Contratualização das famílias e inexecução dos pactos antenupciais: admissibilidade e limites da cláusula penal

AutorHeloísa Helena Barboza e Vítor Almeida
Ocupação do AutorProfessora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas989-1011
Contratualização das famílias e inexecução dos
pactos antenupciais: admissibilidade e limites da
cláusula penal
Heloisa Helena Barboza1
Vitor Almeida2
Sumário: Introdução: privatização e contratualização da vida
conjugal; – 1. Famílias contratualizadas e estatuto patrimonial;
– 2. Contornos jurídicos dos pactos antenupciais; – 3.
Inexecução dos pactos antenupciais e limites da cláusula penal;
– 4. Considerações finais.
Introdução: privatização e contratualização da vida conjugal
A pluralidade das entidades familiares, constitucionalmente
estabelecida no art. 226, permitiu que arranjos não fundados no
casamento fossem igualmente merecedores de tutela no ordena-
mento jurídico brasileiro. O reconhecimento do rol meramente
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1 Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Diretora da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Direito pela
UERJ e em Ciências pela ENSP/FIOCRUZ. Especialista em Ética e Bioética
pelo IFF/FIOCRUZ. Procuradora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(aposentada). Parecerista e advogada.
2 Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do
CEPED-UERJ, PUC-Rio e EMERJ. Vice-diretor do Instituto de Biodireito e
Bioética (IBIOS). Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil (IBERC). Pós-doutorando em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado.
exemplificativo dos modelos familiares e seu caráter não hierárqui-
co promoveram significativa transformação na seara do direito das
famílias, que impactou toda sua estrutura voltada, até então, para
a via do casamento como única forma legítima de constituição fa-
miliar. A vigente Constituição da República consagrou a desvincu-
lação entre casamento e reprodução humana, permitindo a forma-
ção de famílias não matrimonializadas, além de estabelecer a plena
igualdade entre os filhos como mandamento constitucional inafas-
tável. A inabalável instituição familiar, mantenedora da paz domés-
tica e indissolúvel até 1977, desapegou-se da sua função ensimes-
mada e abstrata para buscar sua verdadeira vocação de espaço pro-
pício e adequado para o desenvolvimento da personalidade e reali-
zação pessoal de cada um de seus membros, com fundamento em
laços de afeto, cuidado e solidariedade, indispensáveis ao respeito
e à promoção da dignidade de todos os integrantes do círculo fami-
liar.
Apesar de tal cenário, a rigidez e a natureza impositiva da maior
parte das normas previstas no Livro dedicado ao Direito de Família
no Código Civil ainda contrastam com a dinâmica plural contem-
porânea voltada para o acolhimento de diferentes modalidades de
família, que sequer foram cogitadas pelo legislador pátrio. Desse
modo, a autonomia privada, hoje reconhecida tanto para fins de
constituição e de dissolução da entidade familiar, que resultou da
Emenda Constitucional n. 66/2010, encontra obstáculos significa-
tivos na auto-regulamentação dos interesses das pessoas casadas ou
que convivem em união estável para definirem suas próprias regras.
Nesse contexto, diante de um estatuto familiar-conjugal no qual
predominam disposições de ordem pública, muitos são os desafios
impostos à autonomia conjugal quando se trata da regulamentação
dos desígnios de condução da vida a dois, inclusive no âmbito patri-
monial. Dificuldades afloram especialmente diante de situações
que envolvem a liberdade existencial no espaço conjugal.
O fortalecimento da autonomia privada em terreno familiar de-
sagua, inevitavelmente, na “despublicização” de parte das suas nor-
mas, sobretudo daquelas voltadas a pessoas adultas e capazes e com
simetria de forças, o que impõe a não intervenção do Estado nas
relações familiares baseadas em relações horizontais, portanto nas
quais não se constata a existência de qualquer marcador de vulne-
rabilidade hábil a sujeitar um membro a outro dentro da estrutura
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