Ensaio sobre o descumprimento de cláusulas de declarações e garantias em alienações de participações societárias com fechamento diferido

AutorFernanda Mynarski Martins-Costa
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2015). Advogada
Páginas741-762
Ensaio sobre o descumprimento de cláusulas
de declarações e garantias em alienações
de participações societárias com
fechamento diferido
Fernanda Mynarski Martins-Costa1
Sumário: Introdução; – 1. Cláusula de declarações e garantias;
– 1.1. Funções; – 1.2. Regime jurídico do incumprimento; – 2.
Alienação de participação societária com fechamento diferido;
– 3. Descumprimento da cláusula de declarações em alienações
com fechamento diferido. – 4; Conclusões.
Introdução
As operações de Merger & Acquisitions (M&A) costumam de-
senvolver-se em ambientes marcados por negociações intensas e
dificultosas. Sua complexidade decorre, por um lado, das peculia-
ridades inerentes ao seu objeto2 (i.e. as sociedades desenvolvem
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1 Doutoranda em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Mestre
em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2015).
Advogada.
2 Ronald Gilson que, ao analisar o valor do advogado em operações de M&A,
demonstra que não é incomum o desalinhamento de expectativas entre vende-
dor e comprador quanto ao futuro do objeto da operação. Por exemplo, é comum
que o valor de faturamento da sociedade projetado pelo vendedor seja superior
àquele previsto pelo comprador, razão pela qual mecanismos contratuais elabo-
rados pelos advogados criam valor à operação justamente para solucionar tais
impasses. Nesse contexto, desenvolveu-se a cláusula de earn-out cuja função visa
a solucionar o desalinhamento de expectativas das partes quanto ao valor futuro
do ativo (GILSON, Ronald J. Value creation by business lawyers: legal skills and
asset pricing. The Yale Law Journal. V. 94. N. 2. Dec. 1984, pp. 262-264).
uma atividade3, tratando-se, assim, de um organismo vivo, dotado
de dinamicidade); e, de outro, da falta de simetria informacional
entre as partes sobre aspectos relevantes da operação.
Com efeito, é natural que o vendedor detenha mais informa-
ções sobre a sociedade a ser adquirida do que o comprador. As
razões lógica e econômica da existência da assimetria decorrem do
fato de a sobrevivência e a eficiência da atividade empresarial de-
penderem, dentre outros aspectos, da tutela da confidencialidade
interna da sociedade, de sorte que uma empresa de cujas informa-
ções o mercado tenha total conhecimento estará destinada a su-
cumbir na batalha concorrencial4.
Nesse contexto, sobressaem-se dois instrumentos de garantia e
tutela complementar do adquirente5-6, a saber, a cláusula de decla-
rações e garantias (“representations and warranties”)7 e o fecha-
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3 Sob o perfil funcional, a empresa apresenta-se como a atividade organizada
para a produção ou circulação de bens ou de serviços no mercado. Sobre os perfis
da empresa ver: FRANÇA, Erasmo Valladão e Novaes. Empresa, empresário e
estabelecimento: a nova disciplina das sociedades. Temas de direito societário,
falimentar e teorias da empresa. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 511-529; AS-
QUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 104, São Paulo: Malheiros, 1996, pp. 109-126, tradu-
ção de Fabio Konder Comparato.
4 DE NOVA, Giorgio. Il sale and purchase agreement: un contrato commen-
tato. 2. ed. Torino: G. Giappichelli Editore, 2017, pp. 37-78.
5 Conquanto nossa pretensão neste estudo seja realizar uma análise acadêmi-
co-dogmática, preocupamo-nos que o ensaio tenha utilidade prática, pois, afinal,
“o fenômeno jurídico é tecido por experiência e cultura, e que a razão prática
está na preocupação do jurista” (MARTINS-COSTA, Judith. em prefácio ao
livro: SILVA, Eduardo Silva da. Arbitragem e direito da empresa. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 13), razão pela qual nosso exame terá como foco
principal a análise das declarações e garantias prestadas pelo alienante, por serem
as de maior uso na praxe comercial.
6 Sabe-se que, nos contratos de compra e venda, o comprador é protegido
pelos institutos dos vícios redibitórios (art. 441, do Código Civil), da evicção
(art. 447, do Código Civil), do erro (art. 138 e 139, I, do Código Civil), do dolo
(art. 145 e 146, do Código Civil), e da responsabilidade civil por falha ao dever
de informar (art. 422, do Código Civil). Assim, na ausência de convenção da
cláusula de declarações e garantias, o comprador não estará desprotegido, sem-
pre podendo valer-se dos referidos institutos jurídicos que conformam o regime
legal da defesa do comprador. Além disso, nada obsta que as declarações e garan-
tais sejam aplicadas em conjunto com mencionado regime.
7 A prática revela, assim, que a cláusula de declarações e garantias trata-se de

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