Incorporação imobiliária: resolução / revisão dos contratos de promessa de compra e venda em tempos de pandemia

AutorJosé Fernando Simão e Alexandre Junqueira Gomide
Ocupação do AutorLivre docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas865-906
Incorporação imobiliária: resolução / revisão
dos contratos de promessa de compra e
venda em tempos de pandemia
José Fernando Simão1
Alexandre Junqueira Gomide2
Sumário: 1. Uma questão terminológica; – 2. A estrutura da
incorporação imobiliária e a extinção do vínculo contratual nos
termos da Lei 4.591/1964; – 3. A resolução do vínculo
contratual após a pandemia; – 3.1 A resolução por
descumprimento das obrigações do incorporador; – 3.2. A
resolução por descumprimento das obrigações do adquirente; –
3.3. A revisão do contrato pleiteada pelo adquirente; – 4.
Conclusão.
1. Uma questão terminológica
O título de nossa reflexão utiliza o termo resolução como uma
das formas de extinção do contrato. Para que haja clareza, a bem
das categorias jurídicas, uma introdução sobre os termos emprega-
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1 Livre docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da
Faculdade de Direito da USP. Segundo Secretário do IBDCONT. Presidente do
Conselho Consultivo do IBRADIM. Advogado e Parecerista.
2 Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e Diretor Regional do IBRADIM
em SP. Advogado. Colaborador do Blog Civil & Imobiliário
(www.civileimobiliario.com.br).
dos quando a extinção do contrato, quer seja pela lei, quer seja pela
doutrina, se faz necessária.
A extinção dos contratos pode se dar por motivos que antece-
dem a formação, ou que existem no momento da formação, ou
supervenientes à formação. A questão temporal é relevante, pois a
depender do momento, a extinção pode se dar no plano da validade
ou da eficácia.
Se o motivo for antecedente ou simultâneo à formação, o con-
trato é inválido. A inobservância da forma prescrita em lei (a fian-
ça, por exemplo, dar-se-á por escrito nos termos do art. 819 do
CC), a ilicitude ou impossibilidade do objeto (não pode ser objeto
de contrato herança de pessoa viva – art. 426 do CC) ou a incapa-
cidade ou ilegitimidade das partes (é anulável a venda de ascenden-
te a descendente sem a concordância dos demais descendentes e
do cônjuge do alienante – art. 496) são causas de nulidade ou de
anulabilidade. O exemplo mais comum de anulabilidade se verifica
quando há divergência entre a vontade interna e a declarada, ou
seja, há um vício de consentimento (lesão ou estado de perigo -
arts. 156 e 157 do Código Civil).
Se o motivo for posterior à formação, o contrato se extingue no
plano da eficácia. Se a extinção se der em razão do adimplemento,
do pagamento o contrato se extingue de forma natural, fica atendi-
do o programa obrigacional. É o adimplemento que atrai, polariza.
Se a extinção se der por razão posterior à formação, sem que
haja o cumprimento, ou tendo havido cumprimento, mas o contra-
to permanece produzindo efeitos por tempo indeterminado, temos
uma das três figuras que nos interessam: rescisão, resolução e resi-
lição.
Há, assim, uma importante diferença entre a invalidade e a ine-
ficácia do negócio jurídico. Se reconhecida a invalidade, seus efei-
tos retroagem, são ex tunc, o negócio jurídico é apagado do mundo
jurídico (mesmo em se tratando de anulabilidade). Ocorrendo a
ineficácia, os efeitos são ex nunc, ou seja, de agora em diante, pre-
servando-se os efeitos produzidos até o momento em que o negó-
cio jurídico perde seus efeitos3.
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3 Pontes de Miranda entende que os efeitos da resolução podem ex tunc:
O Código Civil de 1916 utiliza os vocábulos rescisão e resolu-
ção, quer seja por meio do substantivo, quer seja por meio do ver-
bo. O artigo 1092, parágrafo único daquele diploma serve como
exemplo. Na hipótese de inadimplemento, a parte que for lesada,
“pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos”. Resci-
são, portanto, era hipótese de extinção culposa do contrato.
Contudo, nem sempre se exigia culpa como elemento da resci-
são. Na hipótese de evicção parcial, o Código Civil de 1916 permi-
tia ao evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição de
parte do preço pago (art. 1.114). Como se sabe, a evicção não pres-
supõe culpa ou ciência do vício de direito por parte do alienante.
Logo, a rescisão, para fins de evicção parcial não tinha relação com
inadimplemento culposo, abastando se verificar a existência do ví-
cio.
Na hipótese de venda ad mensuram, o Código Civil de 1916
também permitia ao comprador exigir o complemento da área e,
não sendo possível, reclamar a rescisão do contrato ou abatimento
proporcional do preço (art. 1.136). Efetivamente a rescisão, aqui,
tem por base a culpa do vendedor que inadimpliu a prestação de
entregar certa medida ou extensão.
Na locação de imóvel (prédio rústico ou rural), previa o Código
Civil de 1916 que o locatário devia utilizar o imóvel para a função
a que se destina, de modo que não o danifique, sob pena de rescisão
do contrato e perdas e danos (art. 1.211). Novamente, rescisão é
decorrência de inadimplemento culposo.
Interessante a redação do artigo 1361 do CC/16 pela qual “se
não se fixou prazo à representação, pode o autor intimar o empre-
sário a que o fixe, comunicando-lhe sob pena de rescisão do contra-
to”. A não fixação do prazo implicava extinção do contrato por
culpa do empresário.
Contudo, nota-se que não havia, efetivamente, uso uniforme
do termo rescisão. O artigo 1.190 do CC/16 assim dispunha:
“Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do
locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguer, ou
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“Tudo se passa no plano da eficácia, embora como se desconstituído fosse, ex
tunc, ou ex nunc, o negócio jurídico” (FRANCISCO, Pontes de Miranda. Tratato
de Direito Privado. T. 25. São Paulo: Bookseller, 2005, p. 199).

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