Negócio jurídico processual: inexecução e suas repercussões

AutorIara Santos Corado Ferreira Costa e Vinicius Damous de Moraes Gomes
Ocupação do AutorPós-Graduada em Litigation pela Fundação Getúlio Vargas ? FGV-Rio/Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas811-842
Negócio jurídico processual:
inexecução e suas repercussões
Iara Santos Conrado Ferreira Costa1
Vinicius Damous de Moraes Gomes2
Sumário: Introdução; – 1. Atos, fatos e negócios jurídicos: uma
distinção fundamental; – 2. Evolução histórica do negócio
jurídico processual; – 3. Negócios jurídicos processuais típicos
e atípicos; – 4. Validade e eficácia dos negócios jurídicos
processuais; – 4.1. Requisitos de validade dos negócios
jurídicos processuais; – 4.1.1. Objeto; – 4.1.2. Capacidade; –
4.1.3. Forma e autonomia da vontade; – 4.1.4. Condição de
validade dos negócios jurídicos processuais típicos; – 4.2.
Eficácia e controle da validade dos negócios jurídicos
processuais; – 4.3. Controle da validade dos negócios jurídicos
processuais; – 5. Inexecução do negócio jurídico processual; –
5.1. Necessária provocação pela parte interessada; – 5.2. Tutela
específica para compelir a parte faltosa a cumprir o negócio
jurídico processual; – 5.3. Inexecução como comportamento
violador da boa-fé objetiva; – 5.4. Penalidades aplicáveis; – 5.5.
Outras possíveis implicações; – 6. Conclusão.
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1 Pós-Graduada em Litigation pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-Rio.
Especializada em Negociação pela Harvard Law School. Especializada em
Mediação e Arbitragem pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-Rio. Graduada em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio. Advogada no Rio de
Janeiro.
2 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Especializado em arbitragem pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem –
CBMA. Advogado no Rio de Janeiro.
Introdução
O vigente Código de Processo Civil, de 16 de março de 2015
(“CPC/15”), introduziu inovadora disciplina aos negócios jurídicos
processuais, ao conferir às partes ampla possibilidade de ajustar o
procedimento conforme sua conveniência, especialmente visando
a atender eventuais especificidades da disputa, a fim de agregar
previsibilidade e eficiência ao desenvolvimento do processo.
Embora já se verifique ampla produção doutrinária a respeito
do conceito de negócio jurídico processual, do papel do juiz e dos
limites para a sua celebração, o tema envolvendo as repercussões
acerca da sua inexecução não só é desprovido de previsão legal
específica, como também ainda é pouco explorado pela doutrina e
com escasso registro na jurisprudência, de modo que são muitos os
questionamentos em torno da matéria.
Sem a pretensão de conferir respostas absolutas para tema tão
desafiador e instigante, este estudo se propõe a provocar algumas
reflexões a respeito dos relevantes desdobramentos, de ordem prá-
tica e jurídica, decorrentes do descumprimento de negócios jurídi-
cos processuais.
Para tanto, faz-se necessário examinar alguns aspectos elemen-
tares quanto à natureza, evolução, formação e controle do negócio
jurídico processual, para que, a partir de bases conceituais sólidas,
seja possível avançar para a análise das implicações decorrentes da
sua inexecução.
1. Atos, fatos e negócios jurídicos: uma distinção fundamental
Para a completa compreensão do conceito de negócio jurídico
processual e das implicações verificadas em decorrência da sua
execução e inexecução, é essencial ter em mente a clara distinção
entre fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico, tanto no plano
material, quanto no plano processual.
Sob a ótica do direito material, é válido pontuar o seguinte:
a) Fato jurídico: segundo Pontes de Miranda,3 surge com a inci-
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3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Parte geral, Tomo I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 145.
dência da norma jurídica sobre o suporte fático concretizado no
mundo dos fatos,4 assim assumindo relevância para o mundo
jurídico.
b) Ato jurídico: ato de manifestação de vontade capaz de gerar
consequências jurídicas previamente estabelecidas pelo ordena-
mento jurídico, sem que a vontade das partes possa atuar de
modo a modificá-las, ampliá-las, restringi-las ou evitá-las.5
c) Negócio jurídico: na esclarecedora definição de Marcos Ber-
nardes de Mello,6 decorre de manifestação ou declaração de
vontade cujos efeitos no mundo jurídico são passíveis de estru-
turação e qualificação pelas partes.
No que diz respeito ao processo civil, Fredie Didier Jr. esclare-
ce que “o fato jurídico adquire o qualificativo de processual quando
é tomado como fattispecie (suporte fático) de uma norma jurídica
processual e se refira a algum procedimento, atual ou futuro”.7 Para
o autor, será ato jurídico processual todo comportamento humano
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4 Conforme esclarece Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior: “Há fatos que
são tidos como relevantes para o direito e outros não. A valoração do que tem
relevância para o relacionamento inter-humano e, consequentemente, para o di-
reito, encontra-se nas normas jurídicas editadas pela comunidade jurídica, que,
na sua finalidade de ordenar a conduta humana, atribuem relevância a determi-
nados fatos, prevendo-os no seu suporte fático hipotético (hipótese de incidência
ou hipótese normativa) e atribuindo-lhes consequências, quando da sua concreti-
zação no mundo fático”. (ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Negócios
jurídicos materiais e processuais – existência, validade e eficácia – campo-inva-
riável e campos-dependentes: sobre os limites dos negócios jurídicos proces-
suais. Revista de Processo, São Paulo, vol. 244, ano 40, p. 393-423, jun. 2015).
5 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no proces-
so civil brasileiro. In: CABRAL, Antonio do Passo; DIDIER JR, Fredie; NO-
GUEIRA, Pedro Henrique (org.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm,
2016. p. 32.
6 “...o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em mani-
festação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico
faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o
poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das
relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensi-
dade no mundo jurídico” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídi-
co: plano da existência, vol. II. São Paulo: Saraiva, 2014).
7 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito
processual civil, parte geral e processo de conhecimento, vol. I. Salvador: JusPo-
divm, 2018. p. 435-436.

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