Pactos de preferência em acordos de acionistas: alienações indiretas de participações societárias configuram inadimplemento?

AutorCarla Wainer Chalréo Lgow
Ocupação do AutorMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Páginas709-740
Pactos de preferência em acordos de acionistas:
alienações indiretas de participações societárias
configuram inadimplemento?
Carla Wainer Chalréo Lgow1
Sumário: Introdução; – 1. Eficácia real da preferência inserida
em acordos de acionistas e os remédios do inadimplemento; –
2. A redação da cláusula que institui a preferência; – 3. Direito
de preferência nas transferências indiretas de participação
(“alienações em cadeia”); – 3.1. Ausência de previsão expressa
no acordo de acionistas acerca da preferência nas transferências
indiretas; – 3.2. Existência de previsão expressa no acordo de
acionistas acerca da preferência nas transferências indiretas; –
3.3. Possíveis soluções; – 4. Considerações finais.
Introdução
O direito de preferência inserido em acordos de acionistas de
sociedades anônimas é possivelmente a espécie de preferência con-
vencional de maior relevância prática na atualidade.
Apesar de largamente difundido, e de expressamente previsto no
caput do artigo 118 da Lei n.º 6.404/1976 – “Lei das S.A.” –, sua dis-
ciplina jurídica carece de regulamentação específica. Aliás, como
grande parte dos direitos de preferência de natureza convencional.
Não há, por outro lado, no ordenamento jurídico brasileiro,
normas destinadas a regular, de maneira geral, os pactos de prefe-
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1 Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Professora de cursos de pós-graduação lato sensu no Rio de Janeiro. Autora do
livro Direito de preferência, publicado pela editora Atlas. Advogada.
rência2, de modo que resta ao intérprete, em seu trabalho herme-
nêutico, diante da complexidade das situações concretas, encon-
trar a solução mais razoável.
Para tal, é preciso levar em conta que os pactuantes de acordos
de acionistas, desde que não violem disposições de lei, têm ampla
liberdade para fixar, de modo vinculante, a disciplina do direito de
preferência para a aquisição de suas ações, tendo em vista os prin-
cípios da autonomia privada e da força obrigatória dos contratos. É
preciso ter em mente, ainda, que a instituição de um direito de
preferência convencional excepciona a regra da livre transmissibi-
lidade das ações, vigente nas sociedades anônimas.
A função da preferência estabelecida via convenção deverá ser
analisada casuisticamente. Para evitar interpretações distorcidas,
será preciso compreender exatamente os objetivos pretendidos pe-
las partes envolvidas ao pactuarem a preferência.
As características fundamentais do direito de preferência em
geral estão presentes, igualmente, no pacto de preferência inserido
em acordos de acionistas. Assim, com a celebração da convenção
de preferência, não há diminuição da liberdade contratual do ou-
torgante, que pode livremente decidir se quer ou não alienar suas
ações. Caso jamais decida aliená-las, a consequência é que o direito
de preferência poderá nunca vir a se constituir: “a preferência não
consiste em contrato definitivo, tampouco obrigatório. O outorgante
da preferência (...) obriga-se (...) a comunicar ao outorgado (...) se
e quando se decidir pela celebração de contrato definitivo3. Uma
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2 Nem mesmo o artigo 513 e seguintes do Código Civil, ao tratarem do pacto
de preempção, traduzem normas genéricas, aplicáveis aos demais direitos de
prelação, a despeito do que entende parte da doutrina. Nesse sentido: “a disci-
plina do direito de preempção abrigada nos arts. 513 a 520 do Código Civil não
se aplica às hipóteses em geral de preferência, mas unicamente à titulada pelo
vendedor da coisa, e exercitável na revenda desta pelo comprador, em razão de
cláusula expressa no contrato de compra e venda” (COELHO, Fábio Ulhoa.
Curso de direito civil. Vol. 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 158). No mesmo
sentido, ao diferenciar a preferência do locatário do pacto de preempção: SOU-
ZA, Sylvio Capanema de. Da locação do imóvel urbano. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 211.
3 ALVARENGA, Maria Isabel de Almeida. Direito de preferência para a
aquisição de ações. Dissertação de mestrado, requisito parcial para a obtenção de
título de mestre em direito comercial pela USP, apresentada em 2001, p. 9. Em
sentido semelhante: BERTOLDI, Marcelo M. Acordo de acionistas. São Paulo:
vez tomada a decisão, entretanto, passa a incidir uma restrição à
liberdade de contratar do outorgante, quanto à escolha do outro
contratante, pois deverá ser conferida preferência ao titular do di-
reito de prelação.
Essa decisão de contratar do outorgante da preferência, em ge-
ral, chega ao conhecimento do preferente por meio da comunica-
ção para preferir ou denuntiatio4 – os acordos de acionistas costu-
mam minudenciar a sua forma. Não se trata de uma decisão gené-
rica do outorgante de contratar, mas sim de uma decisão concreta,
já estando presentes as características do contrato projetado com o
terceiro interessado. Caso contrário, não se estará diante de uma
comunicação para exercício da preferência, mas sim de um simples
convite a contratar5, já que “o direito formativo gerador, nas prefe-
rências, só se exerce se há a situação prevista de concorrência6.
O exercício do direito de preferência, por sua vez, é manifestado
via declaração de preferência, em que os acionistas signatários bene-
ficiários externarão se desejam, ou não, exercer seu direito. Em re-
gra, diante de uma declaração negativa, ou de uma abstenção dos
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Revista dos Tribunais, 2006, p. 93. Os fatos cuja ocorrência é necessária para que
o direito de preferência saia de seu estado de “latência” e passe a poder ser
exercido são chamados por Pedro Ricardo e Serpa de “eventos de ativação” (A
preferência legal e voluntária no direito brasileiro. Tese de doutorado, requisito
parcial para a obtenção de título de doutor em direito civil pela USP, apresenta-
da em 2016, p. 38).
4 Apesar de a denuntiatio ser um dever do vinculado à preferência, ela não é
imprescindível ao exercício do direito, não sendo, portanto, pressuposto de
constituição do direito de preferência (LGOW, Carla Wainer Chalréo. Direito
de preferência. São Paulo: Atlas, 2013, p. 75-79; GUEDES, Gisela Sampaio da
Cruz; LGOW, Carla Wainer Chalréo. Seção V – Do direito de preferência. In:
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (Org.). Lei do in-
quilinato comentada artigo por artigo: visão atual na doutrina e jurisprudência. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 142).
5 Nesse sentido: GUEDES, Agostinho Cardoso. O exercício do direito de pre-
ferência. Porto: Coimbra Editora, 2006, p. 358 e p. 474; BARATA, Carlos Lacer-
da. Da obrigação de preferência: contributo para o estudo do artigo 416.º do
Código Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 118-119; e VARELA, João de
Matos Antunes. Das obrigações em geral. Vol. 1. 10. ed. Coimbra: Almedina,
2000, p. 380-381.
6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. T. XXXVIII. Campinas:
Bookseller, 2005, p. 509.

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