Requisitos Necessários para Realizar a Execução

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas145-156

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1. Comentário

Tanto no processo civil quanto no do trabalho, a possibilidade de promover-se qualquer execução está condicionada à concorrência de dois requisitos fundamentais: a) o inadimplemento do devedor; e b) a existência de título executivo (CPC, arts. 515 e 786).

A locução legal “qualquer execução” significa exatamente aquilo que a sua literalidade sugere, vale dizer, que esses dois requisitos são indispensáveis à realização das execuções em geral, tenham elas por objeto uma obrigação de dar (dinheiro ou coisa), de fazer ou de não fazer.

Na verdade, os pressupostos do inadimplemento do devedor e do título executivo são específicos, porquanto a execução, como as ações em sentido amplo, não dispensa a presença do interesse de agir, da legitimidade ad causam e da viabilidade jurídica do pedido, ou seja, das condições necessárias ao exercício do direito de invocar a tutela jurisdicional do Estado.

Interessam mais diretamente ao estudo da matéria, entretanto, os requisitos específicos a que nos referimos há pouco; a eles dedicaremos, por isso, este Capítulo.

2. Inadimplemento do devedor

Como dilucida Alcides de Mendonça Lima, disposições respeitantes ao adimplemento ou inadimplemento de obrigações não deveriam ser introduzidas no corpo de estatutos processuais, aos quais são tecnicamente estranhas (obra cit., p. 268). Realmente, esse assunto pertence ao direito material, pouco importando a espécie de obrigação que tenha sido descumprida. Apesar disso, devemos reconhecer que o legislador processual assim agiu com o escopo de estabelecer um critério objetivo, ao qual deveria submeter-se todo aquele que desejasse promover qualquer espécie de execução. Esse critério (ou pressuposto) foi o do inadimplemento do devedor — ao qual se soma o da existência de título executivo.

Embora o verbo inadimplir traduza, na terminologia do processo, o ato pelo qual o devedor deixa de cumprir uma obrigação, devemos ponderar que o inadimplemento, em sua significação plena, só se configura quando a obrigação deixar de ser: a) cumprida em sua modalidade típica (pagar quantia certa, fazer, não fazer, entregar coisa); b) no prazo legal; c) no lugar estabelecido; d) de acordo com as demais condições constantes do título executivo.

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No processo do trabalho, e. g., quando as partes transacionam, costuma-se fixar dia, hora e local em que a obrigação deverá ser satisfeita. Em muitos desses casos, o devedor cumpre a obrigação no dia e no local estabelecidos, porém, fora do horário previsto. Diante disso, o credor, após receber o valor que lhe foi colocado à disposição, pelo devedor, requer a execução da cláusula penal ajustada, sob o argumento de que a obrigação não foi cumprida na hora avençada. Conquanto possa parecer injusta essa atitude do credor, não podemos deixar de reconhecer que o direito lhe assiste, pois o horário constitui, sem dúvida, uma das condições segundo as quais o devedor se obrigou. Se, em determinado caso, as partes não fixarem o horário em que a obrigação deverá ser adimplida, entende-se que o devedor poderá solvê-la até o final do expediente forense; caso o expediente seja encerrado antes do horário normal (em virtude de algum fato extraordinário), e antes do horário em que a obrigação deveria ser satisfeita, pensamos que ela poderá ser cumprida no primeiro dia útil subsequente, até o horário anteriormente estipulado.

Levando em conta as considerações que acabamos de formular, agirá com justificável prudência o devedor se, comparecendo a juízo no horário fixado para o cumprimento da obrigação, e lá não estando o credor, solicitar que a secretaria da Vara certifique esse fato nos autos, a fim de evitar que, mais tarde, o credor venha a alegar que a obrigação foi realizada fora do horário estabelecido, e, em consequência, solicite a execução da cláusula penal instituída.

O adjetivo inadimplente, aliás, deve ser inteligido em seu duplo senso: a) inadimplemento absoluto; e b) inadimplemento-mora, subdividindo-se o primeiro em a.a) total e a.b) parcial. No inadimplemento absoluto, não houve o cumprimento da obrigação, nem poderá havê-lo, em decorrência, p. ex., do perecimento do objeto, de culpa do credor etc.; no inadimplemento-mora, a obrigação não foi cumprida no lugar, no tempo ou na forma convencionada, embora permaneça a possibilidade de ser satisfeita. No adimplemento absoluto total a obrigação deixou de ser cumprida em sua integralidade, ao passo que no absoluto parcial o inadimplemento atingiu apenas parte da obrigação.

Pontes de Miranda, com habitual mestria, alerta ao fato de inexistir sinonímia entre os conceitos de dívida e de obrigação: “Quem deve está em posição de ter o dever de adimplir, mas pode não estar obrigado a isso. Então, há o dever, e não há a obrigação (...). Quem deve, e não é obrigado, não pode ser constrangido a adimplir, nem sofre consequências do inadimplemento (...). Quem deve e não está obrigado, como quem deve e está obrigado, e presta, satisfaz e libera-se. Se deve e não está obrigado, e não inadimple, nada pode contra o devedor, o credor. Se deve, e está obrigado, e não adimple, incorre em mora. Expõe-se a que o credor exerça o direito de resolução ou de resilição por inadimplemento” (Tratado, 26, § 3.102, p. 5, n. 1).

Verificado o inadimplemento do devedor, a norma processual atribui ao credor a faculdade de deduzir a correspondente pretensão executiva, com o objetivo de fazer com que o devedor seja levado a satisfazer, coercitivamente, a obrigação materializada no título exequendo. Sem que tenha ocorrido o inadimplemento, o credor não poderá, portanto, promover a execução, sob pena de vir a ser declarado carente dessa ação, dada a manifesta ausência de interesse de agir em juízo; via de consequência, deverá ser ex-

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tinto o processo, sem pronunciamento acerca do “mérito” (CPC, art. 485, VI). Por outro lado, o cumprimento da obrigação, pelo devedor, impede o início da execução, ou o seu prosseguimento — conforme tenha sido o momento em que o devedor se desobrigou —, como adverte o art. 788 do CPC; para que a prestação realizada pelo devedor se revista dessa eficácia extintiva da execução (CPC, art. 924, II), torna-se imperativo que ela corresponda ao direito ou à obrigação derivante do título executivo; caso isso não aconteça, permite a lei que o credor requeira a execução (CPC, art. 788, caput, parte final), nada obstante se reserve ao devedor a possibilidade de oferecer embargos no momento oportuno (ibidem).

Para que o credor possa exigir o adimplemento da obrigação, esta deve apresentar-se de maneira líquida, ou seja, certa quanto à sua existência e determinada em relação ao seu objeto. Sendo ilíquida a obrigação, impede-se que o credor exija o seu cumprimento; é que, no caso, a imprecisão do quantum debeatur faz com que o título se torne inexigível — fato que poderá ser alegado pelo devedor mediante os embargos que lhe são próprios (CPC, art. 917, I).

Sempre que for defeso a um contraente, antes de cumprida a sua obrigação, exigir o implemento da do outro, não se realizará a execução, se o devedor se propõe a satisfazer a obrigação, com meios reputados idôneos pelo juiz, mediante a execução da contraprestação pelo credor, e este, sem justo motivo, recusar a oferta (CPC, art. 787). Vem da lei, a propósito, o dever de o credor, na espécie focalizada, provar que adimpliu a contraprestação, que lhe corresponde, ou que lhe assegura o cumprimento, se o devedor não for obrigado a cumprir a sua prestação senão mediante a contraprestação daquele (CPC, art. 798, I, “d”). O devedor poderá, todavia, liberar-se da obrigação depositando em juízo a prestação ou a coisa; nessa hipótese, o juiz suspenderá a execução, não permitindo que o credor a receba, sem adimplir a contraprestação que lhe estiver afeta (CPC, art. 787, parágrafo único).

Para que a execução não se realize, pois, na situação em exame: a) é necessário que o devedor se proponha a satisfazer a obrigação, com meios que o juiz considere idôneos, mediante a contraprestação que incumbe ao credor; b) este, sem razão legal, recuse a oferta; a contrario sensu, a execução poderá ser realizada se: a) o devedor não se dispuser a cumprir a obrigação; b) propondo-se, deixar de indicar os meios com que o fará; c) indicando-os, estes vierem a ser julgados inidôneos pelo juiz; d) sendo idôneos, o credor recusar a oferta com justo motivo.

Toda vez que o credor, sem cumprir a prestação que lhe cabe, exigir o cumprimento da que toca ao devedor, este poderá, no ensejo dos embargos que vier a oferecer, alegar o excesso de execução (CPC, art. 917, § 2.º, IV).

Ilustremos com um exemplo.

Em alguns casos de transação judicial, autor e réu estabelecem prestações recíprocas, cuja realização deverá ocorrer em épocas distintas: o réu obriga-se a pagar ao autor certa quantia no dia 14 de dezembro; este, em contrapartida, obriga-se a restituir àquele, até o dia 10 de outubro do mesmo ano, alguns bens que se encontram em seu poder (pertencentes ao réu) e que estão perfeitamente individualizados no termo de transação. Por força desse negócio jurídico bilateral, conseguintemente, o autor apenas poderá exigir do réu

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o cumprimento da obrigação por este assumida (de pagar quantia certa) se, antes, efetuar a contraprestação que lhe corresponde (devolver os bens descritos no termo). Desse modo, se...

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