Inadimplemento de obrigações acessórias e dever de cuidado nas tratativas ao contrato de trabalho

AutorPriscila Mathias Fichtner
Ocupação do AutorDoutora em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas643-671
Inadimplemento de obrigações acessórias e dever
de cuidado nas tratativas ao contrato de trabalho
Priscila Mathias Fichtner1
Sumário: Introdução; – 1. Inadimplemento dos deveres de
proteção pré-contratuais nas relações de trabalho; – 1.1.
Investigação sobre dados profissionais e acadêmicos: dever do
candidato de apresentar informações verídicas; – 1.2.
Investigação sobre antecedentes criminais e pendências
financeiras: princípio da finalidade e dever de preservação da
intimidade do candidato; – 1.3 Pesquisa comportamental em
redes sociais e vedação ao uso abusivo e discriminatório das
informações; – 1.4. Dever de cautela no tratamento de dados
durante o processo seletivo; – 2. A perda de uma chance e o
inadimplemento do dever de cuidado e da tutela da confiança;
– 3. Danos decorrentes do inadimplemento na fase
pré-contratual trabalhista: problema da quantificação; – 4.
Notas conclusivas.
Introdução.
O contrato de trabalho encarta obrigações principais bem defi-
nidas. De um lado, o empregado se obriga a prestar pessoalmente
o serviço pactuado. Do outro, o empregador deve pagar o salário
respectivo no tempo e modo acordados. Outras obrigações de não
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1 Doutora em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social
pela Universidade de São Paulo (USP). Sócia no Escritório Chalfin, Goldberg e
Vainboim Advogados, com forte atuação na área trabalhista consultiva e
contenciosa.
menos importância, entretanto, se acoplam à execução do contrato
de trabalho, de inegável natureza contínua, pessoal e relacional2.
Como todo contrato, e particularmente pela sua natureza persona-
líssima, deverá ser sempre executado de boa-fé, surgindo daí os
deveres colaterais ou anexos, em especial o de colaboração e coo-
peração para ambas as partes. Ao empregado será exigido o dever
de diligência, lealdade e obediência às diretrizes fixadas pelo em-
pregador, a quem cumpre dirigir e direcionar o serviço. Segundo
Délio Maranhão: “o dever de diligência importa para o empregado
na obrigação de dar, na prestação do trabalho, aquele rendimento
qualitativo e quantitativo que o empregador pode legitimamente es-
perar3”. Deverá o empregado, portanto, prestar o trabalho como
gostaria de recebê-lo, com zelo, esmero e lealdade, no sentido de
evitar qualquer conduta capaz de desabonar o bom nome ou a hon-
ra do seu empregador.
O empregador, por sua vez, deverá proporcionar os meios ade-
quados para que o empregado possa executar o seu serviço, de
modo a entregar-lhe as ferramentas e materiais necessários ao tra-
balho, além de garantir a saúde e segurança do ambiente laboral.
Tais obrigações bilaterais são tão importantes que a sua inob-
servância ou descumprimento pode ensejar a rescisão por justa
causa do contrato de trabalho, seja ela imputável ao empregado ou
ao empregador. É o que se infere da leitura dos artigos 482 e 4834
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2 Segundo a definição adotada por RONALDO PORTO MACEDO JR., os
contratos relacionais são contratos de longa duração, que tendem a criar relações
contínuas e duradouras, sujeitas a mutações constantes e, portanto, mais flexí-
veis e abertos, vez que envolve elementos que muitas vezes não são mensuráveis.
Por isso entende existir cláusulas de regulamentação do processo de renegocia-
ção contínua, determinado pelas relações e características das partes (MACEDO
JUNIOR, Ronaldo Porto. Direito à informação nos contratos relacionais de con-
sumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 9, n. 35, p.113-122,
jul./set. 2000).
3 SUSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas, TEXEI-
RA, Lima. Instituições de direito do trabalho, v. I. São Paulo: LTr, 2005, p. 259.
4 O art. 482 da CLT enumera hipóteses de atos que constituem justa causa
para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, a exemplo de ato de
improbidade, mau procedimento, concorrência desleal, desídia no desempenho
das respectivas funções, embriaguez habitual ou em serviço, violação de segredo
da empresa, ato de indisciplina ou de insubordinação, abandono de emprego,
dentre outros que maculam a confiança necessária à manutenção da relação de
emprego.

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