A autorização de uso da marca pelo franqueador a terceiros como hipótese de inadimplemento do contrato de franquia

AutorMatheus Marchiori dos Santos
Ocupação do AutorMestrando em Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP
Páginas673-705
A autorização de uso da marca pelo
franqueador a terceiros como hipótese de
inadimplemento do contrato de franquia
Matheus Marchiori dos Santos1
Sumário: Introdução; – 1. O contrato de franquia e a
autorização de uso de marca e de outros direitos de
propriedade intelectual; – 1.1. A racionalidade econômica do
contrato de franquia; – 1.2. A marca, sua função econômica e a
gradação finalística dos elementos do contrato de franquia; – 2.
As cláusulas de exclusividade no contrato de franquia; – 3. O
inadimplemento obrigacional: a autorização de uso de marca e
outros direitos da propriedade intelectual; – 3.1. A autorização
de uso de marca como inadimplemento da prestação principal;
– 3.2. O inadimplemento em razão do descumprimento das
cláusulas de preferência e de exclusividade em favor do
franqueado; – 3.3. A autorização de uso da marca como
inadimplemento relacionado à boa-fé objetiva; – 4. Algumas
considerações sobre as consequências do inadimplemento em
razão da autorização do uso de marca; – 5. Considerações
finais.
Introdução
O sistema de franquia possui importância econômica ímpar na
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1 Mestrando em Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP. Bacharel
em Direito pela Faculdade de Direito da USP (2018), com parte da graduação
cursada no King’s College London, como bolsista de mérito acadêmico da
Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (2016).
Advogado.
economia brasileira. De acordo com a Associação Brasileira de
Franchising, em 2019 o setor movimentou mais de cento e oitenta
e seis bilhões de reais, empregando quase um milhão e quatrocen-
tas mil pessoas2. Tamanha relevância se explica, entre outras ra-
zões, pelo extenso alcance do sistema de franquia. Este contrato
pode ter objetos bastante diversos, abrangendo a comercialização
de um amplo espectro de bens, traduzindo-se, por exemplo, em
franquias de produção, serviços ou distribuição3. A franquia pode,
ainda, tomar diversas formas, como a franquia simples de marcas e
produtos, ou franquia de formato de negócio4.
Apesar de tal abrangência implicar existência de várias possí-
veis particularidades em cada contrato de franquia, a regulamenta-
ção legal da franquia empresarial é unificada. O primeiro marco
regulatório do sistema se deu com a Lei nº 8.955, de 15 de dezem-
bro de 1994, já revogada. A atual regulamentação se dá por meio da
recente Lei nº 13.966, de 26 de dezembro de 2019 (“Lei nº
13.966/19”).
O diploma, além de revogar a legislação anterior, oferece algu-
mas inovações e consolida certas soluções costumeiras que ainda
eram objeto de controvérsia ocasional na doutrina e na jurispru-
dência. São estes os casos, por exemplo, da não caracterização de
relação de consumo entre franqueado e franqueador e da possibili-
dade de eleição de foro arbitral para a solução de disputas.
A Lei nº 13.966/19 também acaba por melhorar a caracteriza-
ção do contrato de franquia, detalhando seu conteúdo e conse-
quências legais. Este detalhamento, inclusive, pode servir de refor-
ço aos argumentos daqueles que o consideram um contrato típico5.
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2 Associação Brasileira de Franchising. Desempenho do franchising brasileiro
em 2019. Disponível em: https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/,
acesso em 29.04.2020.
3 MENEZES CORDEIRO, Antonio. Do contrato de franquia (“franchising”):
autonomia privada versus tipicidade negocial. Revista da Ordem dos Advogados.
Ano 48, v. 1, Lisboa, abr./1998, pp. 69-70. Em sentido semelhante: BRAGA,
Carlos D. A. Contrato de franquia empresarial. In: COELHO,bio Ulhoa
(coord.). Tratado de direito comercial. V. 6, São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 175-
176.
4 BRAGA, Carlos D. A. Contrato de franquia empresarial, cit., p. 174; VE-
NOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2019,
p. 882.
5 Há ampla discussão doutrinária sobre a tipicidade do contrato de franquia,
Além disso, em aparente privilégio da boa-fé objetiva e de seus
deveres informacionais, o rol de conteúdos obrigatórios da Circular
de Oferta de Franquia (COF) foi ampliado e a possibilidade de
nulidade - e não apenas anulabilidade - do contrato em face do
descumprimento, pelo franqueador, dos requisitos da COF, tam-
bém foi reconhecida.
Geralmente considerado um contrato por adesão6, pois usual-
mente formado por meio da adesão dos franqueados a cláusulas
gerais predispostas pelo franqueador, o contrato de franquia tam-
bém costuma ser um contrato empresarial não paritário7.
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em especial na vigência da legislação anterior. Há autores que defendem a atipi-
cidade do contrato de franquia (e.g. BRAGA, Carlos D. A. Contrato de franquia
empresarial. Contrato de franquia empresarial, cit., p.177; RICHT, Marina Nas-
cimbem Bescetejew. A relação de franquia no mundo empresarial e as tendências
da jurisprudência brasileira. São Paulo: Almedina, 2014, pp. 62-63), bem como
autores que defendem sua tipicidade (e.g. FORGIONI, Paula Andrea. Contrato
de distribuição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 73; CRETELLA
NETO, José. Do contrato internacional de franchising. Rio de Janeiro: Forense,
2000, p. 39; BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 1999, p. 531) ou sua tipicidade social (THEODORO JÚNIOR, Humber-
to; MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Apontamentos sobre a responsabili-
dade civil na denúncia dos contratos de distribuição franquia e concessão comer-
cial. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo:
Malheiros, n. 122, abr./jun. 2001, pp. 10-11).
6 No STJ, a questão foi enfrentada pelo REsp nº 1.602.076, que tratou prin-
cipalmente sobre a invalidade da cláusula arbitral de certo contrato de franquia.
Na decisão reconheceu-se que “com fundamento na doutrina e nos julgamentos
deste Superior Tribunal de Justiça, o contrato de franquia ou franchising é ine-
gavelmente um contrato de adesão” (STJ, 3ª T., REsp nº 1.602.076/SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, j. 15.06.2016, v.u.). Criticando fortemente a decisão e a
referida classificação: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. O STJ e a natu-
reza jurídica do contrato de franquia. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista
dos Tribunais online, fev./2017, pp. 75-84).
7 Paula Forgioni entende que é inerente ao contrato de franquia a dependên-
cia econômica do franqueado ao franqueador, compreendida a dependência eco-
nômica como a possibilidade de uma das partes impor os termos do contrato à
outra. Indica a autora que, de outro modo, “não se conseguiria o efeito uniforme
e desfazer-se-ia o mote central da franquia” (Contratos empresariais: teoria geral
e aplicação. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, pp. 68-69).
Não obstante, a existência de paridade das partes (ou, para Forgioni, o grau de
dependência econômica) deve ser considerada à luz das peculiaridades de cada
contrato. Além disso, ainda que considerado contrato não paritário, o contrato
de franquia não atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, nos

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