Intervenção de Terceiros

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas311-351

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1. Esclarecimento prévio

Em obra anterior (Litisconsórcio, Assistência e Intervenção de Terceiro no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991), sustentamos a opinião quanto a serem inadmissíveis no processo do trabalho todas as modalidades de intervenção de terceiro previstas no CPC, quais sejam: oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. Nosso entendimento se fundava, essencialmente, na incompetência da Justiça do Trabalho, levando-se em conta que, em princípio, esta só se encontrava, constitucionalmente, dotada de competência para dirimir litígios entre trabalhadores e empregadores, ou seja, que diziam respeito a um contrato de trabalho. Ocorre que, por força da Emenda Constitucional
n. 45/2005, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, para abarcar todos os conflitos derivantes das relações de trabalho, vale dizer, mesmo aqueles que tenham como origem uma relação jurídica material regida pelo Direito Comum.

Diante disso, para os efeitos deste Curso, decidimos: a) num primeiro momento, lançar considerações propedêuticas sobre as modalidades de intervenção de terceiro, segundo a disciplina a cada uma delas imposta pelo processo civil; b) num segundo momento, manifestar o nosso ponto de vista, caso a caso, em face da referida ampliação da competência da Justiça do Trabalho.

2. Considerações propedêuticas
2.1. Oposição
2.1.1. Escorço histórico


Em Roma, o iudicium se estabelecia entre o autor, o réu e o juiz, motivo por que a sentença e a coisa julgada só alcançavam as partes, nunca terceiros: res inter alios iudicata aliis nec prodest, nec nocet.

Totalmente diverso, contudo, era o tratamento que o direito germânico barbárico dispensava ao problema dos limites subjetivos da coisa julgada material. O juízo, aqui, era universal, pois cabia à assembleia do povo decidir, em praça pública, sobre os conflitos de interesses. Com isso, os efeitos da decisão atingiam não apenas os litigantes, mas todos os que tivessem participado da assembleia. Essa expressiva e insólita particularidade do

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direito germânico do período fazia com que, diante de uma demanda envolvendo autor e réu, o terceiro se visse obrigado a intervir no processo, com o objetivo de excluir as pretensões das partes originárias e, desse modo, eximir-se de ter de sujeitar-se ao comando da sentença que viesse a ser aí proferida. Assim, o terceiro intervinha para deduzir uma pretensão contrastante com as formuladas pelas partes. Essa sua intervenção em processo alheio, com essa finalidade, deu origem à figura da oposição, com as características que lhe imprimiram os ordenamentos processuais da atualidade.

A oposição penetrou nos direitos canônico e comum, sob a forma de intervenção no processo das partes. Mais tarde, influenciado pelo direito canônico, o comum converteu a oposição em ação autônoma de terceiro (deixando, a partir daí, de ser uma intervenção em processo alheio), exercida em face de ambas as partes e, conquanto tramitando ao lado da ação precedente, com esta não se confundindo.

A figura da oposição, com os traços que lhe impuseram os direitos canônico e comum, acabou sendo incorporada ao direito lusitano, como revelam, por exemplos, as Ordenações Filipinas: “vindo o opoente com seus artigos de oposição e assim excluir o autor, como ao réu, dizendo que a cousa demandada lhe pertence, e não a cada uma de ditas partes...” (Livro 3.º, Título 20, § 31).

Da oposição também se ocupou o Regulamento n. 737, de 1850 (art. 118 e segs.).

No CPC de 1939, ela estava disciplinada nos arts. 102 a 105, que merecem ser agora reproduzidos, para efeito de comparação histórica: “Art. 102. Quando terceiro se julgar com direito, no todo ou em parte, ao objeto da causa, poderá intervir no processo para excluir autor e réu; Art. 103. A oposição será reduzida pela forma dos arts. 158 e 159. § 1.º – A oposição correrá nos autos da ação, quando proposta antes da audiência de instrução e julgamento. § 2.º – Quando a oposição correr em auto apartado, poderá o juiz, a requerimento das partes, ordenar a reunião dos processos, sem prejuízo do andamento da causa; Art. 104. Intimados, poderão autor e réu impugnar os artigos de oposição no prazo comum de cinco (5) dias; Art. 105. A ação e a oposição serão julgadas na mesma sentença”.

No vigente estatuto processual civil, a oposição está regulada nos arts. 56 a 61.

2.1.2. Conceito


Para Moacyr Amaral Santos, a oposição é “ação intentada por terceiro que se julgar, total ou parcialmente, senhor do direito ou da coisa disputada entre as partes numa demanda pendente, formulando pretensão excludente, total ou parcialmente, de ambas. Ou, ainda, o pedido de tutela jurisdicional, ou ação, que terceiro formula na demanda entre as partes, deduzindo pretensão própria, excludente, total ou parcialmente, da dos demais litigantes” (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. 2. v., p. 34). Celso Agrícola Barbi a define como “o instituto pelo qual a pessoa que pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que pende demanda entre outras pessoas, vem propor sua ação contra (sic) elas, para fazer valer direito próprio incompatível com o direito das partes ou de uma delas” (Comentários ao Código de Processo

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Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 1, p. 307). João Monteiro a tinha como a “ação de terceiros para excluir tanto o autor como o réu” (Programa do Curso de Processo Civil. São Paulo: Duprat, 1912. v. III, § 306, p. 377).

Pessoalmente, preferimos conceituar a oposição como: (a) a ação mediante a qual
(b) terceiro intervém, (c) de maneira voluntária, (d) em processo pendente, (e) reivindicando para si, no todo ou em parte, (f) o direito ou a coisa que constitui objeto da lide.

Dissemos:

(a) A ação mediante a qual, porque a intervenção de terceiro, no processo, se dá por meio de ação, consistente no direito público subjetivo de invocar a prestação da tutela jurisdicional do Estado. Esse direito é exercido em face das partes e não “contra” elas;

(b) Terceiro intervém, porquanto a pessoa que pretende deduzir em juízo uma pretensão excludente das que foram manifestadas pelas partes (autor e réu) ainda não se encontra integrada à relação jurídica processual; essa integração ocorrerá quando ela for admitida a participar do processo, na qualidade formal de opoente, ou seja, de parte;

(c) De maneira voluntária, porque essa modalidade de intervenção é facultativa. A lei não obriga a que o opoente se coloque de permeio no processo para formular pretensões elisivas das dos litigantes originais. Intervenções compulsórias são a nomeação à autoria (CPC, art. 62) e a denunciação da lide (CPC, art. 70);

(d) Em processo pendente, sabendo-se que oposição somente será admitida se a sentença ainda não foi proferida. O art. 56, caput, do CPC, é claro ao dizer que essa intervenção poderá ser realizada antes do proferimento da sentença;

(e) Reivindicando para si, no todo ou em parte, na medida em que o opoente pode formular pretensão concernente à totalidade do direito ou da coisa disputada pelos litigantes originais, ou a parte destes. A expressão “no todo ou em parte” já constava do art. 102, do CPC de 1939;

(f) O direito ou a coisa que constitui objeto da lide, uma vez que as partes podem estar a litigar com relação a coisa (res) ou a direito. Essa coisa ou direito são, pois, o objeto da lide. Embora o art. 56, caput, do CPC, refira-se à controvérsia entre o autor e o réu acerca da coisa ou direito, é necessário elucidar que a oposição será admissível mesmo no caso de revelia, em que, por definição, o réu deixou de responder, ou seja, de resistir às pretensões manifestadas pelo autor.

2.1.3. Natureza jurídica


Ao elaborarmos um conceito de oposição, pudemos afirmar que ela traduz uma ação, exercida por terceiro, ad excludentum iura utriusque competitores, vale dizer, com o objetivo de eliminar as pretensões formuladas pelos opostos (autor e réu), fazendo-o em proveito próprio.

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Embora o assunto comporte algumas dissensões, podemos asseverar que, de modo geral, a natureza jurídica da oposição é: a) declaratória, diante do autor; b) condenatória, em face do réu. Aglutinam-se na oposição, portanto, quase sempre, duas ações.

A observação que fizemos há pouco, sobre a natureza jurídica da oposição, pressupunha a existência de uma ação condenatória, em curso, motivo por...

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