal compensatória nos
contratos de promessa de compra e venda imobiliária1
Gustavo Tepedino2
Deborah Pereira Pinto dos Santos3
Sumário: Introdução: a cláusula penal como instrumento de
gestão positiva de riscos contratuais; – 1. Fundamento, função
e efeitos da cláusula penal compensatória. Regime da cláusula
penal e das arras confirmatórias; – 2. A cláusula penal como
alternativa a benefício do credor e o inadimplemento
intencional pelo devedor; – 3. A redução judicial da multa
contratual no caso de inadimplemento absoluto: cumprimento
parcial e valor excessivo em relação à natureza e à finalidade do
negócio; – 4. A cláusula de decaimento: entre os efeitos
indenizatório e restitutório na resolução do contrato por
inadimplemento do promitente-comprador; – 5. Conclusão.
Introdução: a cláusula penal como instrumento de gestão positiva
dos riscos contratuais
A noção de contrato remete à ideia de operação econômica.4 O
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1 Os autores agradecem à Dra. Danielle Tavares Peçanha, Mestranda em
Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), pela pesquisa jurisprudencial e revisão do texto original.
2 Professor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
3 Mestre e Doutoranda em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), Master of Law pela Universidade de Harvard (LLM 18’ Harvard
Law School), Procuradora do Município do Rio de Janeiro (PGM-RJ) e advogada.
4 ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e Januário C. Go-
mes. Coimbra: Almedina, 1988, p. 7.
contrato funciona como instrumento oferecido à autonomia priva-
da para a gestão de riscos, de forma a promover atividades econô-
micas que sejam merecedoras de tutela conforme a legalidade
constitucional. Ao contratar, realiza-se distribuição de riquezas
econômicas para primariamente atender aos interesses privados
dos agentes contratantes, e também – sob outra ótica – tutelar in-
teresses de toda a sociedade.
Há duas formas de gestão de riscos no contrato: a gestão positi-
va e a gestão negativa. Pela gestão negativa, os contratantes deixam,
deliberadamente, de repartir alguns elementos da relação contra-
tual, no que se vem denominando de contrato incompleto. Tais
elementos serão definidos no futuro, ao longo da execução do con-
trato, consoante haja a concretização de determinados fatores ex-
ternos à relação obrigacional.5 Por sua vez, pela gestão positiva, as
partes alocam os riscos por meio de cláusulas contratuais, a exem-
plo da cláusula resolutiva expressa, da cláusula limitativa ou exone-
rativa de responsabilidade e da cláusula penal.6
A cláusula penal funciona como instrumento à disposição das
partes para a gestão positiva de riscos, configurando, assim, "meca-
nismo estabelecido pelo direito para proteger o contratante contra
os riscos do inadimplemento".7 Como remédio predefinido no pro-
grama contratual para a hipótese de incumprimento pelo devedor,
a cláusula penal visa a garantir maior segurança ao credor em rela-
ção à execução da prestação.8 Em suma, pode-se dizer que a cláu-
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5 BANDEIRA, Paula Greco. Contratos Incompletos. São Paulo: Atlas, 2015,
passim.
6 TERRA, Aline de Miranda Valverde; BANDEIRA, Paula Greco. A cláusula
resolutiva expressa e o contrato incompleto como instrumentos de gestão de
riscos nos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Bro-
chado; ALMEIDA, Vitor. O Direito Civil entre o sujeito e a pessoa: estudos em
homenagem ao professor Stéfano Rodotà. Belo Horizonte: Fórum, 2016, pp.
386-387.
7 TEPEDINO, Gustavo. Efeitos da crise econômica na execução dos contra-
tos: elementos para a configuração de um direito da crise econômica. In: Temas
de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, t. 1, p. 105.
8 FLORENCE, Tatiana Magalhães. Aspectos pontuais da cláusula penal. In:
TEPEDINO, Gustavo (coord.). Obrigações: estudo na perspectiva civil-consti-
tucional. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 515.
sula penal funciona como "meio alternativo de solução de conflitos
privados".9
Estipula-se a cláusula penal, comumente, no momento em que
as partes celebram o contrato, traduzindo a regra negocial pela qual
"qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipada-
mente, perante a outra, a efetuar certa prestação, normalmente em
dinheiro, em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento
perfeito (máxime, em tempo), de uma obrigação".10 Como se sabe,
há duas espécies de cláusula penal, quais sejam: a moratória e a
compensatória. A primeira espécie possui a função de punir a mora
do devedor no cumprimento da prestação, sendo exigível cumula-
tivamente com a prestação principal. Já a segunda espécie – foco
do presente trabalho –, possui a função de pré-liquidação da inde-
nização devida em caso de incumprimento definitivo do contrato.11
Dessa feita, a cláusula penal compensatória, como instrumento
para alocação do risco de inadimplemento absoluto, constitui a
soma a pagar na hipótese de incumprimento definitivo e imputável
ao devedor (ou, excepcionalmente, inimputável, quando há ex-
pressa assunção de tal risco), apresentando a função precípua de
liquidação preventiva de perdas e danos. Assegura-se maior dina-
mismo e segurança às partes na hipótese de extinção da relação
obrigacional por inadimplemento absoluto, antecipando suas con-
sequências.12
Por sua vez, o contrato de promessa de compra e venda imobi-
liária é o negócio jurídico por meio do qual os contratantes se com-
prometem a celebrar, num momento futuro, o contrato de compra
e venda de bem imóvel, configurando tal ajuste modalidade espe-
cífica de contrato preliminar.13 Com efeito, a função prático-social
do contrato preliminar consiste em obrigar os próprios contratan-
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9 STJ, 4ª T., REsp 1.346.171/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg.
11/10/2016, publ. DJe 7.11.2016.
10 MONTEIRO, António Pinto. Cláusula penal e indenização. Coimbra: Al-
medina, 1990, p. 44.
11 TEPEDINO, Gustavo. Efeitos da crise econômica na execução dos contratos,
cit., p. 105.
12 ABÍLIO, Vivianne da Silveira. Cláusulas penais moratória e compensatória:
critérios de distinção. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 109.
13 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Ce-
lina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República,
v. III. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 859.

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