Efeitos da mora na entrega de unidade imobiliária: autonomia entre perdas e danos, perda da chance e privação do uso?

AutorCássio Monteiro Rodrigues
Ocupação do AutorMestre e Doutorando em Direito Civil pela UERJ. Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela EMERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Advogado
Páginas757-784
Efeitos da mora na entrega de unidade
imobiliária: autonomia entre perdas e danos,
perda da chance e privação do uso?
Cássio Monteiro Rodrigues1
Sumário: Introdução; 1. As opções do credor frente ao
inadimplemento relativo: execução específica da obrigação e
perdas e danos; – 2. Outras possíveis consequências
indenizatórias da mora: as figuras do dano pela perda de uma
chance e pela privação do uso; – 3. Qualificação funcional das
situações lesivas decorrentes da mora na entrega de unidade
imobiliária: danos autônomos ou situações fáticas aptas a
deflagrar o dever de indenizar?; – 4. Conclusão.
Introdução
O fenômeno do inadimplemento da obrigação possui variadas
consequências a depender do sujeito por ele responsável. O orde-
namento jurídico também prevê efeitos distintos para as espécies
de inadimplemento, seja ele qualificado como absoluto ou mora.
Em se tratando dessa última hipótese, o principal efeito do
inadimplemento relativo é tornar o devedor responsável pelo
ressarcimento das perdas e danos experimentadas pelo credor,
em decorrência do atraso ou descumprimento da obrigação a ele
imputável, conforme disposto nos artigos 389, 395, 402 e 403 do
Código Civil.
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1 Mestre e Doutorando em Direito Civil pela UERJ. Especialista em
Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela EMERJ. Bacharel em
Direito pela UFRJ. Advogado.
Ou seja, o credor, para além de poder exigir o cumprimento da
obrigação, caso esta ainda seja possível e útil ao seu interesse, em
tese poderá se ressarcir pelo o que efetivamente perdeu e pelo que
razoavelmente deixou de lucrar.
Guiada pela personalização e despatrimonialização do direito
civil, a doutrina cada vez mais reconhece novos interesses merece-
dores de tutela pelo ordenamento jurídico, do que decorre a am-
pliação das hipóteses de danos indenizáveis2 ou flexibilização de
seus pressupostos, a fim de atender ao princípio da reparação inte-
gral.
Nesse processo, tanto a doutrina como a jurisprudência pos-
suem a tarefa de realizar a correta qualificação das mais diversas
situações jurídicas e eventos lesivos, para se alcançar o resultado e
tutela de valores pretendidos pelo ordenamento jurídico. Essa va-
loração deve ser realizada com base no papel funcional dos institu-
tos jurídicos,3 de modo que prevaleça sua função social perante seu
perfil estrutural, que pode não apresentar a resposta mais adequa-
da aos problemas complexos da realidade social.
O presente artigo busca, então, sem pretensão de esgotar o
tema, examinar os efeitos do inadimplemento relativo na entrega
de unidades imobiliárias, caso comum e recorrente na prática judi-
ciária nacional, e as pretensões indenizatórias que surgem para o
credor lesado desse evento, com enfoque no instituto do dano pa-
trimonial, em especial o dano emergente, os lucros cessantes e,
mais recentemente, a possibilidade de ressarcimento pela perda de
uma chance e pela privação do uso, a fim de delimitar o regime
jurídico aplicável a cada uma dessas figuras, sua autonomia e possi-
bilidade de cumulação a depender do caso concreto.
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2 Nesse sentido, vide BODIN DE MORAES, Maria Celina. Constituição e
Direito Civil: Tendências. Revista dos Tribunais, n. 779, 2000; E, ainda, RA-
MOS, Carmem Lucia Silveira. “A constitucionalização do direito privado e a
sociedade sem fronteiras”. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fun-
damentos do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
3 Relembre-se a lição de Salvatore Pugliatti, para quem a função é “a razão
genética do instrumento, e a razão permanente de seu emprego, isto é a sua razão
de ser. Por via de consequência, é a função que irá determinar a estrutura, pois o
interesse tutelado é o centro de unificação em respeito do qual se compõem os
elementos estruturais do instituto.” (PUGLIATTI, Salvatore. La proprietà nel
nuovo diritto, Milano: Giuffrè, 1954, p. 300)

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