Sujeitos do Processo

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas232-249

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Seção I - Partes
1. Conceito

Derivado do latim pars, partis, o vocábulo parte sugere a ideia de porção, de elemento fragmentário de um todo. No campo específico da terminologia jurídica significa “os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz”, segundo Liebman (Manualle di Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffrè, v. I, n. 41, p. 75). Apesar de o juiz ser também sujeito do processo, a qualidade de parte está restrita às pessoas que possuem interesses manifestados na causa. O magistrado, como órgão estatal, não tem a sua atuação no processo impulsionada por algum interesse (que se ligue a bens ou a utilidades da vida), mas, sim, pelo indeclinável poder-dever de ministrar a tutela jurisdicional necessária para promover a defesa de direito ou interesse dos litigantes. Sob este aspecto, é correto asseverar que o juiz é sujeito desinteressado do processo.

O predicamento de parte deriva da titularidade das situações jurídicas, ativas e passivas, que integram a relação processual (faculdades, poderes, deveres, ônus, sujeições, etc.); “ser parte significa, então, ser titular dessa situação global perante o juiz, o qual, sendo a encarnação do Estado no processo, também é titular de poderes e deveres, além da autoridade que ali exerce e que tem como correspectivo a já referida sujeição das partes” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 7).

O indivíduo e as coletividades adquirem o status formal de parte no momento em que passam a deter a titularidade das situações jurídicas mencionadas, mesmo que não tenham exercido nenhum dos poderes ou faculdades que a norma legal lhes atribui. De modo geral, adquire-se a qualidade de parte por quatro meios: 1. pela demanda, pois quem toma a iniciativa da impetração da tutela jurisdicional assume a posição de demandante (como autor, exequente e o mais); 2. pela citação, uma vez que a pessoa diante da qual o autor formula pretensões se converte em réu, ou seja, em parte legítima para responder à ação, podendo resistir, juridicamente, a essas pretensões, ou subordinar-se a elas; 3. pela intervenção, voluntária ou compulsória, em processo de terceiros; 4. pela sucessão, espontânea ou coacta, da parte originária.

Embora, em regra, a parte no processo seja titular do direito material alegado em juízo, há casos, legalmente previstos, em que, por exceção, se atribui legitimidade para alguém postular, em nome próprio, direito alheio: trata-se do fenômeno a que se convencionou

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denominar de substituição processual e que consiste, na verdade, em uma procuração legal para a lide (ad litem). Aqui, não há coincidência entre as qualidades de parte na relação processual e de titular do direito material, porquanto este direito é defendido por quem não lhe detém a titularidade.

Por esse motivo, temos formulado o seguinte conceito de parte: é a pessoa que deduz em juízo pretensões de direito material, próprio ou de terceiro, ou puramente processuais, e, também, aquela em face da qual essas pretensões são formuladas.

Se o autor, ou o próprio réu, for parte ilegítima, o processo será extinto, sem exame do mérito, pois aquele será carecedor da ação (CPC, art. 267, VI).

Não se pode confundir, entretanto, a legitimidade para a causa ou para o processo com o resultado da entrega da prestação jurisdicional quanto ao mérito. No passado, eram frequentes os casos em que o juiz, entendendo inexistir a relação de emprego alegada pelo autor, considerava-o carecente da ação e extinguia o processo sem julgamento do mérito. Ora, o deslize técnico perpetrado pelo juiz, em tais situações, era manifesto. Se o autor prestou, efetivamente, serviços ao réu, este - e ninguém mais - estará legitimado para responder às pretensões postas em juízo por aquele. Se, ao final do processo, o juiz convencer-se de que não estavam presentes os pressupostos constitutivos de alegada relação de emprego, deverá rejeitar o pedido formulado pelo autor (CPC, art. 459, caput), e não declará-lo carecedor da ação, fundando-se da suposta ilegitimidade do réu. Ilegitimidade passiva haveria, aí sim, se o autor houvesse exercido a ação diante de pessoa diversa daquela para a qual prestou serviços.

Dentre os diversos princípios concernentes às partes, três merecem destaque:

  1. ) da dualidade, que pressupõe a existência de, pelo menos, duas partes (autor e réu), ou dois grupos de interesses contrapostos, conforme preferir-se. Note-se que não estamos a cogitar da presença das partes em juízo, como imaginária exigência para a validade do desenvolvimento processual; se assim agíssemos, estaríamos a fazer censurável concessão a superadas concepções romanísticas do passado remoto. A dualidade nada mais expressa do que a exigência de que a relação processual seja ontologicamente integrada por, no mínimo, duas partes; havendo uma só pessoa, provavelmente estaremos diante não de parte, mas de interessado, pois não haveria processo, senão que simples procedimento (“jurisdição voluntária”);

  2. ) da igualdade, de acordo com o qual o magistrado deve subministrar um tratamento igualitário às partes (CPC, art. 125, I), cuja imposição legal emana do seu dever de neutralidade, como órgão incumbido de solucionar, de maneira heterônoma e monopolística, o conflito de interesses. Esse princípio, acima de tudo, está inscrito no caput do art. 5.º, da Constituição Federal e representa, sem dúvida, uma das pilastras de sustentação de nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 5.º, I);

  3. ) do contraditório, pelo qual se assegura não apenas ao réu o direito de defender-se, com amplitude, como também ao autor e a terceiros. A ampla defesa integra o elenco dos direitos e garantias que a Constituição Federal comete aos indivíduos e às coletividades (art. 5.º, LV) e constitui traço característico do Estado Democrático de Direito em que se funda a nossa República (art. 1.º, caput).

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2. Capacidade
2.1. Capacidade de ser parte (ou de direito)

Tem-na todo aquele que é sujeito de direitos. “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, declara o art. 1.º do Código Civil. Parte, sob esse ângulo, é, portanto, todo aquele que se encontra no gozo de seus direitos.

Os incapazes, por exemplo, têm capacidade de ser parte (podendo, pois, integrar a relação jurídica processual) embora não a possuam para estar em juízo, vale dizer, para praticar atos processuais com efeitos jurídicos. Falta-lhes, em síntese, a necessária legitimidade para o processo (ad processum).

O processo civil (assim também o do trabalho) atribui a capacidade de ser parte não só às pessoas físicas, como às jurídicas, e, ainda, a determinadas massas patrimoniais, como o condomínio, a massa falida, as heranças jacente ou vacante, e, até mesmo, ao espólio - que nem sequer possui personalidade jurídica (CPC, art. 12).

2.2. Capacidade de estar em juízo (ou processual)

É regulada pelos arts. 7.º a 11 do CPC. Dispõe o primeiro que “Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

Conforme vimos na letra anterior, no âmbito do direito comum, certas pessoas, conquanto se encontrem no gozo dos seus direitos, não possuem capacidade para exercê-los. É, mais ou menos, o que se passa na órbita processual, em que a capacidade de ser parte não se confunde com a de estar em juízo. De modo geral, esta última só é cometida às pessoas que estejam no exercício dos seus direitos, razão por que não possuem legitimatio ad processum, dentre outros, os menores de idade, os portadores de enfermidade ou deficiência mental, que não possuírem o necessário discernimento para a prática de atos jurídicos, assim como aqueles que, por motivos ainda que transitórios, não puderem manifestar a sua vontade (CC, art. 3.º, I a III).

No processo do trabalho, a legitimidade ad processum é adquirida aos 18 anos de idade (CLT, art. 792); se o trabalhador possuir 14 anos de idade, ou mais, mas menos de 18, deverá ser representado em juízo pelo pai, mãe, tutor, curador, ou, na falta destes, pela Procuradoria da Justiça do Trabalho (CLT, art. 793). Inexistindo, na localidade, órgão da Procuradoria, ao juiz incumbirá nomear curador à lide (idem). O mesmo se aplica quanto aos ébrios habituais; aos viciados em tóxicos; aos que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; aos excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (CC, art. 4.º, II e III).

Duas breves notas: se o trabalhador, menor de 18 anos, estiver sob tutela (em virtude de falecimento dos pais; de terem estes sido declarados ausentes ou decaído do pátrio

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poder), há necessidade de autorização do juiz competente (em matéria civil) para que a ação seja proposta, por força da regra contida no art. 1.748, V, do Código Civil. A doutrina tem entendido que, na situação referida, a legitimidade para o processo somente é obtida mediante o concurso dessas duas providências legais: a representação do menor e a autorização judicial. Por outro lado, se o trabalhador for curatelado (decorrente de interdição originada por demência, surdo-mudez que o impeça de manifestar a sua vontade, etc.), será necessária não apenas a mencionada autorização do juiz, para o ingresso em juízo, como a fixação, também por ato do juiz civil, dos limites da interdição.

Para os menores de idade a incapacidade cessará: 1. pela concessão dos pais, ou de um deles, na falta de outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença, ouvido o tutor, se o menor possuir dezesseis anos completos;
2. pelo casamento; 3...

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