Assistência

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas290-310

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1. Resumo histórico

A origem remota da assistência, como forma de intervenção voluntária em processo alheio, parece ter as suas raízes no direito romano. Bártolo, em seus escritos, alude à assistência como intromissão de terceiro no processo, para auxiliar o autor ou o réu (ad adiuvandi reo vel actorem), sem confundi-la com a oposição (ad infringendum iura competitorum).

Da figura em estudo se ocuparam as Ordenações Filipinas, no Livro 3.º, Título XX, § 32, e o Regulamento Imperial n. 737. Estatuía o art. 124, deste: “Para ser o assistente admitido, é preciso que ele alegue o interesse aparente que tem na causa: se é fiador, sócio, consenhor de coisa indivisa, vendedor de coisa demandada”.

Estava também na Consolidação de Ribas: “O assistente pode ser admitido como tal, desde que prove o interesse que tem na causa, embora não o tenha feito por artigos e nem com audiência das partes”.

O CPC de 1939 previa, unicamente, a assistência litisconsorcial (art. 93). O fato de esse estatuto processual não haver dedicado nenhuma disposição à assistência simples espelha o preconceito que Pedro Batista Martins — elaborador do anteprojeto — tinha sobre essa modalidade. São dele estas palavras: “O Código reagiu contra as tendências individualistas das legislações anteriores, que transformaram o instituto da assistência em instrumento de conluio e de má-fé” (Comentários..., I, n. 238).

Premido, talvez, pelas circunstâncias, o eminente jurista teve de ceder em parte, inserindo naquele estatuto processual, como afirmamos, a figura da assistência litisconsorcial.

A CLT é, rigorosamente, omissa quanto ao tema da assistência. Como esta não é incompatível com o processo do trabalho, a solução reside na incidência supletiva, neste processo, dos arts. 50 a 55, daquele Código.

2. Conceito

Assistência (1) é ato pelo qual terceiro (2) intervém, (3) de maneira voluntária, (4) em processo alheio, (5) motivado pelo interesse jurídico (6) em que a sentença seja favorável ao assistido.

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Justifiquemos essa definição.

(1) É o ato pelo qual terceiro. Trata-se, realmente, de terceiro, porque a pessoa que se mete de permeio no processo não está vinculada à relação material controvertida, estabelecida entre as partes. Mesmo que a sua interveniência seja aceita, o assistente não se torna parte, mas simples auxiliar do assistido, a quem o art. 52, do CPC, em má técnica, refere-se como “parte principal”, como se o assistente também se tornasse parte (secundária). Em suma, o assistente não é parte, senão que sujeito interessado do processo.

Embora o assistente manifeste interesse próprio e postule também em nome próprio, defende, na verdade, direito alheio.

Como auxiliar que é, o assistente não pode praticar atos contrários aos interesses do assistido; se assim fosse, melhor seria que se apresentasse como opoente (CPC, art. 56).

(2) Intervém. O verbo intervir não foi por nós utilizado no sentido técnico de intervenção de terceiros, que compreende a oposição (CPC, art. 56); a nomeção à autoria (CPC, art. 62); a denunciação da lide (CPC, art. 70) e o chamamento ao processo (CPC, art. 77). Ocorre que o opoente, o nomeado, o denunciado e o chamado se tornam parte, ao passo que o assistente mantém sempre a sua qualidade de terceiro. Não têm razão, por isso, aqueles juristas que lamentam o fato de o legislador não haver incluído o assistente ao lado do opoente, do denunciado, do nomeado e do chamado.

O próprio art. 50, do CPC, faz uso do verbo intervir, sem que isso autorize a conclusão de tratar-se da figura típica da intervenção de terceiro. O assistente intervém, no sentido de intrometer-se, de meter-se de permeio em processo em que não está em jogo um seu direito, senão que um seu interesse jurídico.

(3) De maneira voluntária. Nenhuma norma legal obriga o terceiro a intervir em processo alheio. A sua intervenção, portanto, será sempre voluntária, segundo seja o seu interesse jurídico em realizá-la. Note-se que o art. 50, caput, do CPC, diz que o terceiro poderá intervir, a indicar, portanto, que se trata de uma faculdade deste.

Está claro, pois, que nem mesmo o juiz poderá determinar que terceiro intervenha, na qualidade de assistente, contra a vontade deste.

(4) Em processo alheio. É óbvio que a ideia de intervenção se encontra logicamente adjungida a processo alheio, ou seja, a conflito de interesses em que figurem como autor e réu pessoas distintas daquela que deseja intervir. Contudo, como ficou dito, o assistente não se torna parte, mas mero auxiliar de uma das partes (assistido). Trata-se, portanto, quase sempre, de uma assistência ad adiuvandum tantum.

Como é de elementar conclusão, o processo alheio, no qual o terceiro deseja inter-vir como assistente, é aquele em que ainda não se formou a coisa julgada material (CPC, art. 467). Se a res iudicata já se constituiu, a causa deixa de estar pendente (CPC, art. 46, caput), fechando-se, em razão disso, a possibilidade de haver intervenção. Esta será admitida,

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porém, na execução, se houver embargos do devedor, hipótese em que o assistente poderá ter interesse em que a sentença resolutiva desses embargos seja favorável a uma das partes (credor ou devedor).

(5) Motivado pelo interesse jurídico. Em que pese ao fato de o art. 3.º do CPC declarar que para propor ou contestar ação (e também para excepcionar, reconvir, recorrer, embargar, etc.) seja necessária a existência de interesse (sem qualificá-lo de econômico ou moral, como fazia o art. 2.º, caput, do CPC de 1939), que constitui, por isso, uma das condições da ação, esse interesse, para efeito de assistência, deve ser jurídico, como demonstra o art. 50, caput, do CPC atual. Coerente com essa disposição legal, estabelece a Súmula n. 82, do TST: “A intervenção assistencial, simples ou adesiva, só é admissível se demonstrado o interesse jurídico e não o meramente econômico”. Um esclarecimento: a Súmula em tela alude à assistência simples ou adesiva; não se trata, contudo, de duas espécies de assistência, senão que de uma só, pois os vocábulos “simples” e “adesiva” são, para os efeitos da assistência, sinônimos. O oposto da assistência simples é a litisconsorcial, conforme veremos mais adiante.

Entrementes, abrindo uma exceção a essa regra, a Lei n. 9.469, de 10-7-97, após estatuir, no art. 5.º, caput, que a União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, dispôs, enfaticamente, no parágrafo único: “As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente de demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes” (destacamos).

(6) Em que a sentença seja favorável ao assistido. O interesse jurídico do terceiro, em intervir na qualidade de assistente de alguma das partes, está intimamente vinculado ao desejo de que a sentença seja favorável ao assistido. Esse interesse deve existir tanto na assistência simples quanto na litisconsorcial, conforme procuraremos demonstrar mais à frente, ao nos ocuparmos com as espécies de assistência (n. 4).

3. Justificativa da assistência

Conquanto alguns autores de outrora tenham manifestado certa antipatia pela assistência, em virtude de as leis da época a haverem transformado em instrumento de conluio e de má-fé (COSTA, Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro. Rio de Janeiro, 1959. v. I,
n. 483), as fontes romanas revelam que essa modalidade de intervenção em processo alheio foi concebida, justamente, para evitar que o conluio, a má-fé, ou mesmo a negligência de um dos litigantes viesse a acarretar danos a terceiros. Essa prática teria sido inaugurada no período da extra ordinem cognitio (iniciada no século III d.C e instauradora da justiça pública, pois o pretor passou a apreciar o mérito das demandas e a proferir sentença).

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Postas à frente as razões históricas da assistência, verifica-se que o seu uso como instrumento de conluio ou de má-fé, com a finalidade de prejudicar terceiro, decorreu de lamentável deturpação do instituto, estimulada por situações de outros tempos.

Mais do que nunca, entretanto, justifica-se, modernamente, a presença dessa figura em nosso ordenamento processual, como providência destinada a permitir que terceiro intervenha em processo alheio, para, agindo no interesse próprio, promover a defesa do direito a quem assiste (ut causam aiuvat ad vitoriam). Como coadjutor, o terceiro atuará ao lado de um dos contendores, praticando, um e outro, atos que possam assegurar a obtenção de um provimento jurisdicional favorável ao direito ou ao interesse do assistido, pois essa vitória na causa representará, em última análise, a preservação, a tutela dos interesses que levaram o terceiro a intrometer-se no processo.

Não se pode negar, contudo, que em determinadas hipóteses o que o impele a intervir na relação processual estabelecida entre autor e réu não é, necessariamente, o desejo de auxiliar um deles, e sim a preocupação de impedir o conchavo, o concerto lesivo, a conspiração contra seus legítimos interesses. Inexistente em nosso sistema processual a figura da assistência, o terceiro ficaria em enormes dificuldades para...

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