Litisconsórcio

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas250-289

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1. Escorço histórico

Conquanto as origens remotas do litisconsórcio possam ser localizadas no direito romano (mencionemos, como exemplo, algumas das ações derivadas do antiquum consortium e as pro socio e pro parte), os objetivos deste livro nos levam a concentrar a nossa atenção em fases históricas mais recentes. Ei-las.

1.1. Período das Ordenações Reinóis

O gênio português concebeu três Ordenações: as Afonsinas (1446), as Manuelinas (1514) e as Filipinas (1603), que tiveram larga aplicação no território brasileiro, notadamente, as duas últimas.

As Ordenações Filipinas, em particular, revelavam a utilidade que o regime listisconsorcial representava no campo dos recursos, ao declararem que a apelação interposta por um dos réus aproveitaria aos demais, que não houvessem recorrido: “Se dous, trez ou mais Tutores, Curadores, ou Procuradores fossem demandados juntamente todos por alguma administração conjunta, e nunca entre elles partida, porque administraram como não deviam; e todos fossem juntamente condenados em huma sentença e hum delles appellasse della, sem appellar cada um dos outros, e depois fosse a appellação achada ser justa e direita, não somente relevará o appellante, mas ainda a cada um dos outros, que não appellaram...”(Livro II, Título LXXX).

1.2. Período imperial

Mesmo depois da Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, as Ordenações Filipinas continuaram a ser aplicadas entre nós, por força de decreto baixado pelo Imperador
D. Pedro I.

Em 1850, pela Lei n. 556, de 25 de junho, o Governo do Império institui um Código Comercial; poucos meses depois, edita o Regulamento n. 737 (25 de novembro), no qual regula o processo referente às causas de natureza comercial. As causas civis continuaram sendo disciplinadas pelas Ordenações Filipinas, numa anômala dualidade legislativa, que somente viria a ser corrigida com o advento da República.

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1.3. Período republicano

Proclamada a República, o Governo Provisório, pelo Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, determinou que o Regulamento Imperial n. 737, de 1850, fosse aplicado também às causas civis, com o que eliminou a anomalia a que há pouco aludimos.

Estava o regime republicano ainda em seus primeiros momentos, quando é publicada a Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, cujo art. 46 dispunha, em sua parte final, verbis: “Assim também pode o réu ser demandado por diferentes autores e o autor demandar diferentes réus conjuntamente e no mesmo processo, sempre que os direitos e obrigações tiverem a mesma origem”.

Como se vê, esse texto do passado dispunha sobre o litisconsórcio, em suas modalidades ativa e passiva. De certa forma, a redação dessa norma reproduzia, com pequenas nuanças de literalidade, o art. 6.º, do Código de Processo Civil português, de 1876, assim elaborado: “Com relação a direitos e obrigações que tiverem a mesma origem pode o réu ser demandado por diferentes autores, e pode o autor demandar diferentes réus, conjuntamente e no mesmo processo”.

No ano de 1930, ex vi do Decreto n. 19.459, de 6 de dezembro, é constituída uma Comissão Legislativa encarregada de efetuar a revisão ou a reforma da legislação civil. A
12.ª Subcomissão, integrada por Abelardo Filho, Filadelfo Azevedo e Antônio Pereira Braga, recebeu a incumbência de elaborar o projeto de Código de Processo Civil do Distrito Federal. Cabe recordar que, na vigência da Constituição de 1891, os Estados-membros detinham competência para legislar sobre matéria processual. A precitada Comissão chegou a preparar a Parte Geral do Código; no Livro II, Título IV, disciplinou o litisconsórcio e a coligação (arts. 30 a 37). No anteprojeto, Pereira Braga encontrou oportunidade para justificar o tratamento dado a essas matérias: “Uma das inovações do nosso projeto da 12.ª Subcomissão foi a maior amplitude da interveniência, pelo litisconsórcio, pela coligação de partes e pelo concurso subjetivo de ações. O verdadeiro litisconsórcio, facultativo ou obrigatório, ficou reservado para os casos de conjunção, indivisibilidade ou solidariedade, ativas e passivas, originárias ou supervenientes, fundadas em uma só relação jurídica e resultante de um mesmo ato ou fato (...). Para o caso em que de um ato jurídico resultem várias relações de direito institui-se a ‘coligação de partes’ em sendo essas relações conexas entre si, acessórias, subsidiárias, ou consequentes...”.

E, mais adiante: “Todas essas regras novas concorrem para se dar a maior utilidade ao movimento processual, para se aproveitarem todas as provas, e para se evitarem as decisões contraditórias” (apud ESTELITA, Guilherme. Do Litisconsórcio no Direito Brasileiro).

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1934, a unidade do direito processual foi restabelecida, porquanto o art. 5.º, inciso XIX, alínea a — em regra que viria a ser mantida pelos textos constitucionais futuros — dispunha ser da competência privativa da União legislar sobre o assunto.

Na vigência da Carta de 1937, é publicado no Diário Oficial de 4 de fevereiro de 1939 um anteprojeto oficial de Código de Processo Civil, preparado por Pedro Batista

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Martins. O litisconsórcio era tratado no capítulo III, Título VIII (“Dos sujeitos do processo”), do Livro I (“Do processo em geral”).

Em 1939, o Decreto-lei n. 1.608, de 18 de setembro, introduz o primeiro Código de Processo Civil unitário, que o Brasil conheceu, tendo entrado em vigor a 1.º de fevereiro de 1940 (art. 1.052). Topologicamente, o litisconsórcio aparece no Capítulo II (arts. 88 a 94), Título VIII (“Das partes e dos procuradores”), do Livro I (“Disposições Gerais”).

Em 1973, o País recebe um novo Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro), que passou a viger em 1.º de janeiro de 1974 (art. 1.120). Esse Estatuto regula o litisconsórcio na Seção I, Capítulo V, Título II (“Das partes e dos procuradores”), do Livro I (“Processo de conhecimento”) e a assistência na Seção II, do mesmo Capítulo.

Comparando-se o CPC atual com o de 1939, podemos tirar as seguintes conclusões, no que diz respeito ao litisconsórcio:

  1. o litisconsórcio simples era tratado no art. 88, do Código de 1939, que corresponde, mutatis mutandis, ao art. 46, do atual;

  2. o litisconsórcio unitário estava mencionado no art. 90, do CPC de 1939, sendo disciplinado pelo art. 47, do atual;

  3. o litisconsórcio necessário era referido nos arts. 91 daquele Código, que corresponde ao art. 47, do CPC de 1973;

  4. a autonomia da vontade dos litisconsortes era declarada pelo art. 89, do CPC de 1939, sendo objeto de previsão pelo art. 48, do atual;

  5. o direito de cada litisconsorte promover o andamento do processo era reconhecido no art. 92, do CPC revogado, estando assegurado no art. 49, do vigente;

  6. o CPC de 1973, ao contrário do de 1939 (art. 88, caput), não alude aos litisconsórcios recusáveis, irrecusáveis e opcionais;

  7. o CPC de 1939 não previa a possibilidade de haver redução do número de litisconsortes ativos, como permite o atual (art. 46, parágrafo único, com a redação dada da Lei n. 8.952, de 13-12-94);

  8. de modo geral, o CPC em vigor dispensou um melhor tratamento ao litisconsórcio, sob os pontos de vista doutrinário e sistemático, não o encabulhando, por exemplo, com a assistência litisconsorcial, como fizera o Código de 1939 (art. 93).

A única referência que o processo do trabalho faz ao litisconsórcio está no art. 842, da CLT: “Sendo várias as reclamações e havendo identidade de matéria, poderão ser acumuladas um só processo, se se tratar de empregados da mesma empresa ou estabelecimento”. Mais adiante, voltaremos a examinar este dispositivo da CLT. Desde logo, porém, devemos deixar claro que embora o mencionado dispositivo da CLT se refira ao litisconsórcio ativo é perfeitamente admissível no processo do trabalho a formação de regime litisconsorcial do tipo passivo, vale dizer, no qual figurem dois ou mais réus. Dada a precariedade da disciplina da matéria no texto da CLT, aplicam-se ao processo do trabalho as disposições do CPC, pois ausente o óbice da incompatibilidade (CLT, art. 769).

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2. Conceito de parte

No plano particular da terminologia jurídico-processual, significa “os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz”, segundo Liebman (Manualle di Diritto Processuale Civile, Milano: Giuffrè, 1973. v. I, n. 41, p. 75).

Em Chiovenda, parte é conceituada como “aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandado) a atuação de uma vontade da lei e aquele em face de quem essa atuação é...

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