Interesse Processual

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas139-144

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1. Comentário

O interesse processual significa que, sem a intervenção dos órgãos jurisdicionais, o autor sofreria um dano ou não teria reparado o dano sofrido (CHIOVENDA. Princípios, vol. I, p. 200).

A respeito dessa condição da ação, cindiu-se a doutrina; de um lado, postaram-se os autores para os quais o interesse em invocar a tutela jurisdicional do Estado decorre da necessidade de obter-se o pronunciamento estatal; de outro, os que entendem provir esse interesse da utilidade que a intervenção jurisdicional propicia ao autor. Essas posições doutrinárias não ficam circunscritas ao campo das meras abstrações, se não que repercutem no plano prático. Basta ver que, de acordo com a primeira, toda vez que o indivíduo não conseguir uma solução extrajudicial para o conflito de interesses em que se encontra envolvido, aí nascerá o seu interesse em solicitar a atuação dos órgãos jurisdicionais, com a finalidade de solver o litígio; a prevalecer, no entanto, a opinião da segunda corrente, não bastaria — para configurar o interesse de agir em juízo — a simples necessidade de obter a tutela jurisdicional, tornando-se indispensável que a sentença seja efetivamente útil às pretensões manifestadas pelo autor.

A qual dessas concepções doutrinárias se teria filiado o processo civil brasileiro? A julgar pelo parágrafo único do art. 20 do CPC, cremos que a ambas. Sem embargo, estabelece essa norma legal ser admissível a ação declaratória mesmo que já se tenha consumado a violação do direito. Ora, como anota Moniz de Aragão, conquanto com vistas ao CPC de 1973, “Se a lei reputasse válida a opinião dos que se filiam à primeira corrente, não haveria necessidade da regra inscrita no art. 4.º, parágrafo único, pois para estes é evidente que basta a simples necessidade de entrar em juízo para estar preenchido o requisito do interesse; se a lei faz o esclarecimento referido no mencionado texto, é porque reconhece que, sem essa ressalva, a ação declaratória não poderia ser proposta. Logo, esse dispositivo cria exceção à regra geral, a qual consiste na segunda teoria acima indicada” (obra cit., p. 440).

Embora o interesse processual figure, modernamente — por influência do pensamento de Liebman —, como uma das condições da ação (CPC, arts. 17 e 485, VI), cuja inexistência, em dado caso concreto, implicará a extinção do processo sem julgamento do mérito, no passado algumas vozes de peso não viam razão de ser do interesse, como entidade autônoma.

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Invrea, v. g., em trabalho dado a lume no ano de 1928, refutou a existência do interesse como requisito para ingressar em juízo. Segundo esse jurista, a noção de interesse era despicienda, redundante, pois o interesse estaria intimamente ligado ao próprio exercício do direito de ação, ou seja, implícito no ato de o indivíduo invocar a intervenção jurisdicional do Estado. Invrea combateu a opinião de Mortara e de Chiovenda, afirmando que, como o princípio da liberdade jurídica não deve ser objeto de restrições desnecessárias, é imperativo que haja o que chamou de razão jurídica para ser aceita essa limitação. Na pena desse autor, a razão jurídica derivava do fato de o réu haver cometido uma violação de direito (devendo, por isso, suportar as consequências desse ato) ou da necessidade de o autor alcançar uma sentença com a finalidade de fazer atuar o direito; conclui Invrea que o direito de ação pode ser exercido independentemente de investigar-se a presença de eventual interesse, sendo suficiente, para o ingresso em juízo, que haja: a) um direito material da parte; e b) uma causa legítima de agir contra certa pessoa (Rivista di Diritto Processuale Civile, 1928, Parte l, p. 320).

Merece reparo o pensamento de Invrea. Em primeiro lugar, o exercício do direito de ação não se subordina — como imaginou — à preexistência de um direito material. Essa concepção civilista da ação foi fulminada por Adolfo Wach, já em 1885, que argumentou com a ação declaratória negativa, destinada, por excelência, a obter um pronunciamento jurisdicional no sentido da inexistência de direito material (ou de relação jurídica); em segundo, o pressuposto da causa legítima, idealizado por Invrea, é falso, porque para agir em juízo não é suficiente que exista essa causa legítima: é fundamental que a parte contrária não tenha desejado reparar, de maneira espontânea, a lesão...

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