O assédio moral no meio ambiente de trabalho

AutorMaria José Giannella Cataldi
Ocupação do AutorAdvogada. Professora universitária, com pós doutoramento em Direitos Fundamentais pelo Ius Gentium Conimbrigae (IGC/CDH) da Faculdade de Direito de Coimbra.
Páginas111-133

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1. Conceito

O assédio moral no trabalho não é um fenômeno novo. É possível afirmar que ele é tão antigo quanto o trabalho.

A novidade reside na intensificação, na gravidade, na amplitude e na banalização do fenômeno e na abordagem que tenta estabelecer o nexo causal com o trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho. A reflexão e o debate sobre o tema são recentes no Brasil, tendo ganhado força com a repercussão da publicação na França do livro de Marie France Hirigoyen Harcelement moral: la violence perverse au quotidien66.

E o que é assédio moral no trabalho?

É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações desumanas e não éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.

Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada e desacreditada diante dos pares.

Estes, por medo do desemprego e pela vergonha de serem também humilhados, associados ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e atualizam ações e atos do

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agressor no ambiente de trabalho, instaurando o "pacto da tolerância e do silêncio" no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e se fragilizando.

O desabrochar do individualismo reafirma o perfil do "novo" trabalhador: "autônomo, flexível", capaz, competitivo, criativo, qualificado e empregável. Essas habilidades o qualificam para a demanda do mercado. Estar "apto" significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, pelo aumento da pobreza urbana e da miséria, desvirtuando a reali-dade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso.

A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, sua dignidade e suas relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos às saúdes física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, o desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém, concreto, nas relações e condições de trabalho.

O assédio moral no trabalho constitui um fenômeno internacional, segundo levantamento recente da OIT com diversos países desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionadas com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois, segundo a OIT e a Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do "mal-estar na globalização", em que predominarão depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas às políticas neoliberais.

2. As fases e o espaço da humilhação

A humilhação constitui um risco invisível, contudo, concreto, nas relações de trabalho e na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, revelando uma das formas mais poderosas de violência sutil nas relações organizacionais, sendo mais frequente com mulheres e adoecidos. Sua reposição se realiza ‘invisivelmente’ nas práticas perversas e arrogantes das relações autoritárias na empresa e na sociedade. A humilhação repetitiva e prolongada tornou-se prática costumeira no interior das empresas, em que predominam o menosprezo e a indiferença pelo sofrimento dos trabalhadores, que, mesmo adoecidos, continuam trabalhando.

Frequentemente, os trabalhadores adoecidos são responsabilizados pela queda da produção, pelos acidentes e doenças, pela desqualificação profissional, pela demissão e, consequentemente, pelo desemprego. São atitudes como estas que reforçam o medo individual, ao mesmo tempo que aumenta a submissão coletiva construída e alicerçada no medo. Por medo, passam a produzir acima de suas forças, ocultando suas queixas e evitando, simultaneamente, ser humilhados e demitidos.

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Os laços afetivos que permitem a resistência, a troca de informações e comunicações entre colegas, tornam-se "alvo preferencial" de controle das chefias se "alguém" do grupo transgride a norma instituída.

A violência no intramuros se concretiza em intimidações, difamações, ironias e constrangimento do "transgressor" diante de todos, como forma de impor controle e manter a ordem.

Em muitas sociedades, ridicularizar ou ironizar crianças constitui uma forma eficaz de controle, pois ser alvo de ironias entre os amigos é devastador e simultaneamente depressivo. Nesse sentido, as ironias mostram-se mais eficazes que o próprio castigo. O trabalhador humilhado ou constrangido passa a vivenciar depressão, angústia, distúrbios do sono, conflitos internos e sentimentos confusos que reafirmam o sentimento de fracasso e de inutilidade.

As emoções são constitutivas de nosso ser, independente do sexo. Entretanto, a manifestação dos sentimentos e das emoções nas situações de humilhação e constrangimentos é diferenciada segundo o sexo: enquanto as mulheres são mais humilhadas e expressam sua indignação com choro, tristeza, ressentimentos e mágoas, estranhando o ambiente que identificava como seu, os homens sentem-se revoltados, indignados, desonrados, com raiva, traídos e têm vontade de se vingar. Sentem-se envergonhados perante a mulher e os filhos, sobressaindo o sentimento de inutilidade, fracasso e baixa autoestima. Isolam-se da família, evitam contar o acontecido aos amigos, passando a vivenciar alguns sentimentos como irritabilidade, vazio, revolta e fracasso.

Passam a conviver com depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídio que configuram um cotidiano sofrido. É este sofrimento imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as pessoas é viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam.

As estratégias do agressor:

· escolher a vítima e isolá-la do grupo;

· impedi-la de se expressar e não lhe explicar a razão;

· fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar a vítima diante dos seus pares;

· culpabilizar/responsabilizar a vítima publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar;

· desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima aos poucos vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho;

· destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças preexistentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e dos amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principal-mente o álcool;

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· livrar-se das vítimas que são forçados(as) a pedir demissão ou são demitidos, frequentemente, por insubordinação;

· impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade.

A explicitação do assédio moral

São considerados assédio moral gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do outro, estigmatizar os adoecidos pelo e para o trabalho, colocá-los em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas por intermédio de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do subordinado, não explicar a causa da perseguição, difamar, ridicularizar.

As manifestações do assédio segundo o sexo

Com as mulheres: os controles são diversificados e visam intimidar, submeter, proibir a fala, interditar a fisiologia, controlando tempo e frequência de permanência nos banheiros; relacionando os atestados médicos e as faltas à suspensão de cestas básicas ou promoções.

Com os homens: atingem a virilidade, preferencialmente.

· escolher a vítima e isolar do grupo;

· impedir de se expressar e não explicar a razão da atitude;

· fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar diante dos seus pares. Culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar;

· desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho;

· destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças pre-existentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principalmente o álcool;

· livrar-se da vítima que são forçados a pedir demissão ou são demitidos, frequentemente, por insubordinação;

· impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade.

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A explicitação do assédio moral

São considerados assédio moral gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser...

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