As contribuições do juiz de garantias para a consolidação do modelo acusatório no sistema processual penal constitucional brasileiro

AutorGustavo Henrique Araújo Nery/Luiz Laboissiere Junior
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)/Professor Adjunto do curso de Direito da Universidade Federal do Amapá
Páginas170-201
170 • Sociedade, Direito & Justiça - Volume 7
AS CONTRIBUIÇÕES DO JUIZ DE GARANTIAS PARA A
CONSOLIDAÇÃO DO MODELO ACUSATÓRIO NO SISTEMA
PROCESSUAL PENAL CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
LAS CONTRIBUCIONES DEL JUEZ DE GARANTÍA PARA LA CONSOLIDACIÓN DEL MODELO
ACUSATORIO EN EL SISTEMA PROCESAL PENAL CONSTITUCIONAL BRASILEÑO
Gustavo Henrique Araújo Nery1
Luiz Laboissiere Junior2
RESUMO: Tendo em vista a criação do instituto do Juiz de Garan-
tias, disciplinado pelos artigos 3º-A a 3º-F do Código de Processo
Penal e introduzido pela Lei nº 13.964/2019, bem como o contex-
to histórico de elaboração do referido código e a permanência de
características inquisitoriais, o presente estudo objetiva investigar
em que medida o referido instituto contribui para a consolidação
do modelo acusatório e para a superação de heranças inquisito-
riais ainda existentes no sistema processual penal brasileiro. Para
tanto, realiza-se pesquisa exploratória e explicativa, utilizando-se
uma abordagem qualitativa com enfoque compreensivo. Em pers-
pectiva jurídica, adequa-se à vertente jurídico-dogmática, posto que
investiga elementos internos ao direito positivado. Dessa maneira,
observa-se que apesar do distanciamento de algumas características
inquisitoriais, o Código de Processo Penal ainda possui elementos
autoritários associados ao momento histórico da sua elaboração, ao
que se conclui que o juiz de garantias não se revela suciente para a
efetiva consolidação do modelo acusatório no Brasil.
PALAVRA-CHAVE: JUIZ DE GARANTIAS. SISTEMA ACUSA-
TÓRIO. SISTEMA INQUISITÓRIO.
1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
2 Professor Adjunto do curso de Direito da Universidade Federal do Ama-
pá. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e Coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)
no estado do Amapá.
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RESUMEN: En vista de la creación del Instituto del Juez de Garantía,
regido por los artículos 3-A a 3-F del Código Procesal Penal e intro-
ducido por la Ley n. 13.964 / 2019, así como el contexto histórico de
la elaboración de dicho código y la permanencia de las características
inquisitoriales, el presente estudio tiene como objetivo investigar en
qué medida el mencionado instituto contribuye a la consolidación del
modelo acusatorio y a la superación de las herencias inquisitoriales
que aún existen en el sistema procesal penal brasileño. Para ello, se
realiza una investigación exploratoria y explicativa, con un enfoque
cualitativo y integral. Desde una perspectiva jurídica, se adapta al
aspecto jurídico-dogmático, ya que investiga elementos internos del
derecho positivo. Así, se observa que a pesar del alejamiento de algu-
nas características inquisitoriales, el Código Procesal Penal aún tiene
elementos autoritarios asociados al momento histórico de su elabora-
ción, lo que lleva a concluir que el juez de garantías no es suciente
para la efectiva consolidación del modelo acusatorio en Brasil.
PALABRA CLAVE: JUEZ DE GARANTÍA. SISTEMA ACUSATO-
RIO. SISTEMA DE INVESTIGACIÓN.
1. INTRODUÇÃO
A denição do modelo processual penal é fundamental para
auxiliar na aplicação e na interpretação das normas jurídicas ligadas
a este ramo, bem como nos estudos que investigam as relações entre
os poderes do Estado-juiz e as garantias processuais reservadas às
partes. Nesse sentido, ganha especial relevância a discussão sobre
os institutos que auxiliam na consolidação de um modelo em detri-
mento do outro.
Analisando-se a realidade brasileira, não há consenso na
denição do sistema aplicado, devido aos diferentes elementos nor-
mativos existentes no Código de Processo Penal e na Constituição
Federal de 1988. As garantias constitucionais inauguradas por meio
desta Carta Magna contrastam com diversos dispositivos existentes
naquele código processual, o que evidencia a importância de estu-
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dos acadêmicos mais atentos e cuidadosos, voltados para a natureza
destes institutos.
A referida falta de uma previsão clara em relação ao siste-
ma adotado no Brasil também gera prejuízos para a elucidação dos
limites do exercício dos poderes reservados ao magistrado, já que
a adoção do modelo acusatório ensejaria, em tese, na restrição dos
amplos poderes outrora garantidos pelo modelo inquisitório.
Em meio a esta discussão histórica, a Lei nº 13.964/2019,
também conhecida como “lei anticrime”, foi responsável por intro-
duzir diversos dispositivos ao Código de Processo Penal. Dentre eles,
o instituto do juiz das garantias foi aquele que mais gerou alterações
na sistemática processual aplicada no Brasil, já que inaugurou a -
gura do juiz responsável por analisar apenas as questões anteriores à
ação penal propriamente dita, desde que demandem intervenção da
reserva constitucional de jurisdição.
Ainda, o mesmo diploma legislativo, ao introduzir o art.
3º-A dentre os dispositivos relativos ao juízo das garantias, assentou
a estrutura acusatória como caracterizadora do sistema brasileiro.
Entretanto, cumpre investigar em que medida a simples previsão de
um dispositivo gera efeitos sobre o sistema por completo, gerando
consequências substanciais capazes de alterar a própria essência in-
quisitorial do Código Processual Penal datado de 1941.
Feita esta contextualização inicial, convém esclarecer que
foge ao escopo deste artigo a tarefa de estabelecer qual dos dois sis-
temas vigora no Brasil. O objeto de estudo direciona-se, em verdade,
à investigação das contribuições trazidas pelo juiz das garantias para
o sistema processual brasileiro, com o objetivo de identicar em que
medida o instituto contribui para a superação de características in-
quisitoriais e a consequente consolidação do modelo acusatório.
A partir da leitura preliminar do referencial teórico utiliza-
do como base para a pesquisa, armou-se que o instituto do juiz das
garantias, previsto nos artigos 3º-A a 3º-F do Código de Processo Pe-
nal, contribui para a imparcialidade no exercício das funções do juiz,
o que sugere representar um importante fator para a consolidação
do sistema acusatório no processo penal constitucional brasileiro.
Nesse sentido, o presente estudo encontra-se organizado
em 3 partes principais. No primeiro tópico de desenvolvimento,
são abordadas as principais características dos modelos acusatório
e inquisitório, bem como o conceito de princípio unicador para

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