Ato Atentatório à Dignidade da Justiça

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas201-208

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1. Comentário

O processo moderno, como método estatal de solução heterônoma dos conflitos de interesses, não é, como o processo do passado, coisa das partes (sache der parteien); nem o juiz figura como um “convidado de piedra” (na feliz expressão do Prof. Ricardo Nugent, in: Congresso Internacional sobre Justiça do Trabalho, Anais, Brasília, 1981), que se limita a contemplar, em atitude passiva, as partes a se digladiarem com ampla liberdade. O caráter publicístico do processo contemporâneo reserva aos litigantes uma faixa extremamente diminuta de disponibilidade, e salienta a figura do juiz, como condutor soberano do processo.

Alteado ao procedimento de reitor do processo, o juiz, hoje, encontra-se legalmente apercebido de uma vasta quantidade de poderes necessários ao exercício dessa regência exclusiva, por força da qual a ele incumbe, como dever, disciplinar, fiscalizar e reprimir certos atos praticados pelas partes, e mesmo por terceiro (sempre que isso seja imprescindível), mediante a submissão de todos às regras procedimentais traçadas por lei.

O acentuado componente inquisitivo do processo do trabalho — presente, também, no plano das ações individuais — justifica a outorga, ao juiz do trabalho, de poderes mais amplos que os são conferidos ao juiz de direito (CLT, art. 765). Revelam-se, como expressões concretas da largueza desse poder diretivo, dentre outras, as de assegurar a celeridade do procedimento, indeferindo, com vistas a isso, diligências inúteis ou meramente procrastinatórias (CPC, art. 370, segunda parte); reprimir ou prevenir atos atentatórios à dignidade da justiça (CPC, art. 139, III); proferir sentença obstativa do propósito de as partes, em conluio, valerem-se do processo para a prática de ato simulado ou visando a alcançar finalidade proibida por lei (CPC, art. 142).

Os ordenamentos processuais modernos cumularam, enfim, em sua maioria, o juiz de um complexo de poderes, doutrinariamente designados diretivos do processo que se exteriorizam ora sob a forma jurisdicional (vinculados), ora policial (discricionários: CPC, arts. 360 e 78; CLT, art. 816), comportando os primeiros a subdivisão em ordinatórios, instrutórios e finais (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas..., p. 276-279) — embora entendamos ser possível incluir-se, aí, aquela classe de atos judiciais relativos à administração pública de interesses privados, impropriamente denominada “jurisdição voluntária” (sic).

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Dentre os diversos poderes de que se encontra provido o juiz, nos tempos atuais, interessa ao estudo deste Capítulo o pertinente ao de advertir ao devedor de que o seu comportamento processual constitui ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 772, II). Esse poder do juiz articula-se com os deveres a que estão submetidos os litigantes, os terceiros e respectivos procuradores, e que se encontram contidos, em larga medida, nos arts. 77 e 80 do CPC. Consta do primeiro: “São deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. § 1.º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2.º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3.º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2.º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. § 4.º A multa estabelecida no § 2.º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1.º, e 536, § 1.º. § 5.º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2.º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário mínimo. § 6.º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2.º a 5.º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará. § 7.º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2.º. § 8.º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”.

Dispõe o art. 80: “Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.

As razões dessa inovação ilegal — que julgamos altamente salutar — estão lançadas na Exposição de Motivos do projeto do CPC de 1973, encaminhado pelo então Ministro da Justiça, Prof. Alfredo Buzaid, à consideração do...

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